
Uma das criadoras do projeto Ter�a Insana, que renovou a cena do humor na capital paulista, a partir de 2001, e reverberou em outros estados do pa�s, a atriz, autora e diretora Grace Gianoukas traz a Belo Horizonte nesta segunda-feira (15/11) o espet�culo “Grace em revista”, que marca seus 40 anos de carreira.
Grace estima ter criado aproximadamente 130 personagens, com centenas de textos para cada uma. Foi no per�odo da pandemia, em isolamento social, revirando as gavetas de casa que ela p�de, conforme diz, olhar para tr�s e rever sua hist�ria com um distanciamento cr�tico em rela��o ao que j� fez. A partir da� selecionou as personagens que encarna em “Grace em revista”.
A atriz conta que a apresenta��o – que ela prefere chamar de show – est� dividida em tr�s blocos. No primeiro, concentrou as cria��es que fizeram mais sucesso entre o p�blico e que s�o comumente mais lembradas. Depois, Grace seguiu para as personagens femininas, que, como diz, marcaram profundamente sua vida como autora.
“S�o as que d�o voz aos exclu�dos, aos inadequados. Tenho muitas dessas personagens, que v�m ao palco expor seu ponto de vista sobre o mundo”, afirma, destacando a Mulher Moderna, a PQP e a Adolescente Girassol, entre outras.
O terceiro bloco abra�a uma esfera mais transcendental, com personagens que falam da rela��o do humano com o divino, como a Santa Paci�ncia e a Advogada do Diabo. “Concluo o espet�culo com uma personagem que criei h� muitos anos, em 1984 ou 1985, que � uma migrante rural, expulsa pelo agroneg�cio, que vem parar numa cidade grande, onde come�a a fazer bicos, vender cerveja na porta das boates; ela vai pegando aspectos do movimento das casas em que trabalha. Ent�o ela � rural, mas usa acess�rios punk. � uma personagem antropof�gica, uma homenagem adiantada � Semana de Arte Moderna, que completa 100 anos em 2022”, aponta.
"O que ofereci para as pessoas foram minhas impress�es criadas a partir de viv�ncias que tive, de um estilo, de um ponto de vista, achando que a com�dia precisava traduzir nossa sociedade, e que a gente precisava fazer um humor adulto, n�o esse humor infantil que ri do outro. Era uma quest�o de dar voz �queles que n�o tinham voz, que eram motivo de piada, e de oferecer diversidade de assuntos e de conte�do"
Grace Gianoukas, atriz
HUMOR ADULTO
Desde a cria��o do Ter�a Insana – e mesmo antes –, os textos de Grace t�m muito de cr�nica do cotidiano e de cr�tica social. Ela acredita que, com o passar dos anos, isso contribuiu para ampliar os horizontes do humor que se faz no Brasil.
“O que ofereci para as pessoas foram minhas impress�es criadas a partir de viv�ncias que tive, de um estilo, de um ponto de vista, achando que a com�dia precisava traduzir nossa sociedade, e que a gente precisava fazer um humor adulto, n�o esse humor infantil que ri do outro. Era uma quest�o de dar voz �queles que n�o tinham voz, que eram motivo de piada, e de oferecer diversidade de assuntos e de conte�do”, aponta.
Ela considera que seu legado se reflete em trabalhos como o do Porta dos Fundos ou de Marcelo Adnet. “O meu saldo � que fui muito bem-sucedida no meu desejo, na minha vontade, eu n�o estava errada. Abri esse espa�o para toda uma gera��o. A gente provou que era poss�vel fazer um humor mais adulto, mais cr�tico, contempor�neo e incisivo, e que isso podia ser um meio de sobreviv�ncia”, diz.
As possibilidades de express�o s�o maiores no campo da com�dia, segundo Grace, porque os formatos de outrora seguem existindo, mas novas maneiras de se pensar o humor surgiram e se consolidaram, firmando seu espa�o. Ela considera que hoje h� oferta para todos os gostos, todas as personalidades e para “toda a diversidade de pensamento que existe na esp�cie humana”.
“Goethe fala que o car�ter de uma pessoa se mede pelas coisas que ela acha engra�adas. Gosto muito disso. Hoje voc� pode procurar o humor que te faz rir. N�o rio de um tombo, n�o rio de uma pessoa sendo humilhada, n�o rio de uma loira sendo chamada de burra. N�o me interessa, me interessam outras coisas. Hoje a gente tem humor para todos os gostos, para todos os car�teres”, diz.
LIMITES
� justamente ao seu pr�prio car�ter que ela recorre para dizer que, sim, o humor tem limites e n�o d� para fazer piada de tudo. “� uma coisa que tem a ver comigo, eu tenho meus limites. Fazer humor com morte, s� se for a minha pr�pria, porque eu n�o sei da dor dos outros; da minha eu posso rir, da dos outros n�o. Jamais faria uma piada ridicularizando as 600 mil v�timas pela COVID-19, as milh�es de pessoas com sequelas e as outras tantas milh�es que est�o sofrendo por isso. Agora, piada de pandemia falando do quanto ficamos loucos ou o quanto percebemos nossas loucuras trancados em quarentena, disso com certeza d� para fazer”, diz.
A atriz destaca que concebeu “Grace em revista” para ser apresentado em diferentes espa�os, a fim de atender aos pedidos de f�s de todo o Brasil, pessoas que acompanham sua carreira desde o in�cio, novas gera��es, que s� a conhecem pelos DVDs do Ter�a Insana ou pelos v�deos postados na internet, e nov�ssimos f�s, que tomaram contato com seu trabalho mais recentemente por meio de suas personagens marcantes em novelas da Rede Globo – Teodora Abdala em “Haja cora��o” (2016), Pet�lia em “Orgulho e paix�o” (2018) ou Ermelinda em “Salve-se quem puder” (2020).
A ideia de um show para ser apresentado em qualquer lugar tamb�m � uma forma de realizar um arco contr�rio em sua trajet�ria e voltar ao in�cio dos anos 1980, quando, ap�s se mudar de Porto Alegre para S�o Paulo, despontou apresentando em bares e casas noturnas esquetes que escrevia e interpretava.
“Isso se mant�m. Eu estou em qualquer lugar, tendo um palco para eu subir e uma pessoa na plateia, j� � apresenta��o teatral – ou um show, como prefiro nesse caso do ‘Grace em revista’, porque n�o tem uma dramaturgia. Ele foi concebido para ser apresentado em v�rios espa�os mesmo. Estamos come�ando a nos levantar de um momento muito dif�cil para o setor cultural. Vamos ter muitos anos de crise ainda pela frente. � importante que estejamos preparados para n�o trabalhar com ingresso caro, para podermos ter a flexibilidade de apresentar os shows em v�rios lugares”, observa.
UNDERGROUND
Mesmo a bordo do sucesso e da visibilidade propiciada pela participa��o em novelas globais, Grace diz que continua underground, como no in�cio da carreira. “Minha alma � underground, n�o � porque estou fazendo novelas na Globo que isso me torna uma pessoa melhor do que as outras, continuo aqui me identificando profundamente com o morador de rua e com o movimento ind�gena. N�o sou establishment. Posso ser at� mais conhecida, mas isso n�o me transforma em celebridade; sou o que sou, continuo uma pessoa muito simples”, diz.
Ela ressalta que essa disposi��o de esp�rito tem a ver com o gosto pelo que n�o � �bvio e com o interesse pelo que � genu�no. “Uma coisa que acho muito interessante e fascinante � ver como se comportam as pessoas fora dos padr�es, dos esquemas. Quando voc� pega um �nibus lotado, com aquela gente indo para o trabalho, voc� entende que o brasileiro � essa pessoa, e que o tempo no �nibus � o tempo que ela tem para conversar, para paquerar. Isso � o underground que a m�dia n�o traduz.”
Esse posicionamento tamb�m se relaciona – ela acrescenta – com as influ�ncias de sua gera��o, o ambiente em que se formou. “Um poema da Patty Smith ou uma letra do Renato Russo, da Rita Lee, t�m mais a ver comigo do que Shakespeare. N�o que n�o respeite, goste ou admire Shakespeare, mas minhas influ�ncias s�o bem mais urbanas, mais pop. Estou iniciando as comemora��es de meus 40 anos de carreira, mas n�o sou Cl�udia Raia – por quem tenho grande admira��o, diga-se –, n�o tem plumas nem paet�s no meu espet�culo, tem � muito texto”, comenta.
“Grace em revista”
Show de humor com Grace Gianoukas. Nesta segunda-feira (15/11), �s 19h, no Cine Theatro Brasil Vallourec (Rua dos Carij�s, 258, Centro). Ingressos para plateia 1 a R$ 120 (inteira) e R$ 60 (meia) e para plateia 2 a R$ 100 (inteira) e R$ 50 (meia). Venda no site Eventim e na bilheteria (Av. Amazonas 315, Centro, (31) 3201.5211) Funcionamento: de segunda a s�bado, de 12h �s 21h, e domingos e feriados, de 15h �s 20h.
PERSONAGEM “SUPER DE DIREITA”
Grace Gianoukas diz que seu reencontro presencial com o p�blico, depois do longo per�odo afastada dos palcos devido � pandemia, foi como um turbilh�o. “Quando abriu para poder fazer teatro, tive em dois meses quatro estreias de coisas diferentes, com viagens, palcos no interior de S�o Paulo. O ‘Grace em revista’ foi minha segunda experi�ncia na retomada”, diz. A primeira foi o espet�culo “O L perdido”, que segue em cartaz em S�o Paulo.
Parceria entre ela e a tamb�m atriz e autora Agnes Zuliani, com quem trabalha h� muitos anos, a montagem, que Grace classifica como experimental, deriva de uma cena escrita h� tempos pelas duas, originalmente intitulada “Leila e Laila”, sobre duas amigas de inf�ncia que se reencontram ap�s muitos anos, e uma transforma a vida da outra num inferno.
“Est�vamos de bobeira durante a pandemia, cada uma na sua casa, pensando em coisas para inscrever em editais. Propus para a Agnes de a gente desenvolver uma dramaturgia a partir disso. Come�amos a escrever a quatro m�os, por meio de chamadas de WhatsApp”, conta.
A estreia foi “devagarinho, com plateia reduzida”, ela diz. “O nome ficou sendo ‘O L perdido’, de Leila e Laila. A gente trata dessa coisa de todo mundo querer ter raz�o e do quanto as fake news separaram fam�lias, amigos, pessoas, tudo com muito sarcasmo. Minha personagem � super de direita. � um excelente exerc�cio, uma forma de colocar no palco nossa rebeldia e nossa revolta contra tudo o que est� acontecendo”, afirma. Em 2022, “O L perdido” tamb�m deve circular pelo pa�s.