
Na pr�xima quinta-feira (16/09), completam-se exatos
30 anos
da morte do escritor
Murilo Rubi�o
e, para marcar a data, est� em curso o projeto
Espa�os de Mem�ria
, que, capitaneado por sua sobrinha, a jornalista e editora S�lvia Rubi�o, consiste na instala��o de placas alusivas nos
lugares
onde ele morou.
S�o cinco endere�os escolhidos para ganhar essa identifica��o. Tr�s deles j� est�o com as placas: na Rua Leopoldina, 822, no Bairro Santo Ant�nio, e nas ruas Trifana, 529, e do Ouro, 777, ambas na Serra. Os dois locais restantes, que ainda v�o ganhar a placa, s�o um pr�dio na Rua Goitacazes e outro na Avenida Augusto de Lima, ao lado do Edif�cio Maletta, ambos no Centro da cidade.
S�o cinco endere�os escolhidos para ganhar essa identifica��o. Tr�s deles j� est�o com as placas: na Rua Leopoldina, 822, no Bairro Santo Ant�nio, e nas ruas Trifana, 529, e do Ouro, 777, ambas na Serra. Os dois locais restantes, que ainda v�o ganhar a placa, s�o um pr�dio na Rua Goitacazes e outro na Avenida Augusto de Lima, ao lado do Edif�cio Maletta, ambos no Centro da cidade.


S�lvia diz que a homenagem – que ela entende como a demarca��o de uma paisagem humana ou de uma geografia �ntima – se justifica porque, diferentemente de muitos de seus pares, que partiram para Rio de Janeiro ou S�o Paulo, Murilo Rubi�o escolheu ficar em
Belo Horizonte
, cidade aonde chegou quando tinha 7 anos, vindo de sua terra natal, Carmo de Minas (que, na �poca, tinha o nome de Silvestre Ferraz).
“Talvez ele at� seria mais conhecido e reconhecido se, como a maioria de seus contempor�neos na literatura, tivesse ido para o Rio ou S�o Paulo, que era o eixo cultural do pa�s naquele momento. Mas ele resolveu ficar e escrever toda obra dele aqui, ent�o tinha mesmo esse amor pela cidade. Ele trabalhou muito pela cultura em Belo Horizonte e em Minas Gerais”, diz, destacando que Rubi�o desempenhou um papel quase que de secret�rio da Cultura, num momento em que ainda n�o havia Secretaria de Cultura.
Considerado a grande refer�ncia do realismo fant�stico em l�ngua portuguesa, Murilo Rubi�o participou da cria��o da Escola Guignard, da qual foi o primeiro diretor, da Funda��o de Artes de Ouro Preto, do Pal�cio das Artes, da Imprensa Oficial e do Suplemento Liter�rio, que, na esfera do jornalismo e da gest�o cultural, talvez tenha sido seu feito de maior reverbera��o. S�lvia acredita que tanto os lugares em que o escritor morou quanto aqueles em que trabalhou ajudam a contar um pouco da sua hist�ria e da hist�ria da cidade.
EFERVESC�NCIA CULTURAL
“Os endere�os todos t�m uma hist�ria para contar, e mostram o percurso de vida dele”, diz. O primeiro lugar que o abrigou, logo quando chegou a Belo Horizonte, foi um sobrado na Rua Goitacazes. Posteriormente, essa casa foi demolida e sua fam�lia mudou-se para o pr�dio em frente. J� na d�cada de 1940, Rubi�o foi morar no Bairro Serra, onde ocupou mais de um endere�o. “Naquele momento, ele estava interessado numa vida mais tranquila. A Serra era um bairro mais afastado, tinha muitas ch�caras, que eram quase casas de campo. Ele morou ali um tempo, depois veio para o Centro da cidade, muito em fun��o do trabalho como jornalista”, conta S�lvia.
Esse per�odo no Centro da cidade, ela relata, foi de muita efervesc�ncia cultural. “Ele tinha uma vida bo�mia intensa ali, com os amigos que moravam por perto. O quarteir�o do Edif�cio Maletta reunia muito intelectuais, havia o Suplemento Liter�rio na esquina da Augusto de Lima com a Esp�rito Santo e, mais abaixo, na Rua da Bahia, havia a Gruta Metr�pole, que ele tamb�m frequentava muito”, pontua, acrescentando que o projeto em curso se prop�e a valorizar esses espa�os e contar a hist�ria da cidade e de seus moradores.
GRUTA METR�POLE
S�lvia conta que, � medida que foi percorrendo os lugares onde o tio havia morado, encontrou pessoas que conviveram com ele, muitas delas crian�as � �poca. “� gente que se lembra da figura dele frequentando o pr�dio, sempre com balas nos bolsos; era um h�bito que ele tinha, porque gostava muito de crian�as”, diz. � precisamente o caso da jornalista Lenora Rohlfs, que morou no mesmo pr�dio que o escritor, na Rua Leopoldina, no Bairro Santo Ant�nio. Ela recorda que as crian�as do pequeno edif�cio de tr�s andares e seis apartamentos e outras da vizinhan�a o chamavam de tio Murilo, porque era uma figura af�vel, carinhosa, e tamb�m por causa das balas e pirulitos que costumava distribuir.
“Esse pr�dio foi constru�do por um bando de intelectuais malucos. Meu pai, Zacarias Barbosa, m�dico e artista pl�stico, era um deles. Essa turma costumava tomar cerveja na Gruta Metr�pole. Foi assim, tomando cerveja, que eles resolveram construir um pr�dio. Murilo estava nessa turma tamb�m. Ele foi morar no apartamento 301. A gente passava no corredor e escutava a m�quina de escrever fren�tica, o tempo todo. Vira e mexe ele vinha aqui em casa mostrar os contos que escrevia para papai”, recorda Lenora, que segue morando no mesmo endere�o.
Ela diz se lembrar com carinho de um epis�dio curioso que, de certa forma, se relaciona com os rumos que sua vida tomou. “Quando eu tinha 6 ou 7 anos – e n�o podia, portanto, nem supor que viria a ser jornalista –, propus para os amigos de fazermos um jornal, e o primeiro entrevistado seria o tio Murilo. Ele topou, e a �nica pergunta que fiz para ele foi: Tio Murilo, voc� � pintor?. Ele caiu na gargalhada. Eu tinha essa ideia porque ele e meu pai trocavam muitos quadros”, conta.
NO CINEMA
Com uma obra relativamente enxuta – s�o apenas 33 contos, que ele escreveu e reescreveu ao longo da vida –, Murilo Rubi�o ocupa um lugar �nico na literatura brasileira e mant�m, nos dias de hoje, uma influ�ncia muito abrangente. Suas obras seguem sendo adaptadas para outras linguagens art�sticas, como o cinema ou as artes c�nicas. O novo filme do cineasta Helv�cio Ratton, “O lodo”, � baseado no conto hom�nimo de Rubi�o. Totalmente rodado em Belo Horizonte, com atores locais – do Grupo Galp�o, principalmente –, tendo Eduardo Moreira como protagonista, o longa foi finalizado no ano passado, mas sua estreia foi suspensa por causa da pandemia.
“Estamos esperando a libera��o de um edital da Ancine. ‘O lodo’ est� sendo distribu�do pela Cinearte, que tem muitas salas em Belo Horizonte, ent�o estamos aguardando uma volta maior do p�blico aos cinemas. Queremos estrear nas salas de exibi��o antes de levar para o streaming”, diz Ratton, que n�o chegou a ter um contato pessoal com Rubi�o, mas diz se lembrar dele circulando pela cidade, em locais como o sagu�o do Edif�cio Maletta ou o Restaurante Casa dos Contos.
“Quis rodar o filme todo em Belo Horizonte e s� com atores locais porque isso tem muito a ver com a escolha do Murilo de permanecer morando aqui. O personagem do Eduardo Moreira circula muito pela cidade. Lendo os contos do Murilo, voc� visualiza muitos lugares de BH. Acho importante levar isso para as telas. � um filme extremamente belo-horizontino”, destaca. Ratton diz que o projeto do longa come�ou a ganhar forma h� cerca de cinco anos, mas que seu interesse pela obra de Rubi�o vem de muito tempo atr�s.
“V�rios companheiros cineastas tinham vontade de filmar alguma coisa do Murilo, mas nunca realizaram. H� uns cinco anos mergulhei na obra dele e cheguei a escrever uma s�rie a partir dos contos, antes de decidir filmar ‘O lodo’, que � uma hist�ria que me atraiu muito, por ter nuances. Tem um tom de absurdo, que me interessa muito, e ao mesmo tempo tem um lado de thriller psicol�gico, com uma verdade que se revela, uma porta que � arrombada para que se tenha acesso � verdade. Tem tamb�m um humor �cido t�pico do Murilo”, detalha, acrescentando que o longa teve uma recep��o muito boa nas duas ocasi�es em que foi exibido, nas mostras de cinema de S�o Paulo e de Tiradentes.
Inspira��o tamb�m nos palcos

O Grupo Giramundo tamb�m recorreu a Murilo Rubi�o para produzir seu mais recente espet�culo, “O pirot�cnico Zacarias”, que foi levado aos palcos em 2019 e acaba de ser adaptado para o cinema, com estreia prevista para dezembro deste ano, dentro do festival de anima��o Mumia. Diretor da montagem, Marcos Malafaia diz que a ideia de encenar Murilo Rubi�o se deveu tanto a uma sugest�o do ent�o secret�rio de Estado de Cultura Angelo Oswaldo, para marcar o centen�rio de nascimento do escritor, celebrado em 2016, quanto ao gosto pessoal dos integrantes do Giramundo pela obra de Rubi�o.
“� uma escrita favor�vel, tem resson�ncia com o teatro de bonecos, por esse aspecto fant�stico. Foi um longo percurso de constru��o da ideia at� ter o ‘Pirot�cnico’ montado”, diz. Malafaia ressalta que o aprofundamento na obra do escritor revelou v�rios aspectos muito interessantes relativos � sua personalidade e � sua arte. Um deles, ele aponta, � o fato de Rubi�o ter produzido, de forma isolada, o realismo fant�stico no Brasil. “E sem que esse g�nero viesse de uma escola, digamos assim. Parece que o realismo m�gico vem da experi�ncia dele, da forma como ele se relacionava com a pr�pria vida, porque tem o paradoxo dessa riqueza criativa dentro de uma rotina relativamente mec�nica, de burocrata. Isso o aproxima da obra do Kafka”, considera.
O realismo fant�stico no Brasil foi um “movimento de um homem s�”, segundo Malafaia. Ele salienta que o g�nero teve representantes c�lebres em outros pa�ses, como a Argentina, e que a literatura latino-americana �, de modo geral, muito identificada com essa vertente, em fun��o de nomes como Cort�zar ou Garc�a M�rques, mas que Rubi�o sempre lhe pareceu uma voz �nica. “O surrealismo dele n�o � como o dos colegas, onde fatos extraordin�rios acontecem de um modo completamente absurdo. Ao contr�rio, a literatura dele � toda l�gica, a linha de desenvolvimento � toda mec�nica, mas dentro desse mecanismo parece que vazam os acontecimentos absurdos. E a vida n�o deixa de ser assim tamb�m, com um vazamento de caos dentro da ordem aparente”, opina. (DB)
