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Estado de Minas LITERATURA

Escritor argentino constr�i romance sobre o amor na era do Tinder

Autor de 'O esp�rito dos meus pais continua a subir na chuva' (2018), Patricio Pron lan�a agora no Brasil 'Amanh� teremos outros nomes'


05/10/2021 04:00 - atualizado 05/10/2021 08:41

o escritor argentino Patricio Pron
Autor de ''O esp�rito dos meus pais continua a subir na chuva'' (2018), Patricio Pron teve seu novo romance lan�ado agora no Brasil (foto: Daniel Mordzinski/Divulga��o)

Um dos mais poderosos nomes da moderna literatura argentina, Patricio Pron se tornou conhecido por utilizar a fic��o ao tratar de temas espinhosos da hist�ria de seu pa�s, como o per�odo da ditadura militar – em “ O esp�rito dos meus pais continua a subir na chuva ”, lan�ado aqui pela Todavia, em 2018, ele promove uma reflex�o sobre o passado sombrio da Argentina , especificamente entre 1976 e 1981, per�odo marcado por in�meros assassinatos e desaparecimentos. Como pe�as de um macabro quebra-cabe�a, os fatos s�o revelados por Pron como uma narrativa policial.

Agora, em “ Amanh� teremos outros nomes ”, rec�m-lan�ado no Brasil, Pron, de 45 anos, se desassocia da trama autobiogr�fica para, ainda na fic��o, criar uma rede de hist�rias elaboradas a partir de experi�ncias de amigos e conhecidos, principalmente aqueles que usam aplicativos para encontrar um parceiro. 

A partir de dois personagens, chamados apenas Ele e Ela, que se separam ap�s cinco anos de relacionamento, Pron investiga o novo cen�rio de pr�ticas amorosas, os mecanismos e as redes que fazem do desejo um produto de compra e venda e a mudan�a na moralidade e na conceitua��o das rela��es. 

Para escrever o livro, o autor buscou atualizar a experi�ncia amorosa que o leitor normalmente encontra na literatura. Durante a prepara��o do romance, Pron se apoiou em uma extensa documenta��o, especialmente sobre estat�sticas relacionadas com o consumo de pornografia, usos espec�ficos das redes sociais e de plataformas como o Tinder (plataforma de localiza��o de pessoas para relacionamentos on-line) e as taxas de natalidade e solid�o.

Fez tamb�m um trabalho de campo, que envolveu tanto a conversa com amigos usu�rios que utilizam redes sociais nos relacionamentos como uma medida pr�tica: ele criou um perfil no Tinder, mas a medida n�o trouxe muita utilidade na busca de informa��es.

Logo no in�cio, Pron iniciou contato com uma garota, mas se apressou em se apresentar como escritor, al�m de dizer que era casado e, na verdade, estava buscando informa��es para um futuro romance. Com isso, a mo�a n�o prosseguiu com a conversa – na verdade, boa parte das respostas nos contatos seguintes foi marcada pela mesma atitude e algumas mulheres chegaram a reclamar da presen�a de Pron aos respons�veis pelo aplicativo de namoro.

Por e-mail, ele respondeu �s perguntas a seguir.

Para alguns, apaixonar-se � um neg�cio, porque existe uma troca (de sentimentos, no caso). Assim, em que medida o contexto pol�tico e social condiciona de fato os la�os de amor?
Nem todas as trocas s�o um neg�cio, acredito. E apaixonar-se, ent�o, n�o me parece mesmo, exceto que pensamos em n�s mesmos como uma mercadoria que se alienou para obter outra, que seria a pessoa que amamos – e, nesse caso, n�o poder�amos realmente falar de uma troca, j� que a "mercadoria" que somos n�o se torna propriedade de outra pessoa, e essa pessoa tamb�m n�o nos pertence... Mas eu acredito que o quadro pol�tico e econ�mico (e tecnol�gico, que pertence �s duas categorias anteriores) condiciona completamente as rela��es amorosas, dificultando-as, tornando-as poss�veis ou simplesmente impossibilitando-as de imagin�-las, como aconteceu durante d�cadas com as rela��es amorosas entre pessoas do mesmo sexo. Nosso tempo (que, em certo sentido, � p�s-econ�mico, p�s-pol�tico, um grande momento para encerramentos) prefere que as rela��es entre as pessoas sejam fluidas, prec�rias, limitadas � presta��o de um servi�o, n�o vinculativas, otimiz�veis, ef�meras. E era previs�vel que essa prefer�ncia acabasse sendo transferida para o reino das rela��es amorosas. O que podemos encontrar l�, agora, � o mesmo que temos no mercado de trabalho e na economia: incerteza e precariedade.

Como � se apaixonar em um contexto de fragilidade sentimental como uma pandemia?
A pandemia acelerou a tomada de decis�es do tipo "devo me mudar pra casa da pessoa que amo ou devo deix�-la?". Mas, em geral, acho que a pandemia apressou tend�ncias que j� podiam ser observadas antes de seu in�cio, como a enorme saudade que sentem os personagens de “Amanh� teremos outros nomes”, uma saudade t�o grande que nem sequer sabem o que � e como se expressa. E a pandemia tamb�m serviu para ampliar ainda mais as diferen�as na forma de conceber as rela��es amorosas que existem entre as gera��es anteriores e a nossa: simplesmente, depois de um evento como o que estamos vivenciando (e como aconteceu depois das duas guerras mundiais ou da eclos�o da Aids), as ideias de intimidade, corpo, parceiro e casa n�o podem ser as mesmas. N�o ser� mais poss�vel amar como nossos pais e av�s amaram. Mas isso, nostalgia � parte, pode n�o ser de todo ruim.

''Nosso tempo prefere que as rela��es entre as pessoas sejam fluidas, prec�rias, limitadas � presta��o de um servi�o, n�o vinculativas, otimiz�veis, ef�meras. E era previs�vel que essa prefer�ncia acabasse sendo transferida para o reino das rela��es amorosas. O que podemos encontrar l�, agora, � o mesmo que temos no mercado de trabalho e na economia: incerteza e precariedade''

Patricio Pron, escritor argentino


Como movimentos sociais (como #MeToo e outros) transformaram a maneira de ver as rela��es humanas?
Eles os transformaram radicalmente, acredito. E, embora obviamente tenham dado origem a fen�menos de histeria em massa e exageros grosseiros por parte de alguns e de outros, eles serviram para nos lembrar, por um lado, que todos n�s temos limites que n�o queremos que sejam ultrapassados, e que outros tamb�m os t�m, e devemos aceitar que � assim. Por outro lado, o que esse tipo de movimento revela, sem querer, � que as rela��es humanas n�o existem sem um certo grau de assimetria: h� sempre algu�m que ganha mais dinheiro, ou est� mais bem posicionado, ou simplesmente goza de privil�gios que lhe outorgam seu g�nero ou ra�a – isso � algo que devemos levar em considera��o, n�o para ent�o acreditar que s� s�o v�lidos os relacionamentos em que essa assimetria n�o existe, mas para pensar nos relacionamentos amorosos como mais um aspecto da sociedade em que vivemos e, assim, acabamos com as fantasias hollywoodianas de acaso e amor altru�sta que tanto prejudicam algumas pessoas quando n�o s�o realizadas.

Voc� acredita que o futuro do amor est� em nossos telefones celulares e nos algoritmos?
Temo que todos os aspectos de nossa vida atual (e, em maior medida, no futuro), desde nossas rela��es amorosas aos empregos que teremos, al�m do que pensaremos sobre direitos humanos e a legitimidade pol�tica de algumas causas ou outras, at� mesmo nossa percep��o da realidade, enfim, tudo est� determinado por algoritmos. Assim, a luta pol�tica dos pr�ximos anos ser� marcada pelo resgate de uma soberania individual e de uma compreens�o do tempo e do mundo que nos rodeia e que perdemos nas m�os das telas.

A tecnologia � algo que voc� teme ou comemora? Ou ambos?
“Amanh� teremos outros nomes” n�o � um romance moralista. Nenhuma das tecnologias que existiram at� agora foi apenas virtuosa ou prejudicial: quase todas tiveram duas ou mais faces, e as mais novas n�o s�o exce��o. Meus personagens e eu somos muito realistas nesse sentido: trabalham com o que existe, buscam uns aos outros, mas n�o se divertem com ju�zos morais. Eles preferem ter novas ideias para novos tempos.

Um dos momentos mais interessantes do romance � quando Ele se pergunta o que � um homem, e Ela o que � uma mulher. Vivemos um per�odo hist�rico em que n�o existem muitas certezas em torno dessa quest�o?
Sim, felizmente, estamos revisando esses t�picos, especialmente o que � um homem, quanto dano ele fez e causa a muitas mulheres e tamb�m a homens. De repente, surgem novas categorias que v�o al�m do bin�rio, mas tamb�m al�m da ideia de que identidade n�o � algo que pode ser imposto. Mas meus personagens t�m pouco interesse em mudar uma taxonomia anterior por outra, e eles pensam (eu tamb�m) que o que chamamos de "homem" ou "mulher" ou "homossexual" s�o partes de uma grande sequ�ncia que percorremos ao longo de nossa vida, ocupando as posi��es que desejamos, enquanto estivermos interessados em faz�-lo.

A amargura e o t�dio s�o os grandes males contempor�neos? Por que vivemos tempos t�o angustiantes?
Porque vivemos uma �poca de grandes finais: a selva arde, velhas religi�es s�o substitu�das por novas religi�es e, portanto, potencialmente mais nocivas; o trabalho como o concebemos foi substitu�do pela gamifica��o de tarefas com as quais n�o nos identificamos nem entendemos plenamente. E a nostalgia de um passado que tendemos a idealizar lan�a muitas pessoas nos bra�os de um novo fascismo. N�o sei como poder�amos viver sem ang�stia, mas sei que essa ang�stia � pol�tica e que temos que fazer pol�tica a partir dela e para ela, para que surjam novas formas de viver conosco e com o mundo f�sico que nos rodeia.

Essa nova forma de relacionamento humano (com bate-papo, redes sociais e conversas por e-mail) pede uma nova linguagem liter�ria?
A verdade � que desconfio um pouco da ideia de que esse tipo de tagarelice incessante que praticamos nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens instant�neas n�o seja um tipo espec�fico de literatura. E os personagens neste romance tamb�m veem isso, por exemplo, quando criam poemas dada�stas com as mensagens sujas e ofensivas enviadas por homens em aplicativos semelhantes ao Tinder. N�o � uma boa literatura, mas � a que corresponde a uma �poca que tamb�m n�o � boa. E temos de abrir os olhos e pensar em todas essas coisas porque o tempo est� se esgotando. Infelizmente, n�o nos resta muito antes de finalmente termos de falar seriamente sobre esses assuntos. (Ag�ncia Estado)


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