
Em 2019, o m�sico mineiro Bemti estava na estrada para divulgar seu primeiro �lbum solo, "Era dois" (2018), quando foi tomado pela vontade de escrever m�sicas. N�o demorou muito at� ele perceber que era hora de come�ar a planejar o segundo, "Logo ali", lan�ado nas plataformas digitais na �ltima quarta-feira (29/09). Nos dois anos que passou arquitetando a chegada do registro in�dito de est�dio, o cantor, compositor e violeiro consolidou o conceito do trabalho, aprofundou sua est�tica e firmou parcerias com artistas como Fernanda Takai, Roberta Campos, Marcelo Jeneci e Jaloo.
"Quando o 'Era dois' saiu e eu comecei a tocar o disco ao vivo, muitas m�sicas come�aram a surgir. Elas j� me indicavam o caminho que o segundo disco deveria seguir. Quando eu estava escrevendo o projeto para submeter no edital do Natura Musical, me veio o conceito do disco, que est� muito associado � ressaca das elei��es de 2018", ele conta.
Segundo Bemti, "Logo ali" � um disco sobre "amar, desamar e seguir em frente, ainda que atravessados pelo fim e o recome�o de todas as coisas". "� um disco muito sobre o �ntimo e o superlativo. As m�sicas dele relatam experi�ncias pessoais atravessadas pela sensa��o de que o mundo est� acabando", ele explica.
Essa sensa��o de terra arrasada, relacionada �s consequ�ncias da elei��o de Bolsonaro e � ascen��o da extrema-direita no Brasil, ganhou um significado ainda mais negativo por conta da pandemia. Em 2020, Bemti planejava continuar a divulga��o de seu primeiro disco at� maio, com shows marcados inclusive em Portugal. Depois disso, em junho, seria a hora de lan�ar um single para anunciar a chegada do disco, no mesmo ano. Mas a COVID-19 o impediu de cumprir esse cronograma.
"Foram muitos altos e baixos. O �ltimo um ano e meio foi muito dif�cil emocionalmente. No in�cio da pandemia, quando eu estava na ro�a, na casa dos meus pais, tive um bloqueio criativo muito grande e nada novo surgia. Foi mais ou menos no meio do ano, em julho, que come�aram a vir novas can��es e eu consegui dar continuidade ao disco", conta ele, que � natural de Serra da Saudade.
''N�o queria que as letras ficassem datadas. Quero que elas funcionem agora, daqui a 10 anos e tamb�m se algu�m conseguisse ouvir na d�cada de 1970''
Bemti, m�sico
CAT�STROFE TROPICAL
Bemti iniciou a divulga��o do novo disco em novembro do ano passado com o single "Catastr�picos!", em parceria com o artista paraense Jaloo. Apesar do tom esperan�oso, a m�sica reflete sobre a sombra que paira sobre os tempos atuais. Segundo o m�sico, ela trata da "cat�strofe de ser brasileiro" e foi feita para soar atemporal, assim como o restante do trabalho."N�o queria que as letras ficassem datadas. Quero que elas funcionem agora, daqui a 10 anos e tamb�m se algu�m conseguisse ouvir na d�cada de 1970. A letra de 'Catastr�picos' tem muito disso. � sobre essa cat�strofe tropical que � ser brasileiro e estar sempre atravessado por todas as mazelas que ficam cada vez mais horr�veis. � sobre encontrar ref�gio no afeto e na cria��o", ele explica.
J� neste ano de 2021, o m�sico lan�ou outros tr�s singles: "Samba!" (com o duo paulistano �vu�), "Se entrega!" e a �tima "Quando o sol sumir", que une a voz de Bemti com a de Fernanda Takai. Al�m de adiantarem muito da inten��o do disco, os singles tamb�m revelaram o quanto esse disco foi feito a muitas m�os.
A produ��o � assinada por Luis Calil e Pedro Alt�rio. Entre os m�sicos convidados est�o Helio Flanders (da banda Vanguart), Paulo Santos (do grupo Uakti) e Marcelo Jeneci (que co-produziu, tocou e cantou na faixa 'Livramento'). No time de compositores com quem Bemti colaborou est�o Roberta Campos, Berro e Nina Oliveira.
A lista de convidados ainda inclui a cantora e compositora baiana Josyara, na faixa "Salvador (Interl�dio)", e o artista portugu�s Murais, em "Do outro lado (Mantra tornado grito)".
"O que mais me atrai � o poder criativo do encontro e o surgimento da fus�o entre diferentes artistas. Entre esses pontos de encontro me ajuda muito como artista. Eu vejo por a� muitas parcerias injustificadas, para gerar m�dia. Comigo � diferente. O meu rol� � o significado desses encontros e eu confio muito no poder das m�sicas que nascem dessas parcerias", Bemti comenta.
CAPA CAIPIRA
Outro chamariz do disco � a capa, feita pelo artista mineiro Paulo Marcelo Oz a partir de fotografia do tamb�m mineiro Matheus Lustosa. Trata-se de uma "reinven��o expandida" do quadro "O derrubador brasileiro" (1879), do pintor Almeida J�nior (1850-1899)."O Almeida J�nior � um pintor que foi o primeiro a retratar o universo caipira com um rigor acad�mico. Pesquisando a obra dele, chamou muito a aten��o a maneira como ele mostra uma paisagem tropical, mas de forma densa, escura e pesada. Queria brincar com o clich� do que as pessoas entendem que � a brasilidade. A pintura mostra um cara que est� repousando no meio de uma floresta meio derrubada", ele comenta.
O interesse de Bemti pelo universo caipira n�o est� somente traduzido na capa do disco. Uma das principais caracter�sticas de suas m�sicas � a presen�a da viola caipira de 10 cordas presente na maioria das 12 faixas do �lbum "Logo ali".
O m�sico conta que entrou em contato com o instrumento pela primeira vez quando estava gravando o curta-documental "Ele me chamava de Rosa" (2015), apresentado como trabalho de conclus�o de curso da faculdade de Audiovisual, que ele cursou na USP.
"Fazendo esse document�rio eu encontrei uma viola abandonada da fam�lia e pensei em fazer a trilha toda com ela. Foi uma ilumina��o. � um instrumento muito bonito que apresenta muitas possibilidades. O meu rol� virou explorar a viola. Toda a minha obra autoral se desenvolveu depois que eu comecei a tocar viola", ele afirma.
"Nos shows, eu toco uma viola el�trica e, nesse disco, eu usei bastante pedal para distorcer o som dela. � um tipo de experimenta��o que acho que s� eu estou fazendo hoje no Brasil", acrescenta.
QUEERNEJO
Por conta do uso do instrumento, Bemti j� foi associado ao universo da m�sica sertaneja, na verdade com um nicho mais espec�fico desse g�nero: o queernejo, que busca trazer representatividade LGBTQIA+ para dentro de um universo marcado por um discurso machista.Musicalmente falando, o trabalho de Bemti n�o orbita muito no universo da m�sica sertaneja mainstream de hoje. Tanto � que, em seus perfis nas redes sociais, ele se define como um artista de queer-folk, MPB e indie-pop. Mas a quest�o identit�ria ainda continua importante em seu trabalho, independente de ser ou n�o sertanejo.
"Eu sinto muita falta de representatividade nas m�sicas que eu ouvia na inf�ncia e adolesc�ncia. E fico muito feliz que hoje em dia quem � adolescente tem uma fama muito maior de representa��es diversas para se espelhar. At� mesmo para poder se identificar e descobrir quem se �", afirma.
E o retorno dessa preocupa��o vem em forma de reconhecimento. "Desde que eu lancei o 'Era dois', recebo muitas mensagens de pessoas que cresceram ouvindo viola caipira e jamais imaginaram ouvir um cara gay cantando sobre as experi�ncias com as quais eles se identificam. Isso � muito importante para mim", diz.
LOGO ALI
• Bemti
• 12 m�sicas
• Independente/Natura Musical
• Dispon�vel nas plataformas digitais