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Estado de Minas ENTREVISTA

Mario Vargas Llosa alerta para o perigo de retrocesso na Am�rica Latina

Vencedor do Pr�mio Nobel afirma que fake news s�o ferramenta de desestabiliza��o. Para ele, esquerda marxista e extrema direita p�em democracia em risco


03/11/2021 04:00 - atualizado 03/11/2021 07:42

O escritor Mario Vargas Llosa fala, segurando o microfone. Na frente dele há uma tela de computador
Mario Vargas Llosa diz que Am�rica Latina n�o quer revolu��o socialista nem ditadura militar, mas a democracia (foto: Orlando Estrada/AFP - 3/12/19)
A Am�rica Latina sempre povoou o pensamento do escritor peruano Mario Vargas Llosa. Aos 85 anos, o ganhador do Pr�mio Nobel de Literatura de 2010 defende com veem�ncia o liberalismo democr�tico, o que o coloca, muitas vezes, em p� de guerra com governos extremistas, seja de esquerda ou de direita.

“N�o queremos a revolu��o socialista nem as ditaduras militares para a Am�rica Latina”, diz ele, de Madri, em conversa realizada por meio da plataforma Zoom. 

Para Llosa, autor dos cl�ssicos “Conversa na catedral” e “A guerra do fim do mundo”, a Am�rica Latina atravessa uma crise de renova��o pol�tica que, muitas vezes, termina da forma que se tornou tradicional no continente: a instaura��o de um governo extremista.

O escritor cita o Peru como exemplo negativo. “Apesar dos problemas que t�nhamos, a economia funcionava bem, e agora est� uma cat�strofe. A ascens�o da extrema esquerda ao poder fez com que houvesse fuga de capitais muito grande e h� preocupante paralisa��o no pa�s”, observa.

O escritor tamb�m revela preocupa��o com a presen�a cada vez maior das fake news, especialmente na pol�tica, podendo at� influir na defini��o de uma elei��o. Da� a import�ncia crescente da imprensa livre, “que as enfrente e as denuncie”.

Durante esta entrevista, Llosa relembra seu encontro com o argentino Jorge Luis Borges, em 1981, do qual surgiu uma longa conversa, agora convertida no livro “Meio s�culo com Borges”, que ser� lan�ado no pr�ximo ano pela Alfaguara.

Antes, a editora vai recuperar “Cartas a um jovem escritor”, originalmente lan�ado em 2006, no qual ele convida o leitor a al�ar voo na arte da literatura.

''Eis a grande tradi��o da direita latino-americana: as ditaduras''

Mario Vargas Llosa, escritor


Qual � a sua opini�o sobre o Pr�mio Nobel de literatura rec�m-concedido a um escritor africano, o tanzaniano Abdulrazak Gurnah?
� interessante que o Nobel chegue � �frica, que chegue aos escritores africanos, entre os quais tenho certeza que h� nomes muito bons, s� que desconhecidos. Circularam muito pouco pela Europa, pela Am�rica Latina.

“Meio s�culo com Borges”, lan�ado na Espanha, traz uma bela entrevista que o senhor fez com o escritor argentino. E ficou impressionado por n�o encontrar um �nico livro de Borges na biblioteca de Borges.
Nenhum! (risos). E ele me respondeu: “Sou muito menos importante que os escritores que tenho ali”. Creio que Borges adotou uma esp�cie de resposta-padr�o para tantas perguntas que sempre lhe eram feitas. Era como um jogo, porque ele tinha a impress�o de que o p�blico n�o mudava, era sempre o mesmo. Ent�o, Borges tinha respostas perfeitamente prontas, estudadas, assim, podia falar horas e horas (risos).

Um homem muito seguro.
Mas era um dos grandes escritores que tivemos e, muito importante, Borges mudou a voca��o do idioma espanhol, que � muito caudaloso, no qual � necess�rio usar muitas palavras para expressar as ideias. Ele fez o contr�rio: foi muito rigoroso, preciso. Ent�o, a l�ngua liter�ria espanhola se transformou completamente com ele. Foi algo muito preciso, muito concreto, muito espec�fico. N�o existem antecedentes na l�ngua nem seguidores, pois acredito que Borges n�o tem disc�pulos.

Gostaria de lhe fazer uma de suas perguntas para Borges: qual � o regime pol�tico ideal para o senhor?
Bem, sou um liberal, um democrata, creio na liberdade. Nada dinamizou tanto a democracia como o liberalismo, fonte das grandes reformas democr�ticas como, por exemplo, a cria��o dos sindicatos, a ideia de igualdade de oportunidades. � importante que cada gera��o parta de um mesmo ponto de partida para que a sociedade tenha dinamismo. Ao mesmo tempo, creio que os grandes pensadores liberais s�o pr�ticos, tratam de n�o precipitar as grandes reformas, pedem que as mudan�as sejam feitas conforme a vontade das pr�prias sociedades, e isso � o que impede ou limita a viol�ncia, t�o grande, hoje em dia, nas sociedades aferradas a uma certa ideologia.

Recentemente, o senhor comentou que o �dio guia os caminhos pol�ticos e sociais na Am�rica Latina.
H� uma situa��o muito dif�cil na Am�rica Latina, porque d� a impress�o – e n�o s� pelo que aconteceu em meu pa�s – de que estamos retrocedendo � �poca das grandes aventuras marxistas, que fracassaram em todos os lugares. Onde o marxismo teve �xito? Em nenhum lugar. Desapareceu do mundo: China, R�ssia, os pa�ses-sat�lites j� n�o s�o comunistas. O fracasso foi muito evidente.

Os casos na Am�rica Latina s�o muito dram�ticos: em Cuba, a popula��o saiu �s ruas para protestar; na Venezuela, 5 milh�es de pessoas fugiram para n�o morrer de fome; na Nicar�gua, � algo vergonhoso, o comandante Daniel Ortega prende todos os advers�rios. O que se quer ressuscitar? Esses regimes se converteram em ditaduras, algo de que temos uma longa tradi��o na Am�rica Latina.

A preocupa��o hoje seria com a direita radical?
Infelizmente, existe uma direita na Am�rica Latina muito reacion�ria, que se nega a aceitar tanto as mudan�as quanto uma realidade que n�o pode ser de privil�gios, de fortunas estabelecidas. H� que existir democracia genu�na, aut�ntica. Ent�o, essa direita � um grande obst�culo e est� apoiada, sobretudo, na ideia do golpe militar. Eis a grande tradi��o da direita latino-americana: as ditaduras. N�o queremos revolu��o socialista nem ditaduras militares para a Am�rica Latina. Queremos a democracia, e isso � o que � importante para a Am�rica Latina, mas, infelizmente, esta � uma �poca muito negativa.

''Onde o marxismo teve �xito? Em nenhum lugar. Desapareceu do mundo''

Mario Vargas Llosa, escritor

 

A Am�rica Latina atravessa uma crise de renova��o pol�tica?
Acredito que a Am�rica Latina atravessa uma crise. Esperemos que seja uma revolu��o positiva, um enriquecimento da democracia, mas o que se v� na regi�o hoje em dia � um retrocesso a formas muito primitivas e que est�o desautorizadas pelo fracasso que obtiveram em todos os lugares. Na Europa, temos um fen�meno muito curioso de pa�ses como Pol�nia e Hungria que escaparam do socialismo e agora v�o em dire��o � extrema direita. Isso tamb�m � muito preocupante, porque n�o � a extrema direita que vai adotar novas solu��es.

Os pa�ses que mais progrediram s�o as verdadeiras democracias funcionais, que t�m participa��o muito ativa do liberalismo, que, acredito, � o motor da democracia. Havia ind�cios de que a Am�rica Latina caminhava para uma boa dire��o, mas, infelizmente, as �ltimas elei��es mostraram que n�o � assim. H� uma esp�cie de teimosa reforma para tr�s. � voltar aos anos 1960, 1970 do s�culo passado. Nenhum progresso vai acontecer dessa evolu��o.

E h� ainda a quest�o das fake news.
� um problema muito s�rio, pois qualquer pessoa, institui��o ou governo pode introduzir fake news e criar uma confus�o absolutamente monumental. � um problema de que n�o t�nhamos consci�ncia, mas � realidade e pode criar confus�es absolutamente terr�veis, especialmente em elei��es. Da� a import�ncia da imprensa verdadeiramente livre que enfrente as fake news e as denuncie. Os governos podem fazer muito pouco e, inclusive, as utilizam, como j� vimos. Isso � um grande perigo e um risco para a democracia no futuro.

Gostaria de voltar a Borges. Para ele, a pol�tica era um t�dio.
Sim, mas a verdade � que, quando opinava, n�o se equivocava. Sabemos que, na Argentina, havia muitos partid�rios do nazismo, mas Borges foi um homem totalmente identificado com os aliados, ou seja, com a liberdade. S� lamento sua aproxima��o com os militares argentinos e chilenos. Quando recebi o Nobel na Su�cia, em 2010, fiz uma homenagem a Borges e pedi desculpas por estar recebendo em seu lugar. Foi quando os acad�micos me disseram que ele n�o ganhou o Nobel porque aceitou uma condecora��o do ditador chileno Augusto Pinochet (em 1976). Borges deveria receber o Nobel, sem nenhuma d�vida, mas esse detalhe com Pinochet afastou qualquer possibilidade.

� uma quest�o delicada e ressuscita a discuss�o sobre se a atitude discut�vel de um artista como indiv�duo pode comprometer ou mesmo diminuir a import�ncia de sua obra.
Creio que Borges j� havia escrito sua obra mais importante quando, em 1963, ao chegar � Fran�a, � finalmente reconhecido. Os leitores de Borges ainda eram poucos naquela �poca, mas, na verdade, o grosso de sua obra importante j� havia sido escrito. Na Fran�a, vem a consagra��o, com tradu��es, admira��o e reconhecimento, com revistas dedicando n�meros especiais ao seu trabalho. Borges � um homem que passou a se repetir, pois os grandes contos, os grandes ensaios, j� estavam escritos em 1963, como disse.

Ele fazia uma esp�cie de jogo ao falar de literaturas orientais, de contos, do seu desprezo � pol�tica. Na realidade, n�o desprezava a pol�tica, pois sempre esteve muito bem orientado, salvo, acredito, sua aproxima��o com os generais. Ele acreditava na democracia, e n�o na revolu��o. Sim, era um homem que desprezava a pol�tica, n�o se interessava. Na sua obra, � poss�vel entender essa posi��o, porque ele n�o se interessava pela realidade – seu mundo era o fant�stico, o imagin�rio, relacionado a jogos da fantasia e da imagina��o.

Foi a� que despontou sua originalidade extraordin�ria. A l�ngua espanhola foi profundamente mudada por Borges: era uma at� sua chegada e depois, com sua escrita, � totalmente transformada. � um escritor sem antecedentes e sem disc�pulos.

O que o senhor diria sobre atitudes discut�veis de grande artistas, como Borges ou mesmo Neruda,  simpatizante de Stalin?
Os intelectuais e os artistas n�o t�m de ser l�cidos, mas originais. N�o precisam estar l�cidos, pois podem estar cegos. Um dos maiores fil�sofos dos nossos tempos, o alem�o Martin Heidegger, era nazista. Como � poss�vel entender que o maior fil�sofo de nosso tempo era um nazista? Isso � incompreens�vel. Quando falava de linguagem, da Gr�cia antiga, era muito l�cido. Mas ao tratar da realidade contempor�nea, era um cego em absoluto. Fui grande disc�pulo do franc�s Jean-Paul Sartre e do grupo existencialista, mas ele chegou a identificar a Uni�o Sovi�tica com a liberdade.

O homem que parecia ser o mais inteligente da Fran�a estava completamente cego ao falar sobre socialismo. Repito: os escritores t�m de ser originais, inventivos, mas n�o l�cidos em pol�tica ou em termos sociais, que n�o s�o necessariamente seu of�cio. Muitos se equivocaram. Arist�teles, o g�nio, n�o disse que a mulher era uma forma empobrecida do homem? E Plat�o, que criou uma esp�cie de corrente muito reacion�ria e antidemocr�tica, ao mesmo tempo que a Gr�cia vivia uma liberdade, no come�o da hist�ria da liberdade? Muitos se enganaram.

O senhor acredita que a pandemia vai deixar influ�ncia na cria��o art�stica?
O ato da escrita j� n�o � mais o mesmo hoje como antes da pandemia. N�o depois de centenas de milhares de mortes provocadas pela COVID. As dificuldades e o medo se espalharam muito. Certamente, isso vai ter efeito tanto na arte como na literatura, na maneira de pensar, na filosofia do nosso tempo. Agora, que �ndole ter� esse efeito? N�o sei. Mas tenho certeza que ir� provocar rea��o – e algo, provavelmente, muito traum�tico.


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