
Grandes demais para serem esgotados por
biografias
, e mesmo por muitas biografias, alguns
astros
da m�sica brasileira entram na esteira das an�lises, teses e estudos de tra�ados sociais,
pol�ticos
e
psicol�gicos
que podem levar ao entendimento ampliado de sua exist�ncia.
Julliany Mucury, que vive em Berlim, mestre e doutora em literatura brasileira pela Universidade de Bras�lia (UnB), tem pronta a publica��o “Renato, o Russo”, pela Editora Garota FM Books. O
livro
est� em campanha de financiamento coletivo pela plataforma Catarse e chega �s v�speras dos 25 anos da morte do compositor, em decorr�ncia da Aids, em 11 de outubro de 1996. O link do projeto � www.catarse.me/renatoorusso.
Focos
A teoriza��o de Renato Russo e o entendimento de como suas transforma��es como autor refletem a transforma��o do artista e do mundo ao seu redor s�o um dos focos do livro. Designar Renato como poeta n�o basta para Julliany. E dissec�-los, Manfredini e Russo, at� encontrar os limites onde o homem se torna a persona, n�o parece ser o interesse da autora.
“A cria��o de Russo por Manfredini Jr. constituiu o sentido do que Mikhail Bakhtin define como acabamento, um precisando do outro para ser acabado, vivendo uma exist�ncia compartilhada, ainda que notadamente diferente”, escreve Julliany. “N�o h� confus�o direta quando analisamos a vida e a obra de Renato, h� um distanciamento desse autor-criador em rela��o ao autor que vivencia as experi�ncias. Ainda assim, o mist�rio que ronda esta fronteira, essa distin��o entre ambos, � o que gera e alimenta o car�ter messi�nico, mitol�gico, que foi sendo erguido pelos f�s em torno da composi��o de Russo”, afirma.
Poeta ou letrista? H� not�ria resist�ncia nos ambientes acad�micos para o reconhecimento de produtores de m�sica popular como literatos. Mas o termo poeta tamb�m n�o bastaria para o entendimento de Russo. Era preciso chegar a algo em que coubesse o pensador da can��o. Assim, os estudos do compositor Luiz Tatit resolveram a quest�o de Julliany. Russo seria um cancionista.
“Ele (o termo cancionista) serve para definir um artista que habita a zona de produ��o da letra de can��o e tamb�m do elemento mel�dico que a acompanha. Para Tatit, o cancionista � um malabarista, equilibrando melodia no texto e texto na melodia com tal habilidade que n�o parece haver esfor�o”, escreve a autora.
A leitura cr�tica de 29 can��es de Renato mostra a evolu��o e a mudan�a de eixos de um homem que inicia denunciando atrocidades ao redor em “Gera��o Coca-Cola”, segue colocando lentes de roteirista na rela��o de Eduardo e M�nica e ganha densidade para fazer de “Faroeste caboclo” sua pr�pria “Hurricane”, a monumental letra de Dylan.
A Aids far� a ruptura e colocar� Russo na trilha da morte, da ang�stia e da despedida que se ouve no �lbum “A tempestade ou o livro dos dias”, lan�ado um m�s antes de sua partida.
A inten��o de Russo ia al�m da cria��o de letras para uma banda de rock. Julliany retoma o drama vivido aos 15 anos, quando ele foi diagnosticado com epifisi�lise. Obrigado a ficar de cama por dois anos, o garoto criou em seu mundo particular a The 42nd Street Band, liderada pelo vocalista imagin�rio Eric Russell, ningu�m menos do que ele mesmo.
Raul Seixas acreditou no personagem que criou para si e morreu sendo ele. Renato Russo cansou. Trancafiado e distante, agonizou em um apartamento sem permitir, como fez Cazuza, que seus ossos fossem fotografados. Julliany pensa neste fim com tristeza: “Como Maria Callas, ele se fechou, se entregou e n�o voltou mais”.
(Estad�o Conte�do)