Fernando Bonassi diz que o livro de Carlos Marcelo ''trata a pol�tica brasileira como o assunto merece: uma quest�o de pol�cia''
Carlos Marcelo, de 50 anos, e Fernando Bonassi, de 58, acertaram ao romper a regra do distanciamento para falar do Brasil urgente, contempor�neo.
“Os planos” (Letramento), lan�ado esta semana, e “Degenera��o” (Record), que chegou �s livrarias em junho, s�o romances de gera��o. Revelam o profundo desalento, a desilus�o e o impasse de personagens que foram jovens durante a redemocratiza��o, sonharam com um pa�s justo e colheram o fracasso. O livro de Carlos se passa durante o governo Temer. O de Bonassi, no dia anterior � elei��o de Jair Bolsonaro � Presid�ncia da Rep�blica.
“Degenera��o”, de Fernando Bonassi, acompanha a saga de um homem que tenta liberar o corpo de seu pai no necrot�rio. O pai era policial, colaborador da ditadura militar, participava de sess�es de tortura. Simbolicamente, � como se o protagonista estivesse empenhado em enterrar o passado, s� que a hist�ria se passa na v�spera da elei��o do capit�o Jair Bolsonaro para a Presid�ncia da Rep�blica.
Bonassi afirma que “Degenera��o” foi escrito com �dio e amargura. O cen�rio � de absoluta desola��o. “O meu olhar � amargo, ele descasca a parede, mas isso n�o � relevante. O cerne � este cara que acha que vai enterrar alguma coisa que na verdade est� ali, naquele momento, justamente ascendendo. O personagem � um cara cheio de amargor, ent�o a realidade fica cinzenta. O livro tem uma velocidade, que � a velocidade do �dio”, diz.
PAI
A jun��o de um epis�dio pessoal do autor com o atual cen�rio pol�tico do Brasil serviu de inspira��o para o romance. Bonassi fala, por um lado, da recente morte de seu pai. “Minha fam�lia era partid�ria da ditadura. A hist�ria de voc� romper com o passado imediato � muito coisa da minha gera��o. O ambiente conservador estava na minha vida. Durante a ditadura, com o sinal da escola e outros est�mulos a que se tinha que obedecer, parec�amos ratinhos”, diz.
Por outro lado, alude objetivamente � elei��o de Bolsonaro. “A trama de ‘Degenera��o’ junta a experi�ncia da morte de meu pai, um homem conservador, com o surgimento de um governo que � pior do que minha experi�ncia anterior.”
O livro sustenta pontes tanto com a literatura brutalista de Rubem Fonseca, pela crueza e viol�ncia da trama, quanto com os enredos de Franz Kafka, ao flagrar a enorme burocracia que o protagonista enfrenta no in�cio de um fim de semana para liberar o corpo do pai.
“Trabalho num monte de frentes, televis�o, teatro, cinema, mas a coisa bacana da literatura, do romance, � que ele pode ecoar de forma mais aguda o que est� acontecendo. Autores mais jovens est�o respondendo muito bem a isso, o Michel Laub, o Joca Terron, o pr�prio Carlos Marcelo com o novo livro dele. No atual momento, a gente est� escolhendo o caminho do mal, esse sujeito que est� no governo foi eleito pelo povo. De tudo o que est� sendo produzido hoje, vai ficar para a posteridade uma meia d�zia de livros esclarecendo o que aconteceu”, afirma Bonassi.
“Minha gera��o � profundamente fracassada no plano pol�tico”, aponta o escritor, acrescentando que em v�rios momentos da hist�ria vislumbrou-se a oportunidade de transformar o Brasil, “fundar uma rep�blica de verdade”. “Sou o cara que, ao fim da ditadura, pensava: ‘Agora vai. N�s somos os bons, os honestos, a gente vai melhorar isso’. E a gente produziu uma coisa pior. ‘Degenera��o’ fala do que fizemos de n�s mesmos. Temos, como gera��o, uma porcentagem de culpa sobre esse fracasso. Ent�o, esse � um livro sobre o fracasso”, diz.
“� preciso que algu�m diga que estamos num beco sem sa�da. N�o d� para contemporizar, lan�ar um protesto, tem � que interromper esse ciclo de fracasso, ent�o � importante que algu�m diga que n�o tem sa�da. N�o h� raz�o para otimismo”, acredita. “A elei��o do cara e a aceita��o desse governo at� agora prova que estamos inertes. A gente pode se transformar num pa�s a qualquer momento, mas, mesmo assim, uma coisa que � concreta e poss�vel, que � o retorno do Lula, est� sendo feita mediante acordos que eu, como homem de esquerda, n�o aprovo. Mas a� � aquela hist�ria: n�o tem Mercedes, vai com Fusca mesmo. A gente est� sempre negociando em malef�cio da democracia”, conclui Bonassi.