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Estado de Minas LITERATURA

Escritoras transformam a experi�ncia do luto em livro

Lan�amentos de Noemi Jaffe, Chimamanda Ngozi Adichie e Djamila Ribeiro abordam a dor da perda de um ente querido


25/08/2021 04:00 - atualizado 25/08/2021 07:28

Noemi Jaffe diz que todos os brasileiros estão de luto
Noemi Jaffe diz que todos os brasileiros est�o de luto "pelas perdas, pela doen�a, mas tamb�m por um pa�s" (foto: Renato Parada/divulga��o)

"N�s, no Ocidente, n�o nos preparamos nem para a velhice nem para a morte. A gente n�o est� preparado para os buracos, a gente fica querendo tampar. Como a morte e a doen�a s�o buracos, em vez de compreender a gente se aliena desse sentimento. Quando ele vem, n�o sabemos lidar"

Noemi Jaffe, escritora


O luto e o olhar sobre os ancestrais e a mem�ria s�o temas de tr�s livros que, nestes tempos de pandemia e de muitas perdas, podem ajudar a refletir sobre a morte e a aus�ncia.

A autora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie fala sobre a perda do pai em “Notas sobre o luto” e a brasileira Noemi Jaffe escreve um memorial para a m�e em “Lili – Novela de um luto”, enquanto Djamila Ribeiro oferece um olhar sobre a ancestralidade em “Cartas para minha av�”.

LEMBRAN�A 

Noemi perdeu a m�e em fevereiro de 2020 e come�ou a escrever logo em seguida. A inten��o, inicialmente, n�o era dar forma a um livro, mas manter viva a lembran�a de dona Lili. A autora temia que a mem�ria f�sica da presen�a da m�e se transformasse em saudade.

No pequeno livro, as lembran�as se organizam de maneira muito delicada quando Noemi transita entre descri��es do cotidiano e seus pr�prios sentimentos em rela��o a dona Lili, � morte, � presen�a e � aus�ncia.

Por que dividir com o leitor essa intimidade t�o dif�cil e sofrida? “Tem muitas respostas para isso. Uma delas � o fato de que todos os brasileiros, hoje, est�o de luto pelas perdas, pela doen�a, mas tamb�m por um pa�s. Com esse governo que est� a�, a gente sente que est� perdendo o pa�s que a gente conheceu”, afirma Noemi.

Por outro lado, ela acredita, tudo o que um escritor escreve, mesmo que seja sobre outras pessoas, revela algo da pr�pria intimidade. “A gente escreve falando de si e tamb�m do outro que mora dentro da gente”, diz Noemi Jaffe.

Chimamanda Ngozi Adichie define o luto como
Chimamanda Ngozi Adichie define o luto como "uma realidade obstinada que se recusa a ir embora" (foto: Redes sociais/reprodu��o)

"Esse jeito igbo, esse jeito africano de lidar com o luto tem seu valor: o luto exteriorizado, perform�tico e expressivo, no qual se atende a todos os telefonemas e se conta e reconta o que aconteceu, no qual o isolamento � um an�tema e 'pare de chorar' um refr�o"

Chimamanda Ngozi Adichie, escritora


Livros sobre o luto costumam gerar identifica��o universal, envolvendo, sobretudo, pessoas que viveram a dor da perda. Para Noemi, isso pode ser fruto da maneira como as sociedades ocidentais lidam com a morte.

“S�o sentimentos universais. Talvez n�o universais, mas ocidentais. N�s, no Ocidente, n�o nos preparamos nem para a velhice nem para a morte. A gente n�o est� preparado para os buracos, a gente fica querendo tampar. Como a morte e a doen�a s�o buracos, em vez de compreender a gente se aliena desse sentimento. Quando ele vem, n�o sabemos lidar. Muitas sociedades lidam de outra forma, se preparam mais”, acredita.

Na sociedade de origem de Chimamanda Ngozi Adichie, a morte � recebida de forma diferente. Entre os igbos, o luto vem acompanhado de rituais que duram dias, mas os sentimentos de aus�ncia, impot�ncia e saudade s�o os mesmos.

A autora de “Americanah” perdeu o pai em junho de 2020, em meio � pandemia. Com a fam�lia dividida em pa�ses diferentes e impedida de se deslocar por causa de sucessivos lockdowns, a despedida do patriarca, que morreu na Nig�ria, foi vivida em meio a incertezas e muita ang�stia.

O processo � descrito em “Notas sobre o luto”, livrinho muito emocionante no qual Chimamanda fala da hist�ria de sua pr�pria fam�lia, mas tamb�m de la�os que ligam profundamente pais e filhos.

Djamila Ribeiro revela que viveu o luto sob a
Djamila Ribeiro revela que viveu o luto sob a "cobran�a social violenta" imposta pelo racismo (foto: Flip/divulga��o)

"A m�e de uma amiga me disse: "N�o chore, voc� precisa ser forte pelos seus irm�os". Sei que ela n�o falou por mal, mas qu�o cruel � dizer para uma jovem de 20 anos que ela n�o pode chorar a morte de sua m�e? (...) Essa imagem da mulher negra forte � muito cruel"

Djamila Ribeiro, escritora


FANTASMA 

A morte dos pais, conta a autora, foi uma assombra��o a pairar constantemente. Quando ela ocorre de fato, a certeza do desespero se instala, mas tamb�m nascem outras certezas, ancoradas, sobretudo, nas rela��es de amor e admira��o que ajudam a passar pela aus�ncia.

“O luto n�o � et�reo; ele � denso, opressivo, uma coisa opaca. O peso � maior de manh�, logo depois de acordar: um cora��o de chumbo, uma realidade obstinada que se recusa a ir embora”, escreve Chimamanda. “Eu n�o vou ver meu pai nunca mais. Nunca mais.”

Entre os preparativos para o vel�rio, o enterro, as cerim�nias igbos tradicionais, a administra��o da dist�ncia e dos anseios da fam�lia, al�m dos cuidados com a m�e, que a autora viria a perder pouco depois, h� tamb�m reflex�es sobre as particularidades relativas ao luto na cultura africana.

“Esse jeito igbo, esse jeito africano de lidar com o luto tem seu valor: o luto exteriorizado, perform�tico e expressivo, no qual se atende a todos os telefonemas e se conta e reconta o que aconteceu, no qual o isolamento � um an�tema e ‘pare de chorar’ um refr�o”, observa.

� sobre ela mesma, mas tamb�m sobre sua ancestralidade e as aus�ncias familiares, que Djamila Ribeiro escreve em “Cartas para minha av�”. Com textos endere�ados � av� Ant�nia, a fil�sofa e ativista revela viver um luto h� muito reprimido.

RACISMO 

Djamila perdeu a av� ainda menina; a m�e morreu quando ela tinha 20 anos. Doze meses depois, foi-se o pai. A escritora demorou para processar esses lutos e, em parte, isso se deve a uma cobran�a social violenta que tamb�m � fruto do racismo.

“No enterro de minha m�e, a m�e de uma amiga me disse: ‘N�o chore, voc� precisa ser forte pelos seus irm�os’. Sei que ela n�o falou por mal, mas qu�o cruel � dizer para uma jovem de 20 anos que ela n�o pode chorar a morte de sua m�e? (...) Essa imagem da mulher negra forte � muito cruel. As pessoas se esquecem de que n�o somos naturalmente fortes. Precisamos ser porque o Estado � omisso e violento”, reflete a autora.

Mais � frente, ela revisita a pr�pria inf�ncia, quando os pais exigiam da menina for�a diante das agruras da vida. “Preparar para a vida, quando se trata de uma crian�a negra, � ser brutalizada o bastante para aprender a lidar com a brutalidade do mundo”, escreve Djamila Ribeiro.

(foto: Companhia das Letras/reprodução)
(foto: Companhia das Letras/reprodu��o)

“LILI – NOVELA DE UM LUTO”
De Noemi Jaffe
Companhia das Letras
140 p�ginas
R$ 39,90

(foto: Companhia das Letras/reprodução)
(foto: Companhia das Letras/reprodu��o)










“NOTAS SOBRE O LUTO”
De Chimamanda Ngozi Adichie
Tradu��o: Fernanda Abreu
Companhia das Letras
140 p�ginas
R$ 29,90

(foto: Companhia das Letras/reprodução)
(foto: Companhia das Letras/reprodu��o)










“CARTAS PARA MINHA AV�”
De Djamila Ribeiro
Companhia das Letras
200 p�ginas
R$ 34,90


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