Dois dos mais importantes roteiristas e diretores brasileiros, o pernambucano Guel Arraes e o ga�cho Jorge Furtado , trabalham juntos em projetos h� 30 anos, desde a estreia do “Programa legal” (Globo), em 1991. E n�o � s� a fic��o que d� rumo � parceria – eles acompanham atentamente e trocam ideias sobre a movimenta��o pol�tica e social do Brasil, angustiados com as explosivas not�cias que surgem quase a cada dia. Mas a realidade passou a ser um assunto de maior interesse depois de dois fatos.
“Relembrando com minha filha Julia o famoso debate entre
Lula
e
Fernando Collor
, em 1989, que foi decisivo para a elei��o desse �ltimo, ela me perguntou: ‘O notici�rio sobre o debate foi editado e voc�s n�o fizeram nada?’”, conta Furtado, que comentou o caso com Arraes.
“Quando ouvimos um coment�rio do soci�logo e escritor Jos� Almino, de que Machado de Assis, apesar de grande autor, quase n�o escreveu sobre a condi��o do negro, Guel e eu decidimos que precis�vamos deixar um legado sobre esse momento atual, algo que apresent�ssemos aos filhos e netos quando, no futuro, eles perguntarem o que fizemos durante o governo Bolsonaro”, diz o roteirista ga�cho.
Livro
A resposta � a pe�a “
O debate
”, cujo texto acaba de ser lan�ado em livro pela Editora Cobog�. Trata-se de uma hist�ria ficcional, mas com base na realidade. A a��o se passa em outubro de 2022, no dia em que Lula e Bolsonaro v�o participar de um decisivo debate imagin�rio no segundo turno das elei��es presidenciais.
Os pol�ticos, por�m, n�o s�o personagens, mas Marcos e Paula, jornalistas que j� formaram um casal e agora trabalham juntos no evento.
Marcos, de 60 anos, � o diretor do telejornal apresentado por Paula, de 42, que comandar� o debate. Ambos n�o escondem que s�o antibolsonaristas, mas enquanto ela � favor�vel � divulga��o de uma pesquisa pouco confi�vel que aponta o favoritismo de Lula, ele se apoia na �tica profissional, que impede noticiar fato n�o comprovado.
“Enquanto discutem, Paula e Marcos provocam um debate sobre o debate”, comenta Arraes, justificando o fato de os personagens serem jornalistas. “N�o quer�amos recontar aquele debate de 1989, mas, para retratar eticamente aquele fato, era necess�ria a presen�a de rep�rteres. A discuss�o entre eles nasce da d�vida sobre qual � a melhor forma de enfrentar Bolsonaro.”
As conversas entre Marcos e Paula ocorrem nas raras pausas da transmiss�o, regadas a caf� e cigarros. Desse embate particular despontam quest�es importantes – entre elas, libera��o do aborto, acesso da popula��o a armas de fogo e retirada dos radares de velocidade nas estradas, al�m da corrup��o.
O fim da rela��o amorosa (o casal se separou depois de 20 anos) inflama e contagia os argumentos pol�ticos. “Para Paula, � chegado o momento de ruptura em todos os sentidos, pessoal e social”, comenta Furtado. “Nossa fun��o foi mostrar que ambos tinham sua raz�o”, observa.
“Como fazem os bons jornalistas, ouvimos os dois lados”, completa Guel Arraes, para quem Paula atingiu o momento de ruptura necess�rio para sobreviver. “O Brasil sempre foi um pa�s violento e racista, com alto percentual de machismo e elitismo, e � essa trucul�ncia di�ria que tamb�m inflama o debate dela com Marcos.”
GURU
O argumento da pe�a, originalmente pensado como telefilme, foi enriquecido com todos os tipos de expe- ri�ncia. “At� me lembrei da primeira vez em que ouvi o Olavo de Carvalho, o guru dos bolsonaristas”, conta Furtado. “Como (o fil�sofo alem�o Arthur) Schopenhauer, ele usa argumentos falaciosos para vencer um debate.”
Para Jorge Furtado, que j� criou uma s�rie sobre o jornalismo, a base da democracia � a imprensa livre. “Atualmente, � o escudo contra as a��es de Bolsonaro”, afirma.
“O DEBATE”
De Guel Arraes e Jorge Furtado
Cobog�
80 p�ginas
R$ 36
“RODA VIVA”
Guel Arraes e Jorge Furtado ser�o entrevistados nesta segunda-feira (20/09), �s 22h, no programa “Roda viva”, da TV Cultura de S�o Paulo, com retransmiss�o na Rede Minas. A dupla vai falar de seu livro “O debate” e do panorama pol�tico do Brasil.