A poesia do jornalista goiano Severino Francisco dialoga com as obras de Carlos Drummond de Andrade, Manoel de Barros e Clarice Lispector (foto: Ant�nio Cunha/CB/D.A Press)
Arriscar-se em outro of�cio depois de uma carreira consolidada � tarefa complicada. O goiano Severino Francisco, jornalista do di�rio Correio Braziliense e elogiado cronista da capital federal, ousou fazer esse caminho ao lan�ar um livro de poemas. Em “Flama”, ele exibe po�tica concisa e densa que dialoga com Drummond, Clarice Lispector e Manoel de Barros.
“Quando voc� se mete a escrever versos no Brasil, tem de se deparar com os grandes em busca de sua voz. Esse di�logo � a mistura de humilha��o e provoca��o. Mas se voc� ficar s� na rever�ncia, n�o faz a sua poesia. � preciso se posicionar, confrontar com o seu olhar”, diz Severino.
"Quando voc� se mete a escrever versos no Brasil, tem de se deparar com os grandes em busca de sua voz. Esse di�logo � a mistura de humilha��o e provoca��o. Mas se voc� ficar s� na rever�ncia, n�o faz a sua poesia"
Severino Francisco, escritor e jornalista
LINGUAGEM
A marca da poesia aparece nas cr�nicas de Severino, mas os poemas trazem outro tipo de proposta.
“Se voc� tem sensibilidade ou instinto para a poesia, ela vai se manifestar de alguma forma em tudo o que voc� faz. Mas h� diferen�as de linguagem e de forma: a cr�nica � mais dispersiva; a poesia do verso � mais concentrada e tensa”, afirma o escritor.
Severino cita o caso de Rubem Braga, que, ao escrever poemas, adotou estilo mais convencional que o de suas cr�nicas, espalhando poesia de fazer inveja a Carlos Drummond de Andrade e Manuel Bandeira.
A capa despojada de “Flama”, totalmente em branco com o t�tulo em fonte preta, contrasta com o interior do livro. Os poemas ganham a companhia de ilustra��es expressivas do artista pl�stico Wagner Hermusche, que vive confinado no cerrado bravo nas proximidades de Bras�lia.
“Hermusche teve uma intui��o e colocou Clarice Lispector com o corpo de esfinge eg�pcia, metade humana, metade animal, coroada por um feixe de pepalanto. Com isso, indicou a trilha a ser explorada”, revela Severino, referindo-se � planta conhecida como chuveirinho- do-cerrado.
“Ele utilizou a flora nativa para fazer conex�es simb�licas com os poemas, embora s� alguns sejam sobre Bras�lia. Acho que situou o livro em Bras�lia sob um �ngulo interessante, que funciona plasticamente”, acrescenta.
O escritor acredita na poesia como forma de resist�ncia neste pa�s em que o negacionismo e a vulgaridade s�o exaltados diariamente por governantes. A liberdade do poema se contrap�e ao autoritarismo que se tenta instaurar no Brasil. “A poesia nos salva das maiores pragas de nosso tempo”, defende.
“Nos tempos em que lecionava, eu tinha uma aluna chamada Andreia, que anotava os poemas de Carlos Drummond em um caderninho. Eu dizia: 'Andreia est� salva'. E a turma perguntava: 'Salva de qu�'?. Eu replicava: 'Salva da mesmice, da desumaniza��o, da manipula��o, da massifica��o, da estupidez e da burrice.”
A poesia de Severino � mais forte do que a instantaneidade e a pressa de um mundo pautado por v�deos de 15 segundos e pela autoexposi��o constante. “A poesia � a tecnologia mais sofisticada que existe”, garante o escritor. “Ela � a possibilidade de transcend�ncia. Estou mais interessado na flama do que na fama.”
O autor se formou em jornalismo e exerce a profiss�o desde 1978. Fez mestrado em literatura na Universidade de Bras�lia (UnB) e deu aulas de jornalismo e est�tica no Uniceub, na capital federal. Escreveu o livro “Da poeira � eletricidade – Uma hist�ria da m�sica em Bras�lia” e a biografia do artista pl�stico Athos Bulc�o.
A flora do cerrado inspirou as ilustra��es de Wagner Hermusche para "Flama" (foto: Wagner Hermusche/reprodu��o)