O Pula Catraca lan�a hoje �lbum que compila temas autorais criados por diversos compositores da cidade para os desfiles do bloco (foto: Marcela Karitas/Divulga��o)
Num ano em que a folia de Momo foi inviabilizada pela pandemia do novo coronav�rus, deriva��es carnavalescas pululam na forma de projetos autorais. O bloco Pula Catraca lan�a nesta sexta-feira (27/08) o �lbum hom�nimo, com a compila��o das m�sicas que embalaram seus cortejos desde 2014.
Nara Torres, a Naroca, integrante dos blocos Chama o S�ndico e Sagrada Profana, apresentou na semana passada o single “Tangar�”, cart�o de visitas de seu disco de estreia em carreira solo, “Meridiana”, previsto para o pr�ximo m�s de outubro.
A Atl�ntica Banda, surgida a partir do bloco Roda de Timbau, lan�ou recentemente o single “Timbal�cia” e planeja para 2022 um �lbum completo, autoral. E o cantor, compositor e instrumentista Di Souza, regente do Ent�o, Brilha!, divulgou seu segundo �lbum solo, “Bloco da Saudade”, em abril passado.
“Com a pandemia e, consequentemente, o cancelamento do carnaval e a impossibilidade de fazer shows, os artistas ligados a essa cena tiveram que se reinventar. Percebemos que era hora de trabalhar nosso repert�rio autoral”, diz Pedro Thiago, da Atl�ntica Banda.
Rodolfo TZ, integrante do Pula Catraca e tamb�m da banca Caminantes, diz que o �lbum que vem a p�blico hoje � fruto de um processo fragmentado. Trata-se de uma colet�nea de temas assinados por diversos compositores de BH para os desfiles realizados ao longo dos �ltimos sete anos.
“O disco traz nove faixas, todas autorais. Tem m�sica do Ti�o Du�, que � do grupo formado pelo Luiz Gabriel Lopes, o Gustavito e o Juninho Ibituruna; tem marchinhas feitas coletivamente pelo pessoal do Tarifa Zero, tem m�sica do Du Macedo, tem uma da banda Djalma N�o Entende de Pol�tica e tem uma m�sica minha, que � a in�dita do �lbum. S�o pessoas que resolveram contribuir com a pauta do Tarifa Zero”, diz, destacando o fato de todas as faixas terem como tema a quest�o da mobilidade urbana.
Depois do single "Timbal�cia", lan�ado h� duas semanas, a Atl�ntica Banda, que surgiu a partir do bloco Roda de Timbau, prepara um �lbum completo para 2022 (foto: Rafael Freire/Divulga��o
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LIVE
O disco ser� lan�ado com uma live, �s 20h, no YouTube e no perfil do Instagram do Pula Catraca. “Todas as m�sicas do �lbum v�o ser tocadas nessa live, e cada uma estar� a cargo de um int�rprete ou compositor. Vamos apresentar as m�sicas e trocar uma ideia sobre nossa pauta e sobre o carnaval de Belo Horizonte, onde h� essa rela��o da festa com a pol�tica”, adianta Rodolfo.
Naroca, que al�m dos blocos Chama o S�ndico e Sagrada Profana integrou diversas outras forma��es musicais na cidade, diz que “Meridiana” n�o versa exatamente sobre carnaval – � um �lbum que passeia por diversos ambientes e apresenta um lado mais intimista seu. Mas ela observa que n�o h� como dissociar o trabalho de sua verve foli�.
“Trabalho no meio musical h� 13 anos e sempre tive isso de estar em v�rios projetos autorais ao mesmo tempo. Toquei com o Iconili durante muitos anos, acompanho o Marcelo Veronez, a Brisa Marques. Nesse processo, tamb�m me envolvi – e muito – com o carnaval. Acaba que tudo o que eu vivi no carnaval est� comigo. A rela��o maior � essa. O carnaval est� presente nesse meu primeiro trabalho solo, mas ele vai al�m disso”, afirma.
Di Souza, por sua vez, diz que “Bloco da Saudade” prop�e um di�logo estreito com a folia de Momo, enquanto seu �lbum de estreia, “N�o devo nada pra ningu�m” (2015), era mais ligado a uma influ�ncia tropicalista.
“Neste segundo �lbum busquei isso. O pr�prio nome indica, � a saudade do carnaval. Considero que, hoje, mais entendido de carreira, com mais experi�ncia, fiz uma mudan�a de rota, no sentido de pensar quem � o Di Souza na cidade. Em primeiro lugar, � o menino do Ent�o, Brilha!, e, em segundo lugar, o resto”, afirma.
“Considero que esse novo trabalho autoral se conecta um pouco mais com o carnaval, fala disso. Tem a m�sica que fiz para o amigo carnavalesco que morreu de COVID, tem outra m�sica que traduz um sentimento de esperan�a por um carnaval vindouro”, cita.
Nara Torres, a Naroca, lan�ou os singles "Quero" e "Tangar�", que prenunciam seu disco de estreia em carreira solo, "Meridiana" (foto: Luiza Ananias/Divulga��o
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SWINGATON
O disco que a Atl�ntica Banda projeta para o pr�ximo ano tamb�m se ancora diretamente na experi�ncia dos m�sicos com o universo carnavalesco da Roda de Timbau. O trabalho, ainda sem nome, tem como base o ritmo desenvolvido pelo bloco, batizado swingaton, segundo Pedro Thiago.
“Somos m�sicos formados dentro do carnaval, ent�o, naturalmente, quisemos lan�ar um primeiro single j� botando o p� nesse lugar, que � de onde a gente vem, que fundamenta nossa exist�ncia”, diz, sobre “Timbal�cia”.
Ele aponta que o restante do repert�rio j� constru�do, fruto de um processo de composi��o fren�tico, que resultou, at� agora, em 43 m�sicas, segue mais ou menos a mesma linha. “A gente faz umas misturas que acho muito legais, que � aquela for�a do rock com ritmos latinos, muita m�sica cubana, tudo associado � m�sica baiana, ao ax�. A Roda de Timbau � um bloco de hard ax�, e a Atl�ntica Banda segue mais ou menos essa pegada.”
Dos 43 temas, o grupo quer selecionar nove para compor o �lbum. Um segundo single, batizado “Atl�ntico negro”, ser� lan�ado em outubro. “� uma m�sica que tenta resgatar uma hist�ria interessante, sobre um lugar em Belo Horizonte que o pessoal chamava de Pequena �frica, na regi�o dos bairros Lagoinha e Bonfim, por conta da ocupa��o mesmo. Tem aqueles viadutos com nomes ligados � �frica, ali no complexo vi�rio da Lagoinha, que t�m a ver com essa hist�ria”, diz.
Di Souza, do Ent�o, Brilha!, divulgou em abril seu segundo �lbum solo, "Bloco da Saudade" (foto: Lucca Mezzacappa/Divulga��o
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CARNAVAL COVER
Pensando nos diversos ritmos que comp�em o carnaval de rua de Belo Horizonte, Di Souza prop�e uma reflex�o que, ele sup�e, pode ser determinante para o futuro da folia em Belo Horizonte. “A exist�ncia de um futuro criativo para o carnaval est� ligada aos artistas. O carnaval de BH virou um mexid�o, com marchinha, ax�, funk, forr�, pop rock. N�o existe uma identidade musical. Quando voc� pensa em Recife, � o frevo; se voc� pensa em Salvador, � o ax�, e aqui n�o, � um carnaval cover. Isso reverbera na identidade musical das bandas que surgem a partir da�”, avalia.
Ele aponta que o carnaval de Belo Horizonte surgiu embalado pelas marchinhas, mas essa disposi��o inicial foi minada, concomitantemente � tend�ncia de patroc�nios privados para os grandes blocos. “Da� entra o cover. Isso foi um tiro no p�. Hoje existe um entendimento coletivo por parte dos artistas de que o caminho � a m�sica autoral. Qual a pauta principal do carnaval hoje, tirando a pandemia? � esta: qual vai ser o ritmo de Minas.”
“N�o tem como aglomerar”
O futuro do carnaval na capital mineira ainda � um cen�rio nebuloso para os agentes da festa. Boa parte dos art�fices da folia em BH n�o acredita que possa haver blocos na rua em 2022, em raz�o das incertezas com rela��o ao avan�o da imuniza��o e do surgimento de novas variantes do coronav�rus.
“N�o vejo isso com tranquilidade. N�o tenho coragem de colocar as pessoas em risco, de forma alguma. Nesse per�odo de pandemia, o Queixinho adotou uma atitude de sil�ncio e reflex�o. Carnaval nos moldes a que estamos acostumados, aquela coisa aberta, com multid�o, um encostando no outro, acho dif�cil ter em 2022”, afirma Gustavo Caetano, criador do bloco Samba Queixinho.
“Botar o bloco na rua com medo n�o faz sentido, � ir na contram�o do esp�rito do carnaval, que � uma celebra��o da vida, ent�o seria estranho essa comemora��o em meio a tantos mortos pela COVID-19”, opina.
Ele aponta, contudo, que essa perspectiva n�o implica inatividade ou lat�ncia. Alinhado com a forte carga pol�tica que marcou a retomada do carnaval de rua em Belo Horizonte, no in�cio da d�cada passada, Gustavo diz que o Queixinho se presta a jogar luz em v�rias lutas que acontecem ao longo do ano.
“A gente defende que o carnaval � uma a��o permanente, nunca pensei nele como uma coisa s� de momento. O Queixinho foi criado para isso, para cutucar o ano todo. Ele est� ativo, n�o parou. As oficinas est�o paralisadas porque n�o vejo sentido em faz�-las on-line, gosto do olho no olho, mas, no m�nimo, as conversas est�o acontecendo”, diz.
Em 19 de setembro, ele participa de uma live, viabilizada por um projeto da Belotur, que vai reunir expoentes de blocos do Rio de Janeiro e de S�o Paulo. “Eu n�o me preocupo mais se vai ou n�o ter carnaval no ano que vem. Eu falo de carnaval todos os dias. Tudo que a gente movimenta j� � carnaval para mim. � essa ideia do Dia do �ndio, do Dia das M�es, para mim todo dia � dia do �ndio e dia das m�es. Enquanto a pandemia estiver a�, a ideia � manter as atividades on-line.”
Naroca tamb�m n�o vislumbra um retorno � normalidade da folia em 2022. “N�o tenho perspectivas. A �nica certeza � que a gente precisa aprender a conviver com essa realidade, que se transforma a cada momento”, diz.
Na opini�o dela, “quem trabalha com carnaval est� � deriva”', at� por uma quest�o de calend�rio. “A essa altura do campeonato, certamente a gente j� estaria construindo o carnaval do ano que vem. Os blocos em que atuo trabalham o ano inteiro, e n�o tem como fazer esse trabalho sem saber se realmente vai resultar em alguma coisa. Neste momento, acho que o principal � a sa�de coletiva. Se a sa�de coletiva permitir, a gente pode come�ar a pensar nisso. Acredito numa retomada pontual. A gente pode pensar em novos formatos, mas enquanto n�o estiver tudo muito tranquilo, n�o tem como aglomerar.” (DB)