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Estado de Minas LITERATURA

Dramas familiares marcam os romances 'Adeus, Gana' e 'Reino transcendente'

Rec�m-editados no Brasil, livros tratam de traumas vividos por fam�lias de emigrantes ganenses que se instalaram nos EUA


17/11/2021 04:00 - atualizado 17/11/2021 07:45

ilustração de Quinho
(foto: Arte)

"Eu cresci num mundo de imigrantes da di�spora africana do qual os pais estavam frequentemente ausentes. Da inf�ncia � vida adulta, eu carreguei quest�es como: O que aconteceu com esses homens? O que os machucou tanto? O que levou n�o apenas � sua aus�ncia, mas ao seu sil�ncio? O que feriu os pais: esta talvez seja a primeira quest�o"

Taiye Selasi, autora de "Adeus, Gana"


Taiye Selasi nasceu em Londres, filha de m�e nigeriana e pai ganense, em 1979. Yaa Gyasi nasceu em Gana, uma d�cada depois. As duas cresceram nos Estados Unidos. Por uma coincid�ncia editorial, elas tiveram livros publicados na mesma �poca no Brasil, por editoras diferentes. 

“Adeus, Gana” (Tusquets) � o romance de estreia de Taiye, lan�ado originalmente em 2013. “Reino transcendente” (Rocco), publicado em ingl�s, em 2020, � o segundo de Yaa, revelada com “O caminho de casa”, sucesso de cr�tica e p�blico. Os dois romances t�m tra�os parecidos: contam hist�rias de fam�lias ganenses vivendo nos Estados Unidos, com dramas que se aproximam e feridas diferentes.

Em “Reino transcendente”, o pai deixa a mulher e os dois filhos para tr�s nos EUA. Viver l� era o sonho dela, que queria um bom futuro para o primog�nito - mas ele n�o d� conta e volta provisoriamente para Gana e l� fica, para sempre. 

Adulta, a menina, que mal conviveu com o pai, se torna uma neurocientista e dedica sua pesquisa a entender o v�cio em opioides, que matou seu irm�o adolescente (um atleta promissor que se viciou ap�s um acidente banal num jogo irrelevante), e a depress�o, que levou sua m�e a afundar numa cama ap�s a morte do garoto. Enquanto passa as horas no laborat�rio com seus ratos, mem�rias e a imagem da m�e em sua casa, ela busca uma forma de conciliar f� e profiss�o.

TRAUMAS 


Em “Adeus, Gana”, o pai, um imigrante ganense que se tornou um importante m�dico nos Estados Unidos, tamb�m deixa a fam�lia - ele sai de casa sem qualquer explica��o, abandonando a mulher e os quatro filhos, e morre 16 anos depois, em seu pa�s de origem.

Seu abandono marcou cada membro daquela fam�lia de uma maneira, e isso � retratado na obra, a partir do ponto de vista deles, e os afastou. Agora, est�o todos juntos, com seus fantasmas e traumas, enterrando o pai.

Lan�ado em 16 pa�ses, o livro de Taiye Selasi conta uma hist�ria de n�o ditos. De busca por pertencimento, aceita��o, identifica��o, identidade e amor - dentro de uma fam�lia. “Adeus, Gana” � ainda um livro que reafirma o cuidado que devemos ter com as crian�as, j� que � sobretudo o que vivemos na inf�ncia que vai nos definir como pessoas. 

Uma hist�ria triste e bonita, que mostra que h� espa�o para reencontros e conex�o, que d� para juntar nossos cacos mesmo quando n�o � poss�vel consertar tudo, mesmo quando chegamos tarde demais. 

Nobel


Autora do romance “The sex lives of African girls”, que marcou sua estreia na literatura e foi incentivada por ningu�m menos do que a Nobel de Literatura Toni Morrison (1931-2019), Taiye Selasi disse que essa n�o foi uma hist�ria que ela escolheu, deliberadamente, contar. 

"Eu compartilho da ideia, que muitos escritores t�m, de que n�o escolhemos nossas hist�rias. Elas nos escolhem. Por que a fam�lia Sai me escolheu? N�o posso dizer. Talvez porque meu cora��o tenha se partido nos lugares certos. Um escritor n�o escolhe a sua miss�o, ele a aceita porque ele tem certas quest�es. E eu tinha as minhas."

A escritora, que j� viveu em Roma e em Berlim e se mudou para Lisboa em busca do sol e do Atl�ntico, que tamb�m banha Acra e Boston, onde passou a inf�ncia, acrescenta: "Eu cresci num mundo de imigrantes da di�spora africana do qual os pais estavam frequentemente ausentes. Da inf�ncia � vida adulta, eu carreguei quest�es como: O que aconteceu com esses homens? O que os machucou tanto? O que levou n�o apenas � sua aus�ncia, mas ao seu sil�ncio? O que feriu os pais: esta talvez seja a primeira quest�o. E muitas outras seguiram. Como � ser uma m�e? Um irm�o? Um g�meo? Como explicamos, sobretudo para n�s mesmos, o fato desconcertante da atra��o instant�nea? O que acontece com um homem que n�o sabe, ou que n�o v�, como ele � profundamente amado? O qu�o bonito deve ser saber que somos amados, verdadeiramente amados, antes de morrermos?".

Selasi, que trabalha com televis�o, diz que tem muito o que dizer quando o assunto � ra�a, imigra��o ou classe social - e que o faz em seus ensaios, artigos e TED Talks. "A fic��o � o �nico g�nero em que me liberto de qualquer obriga��o pol�tica ou sociol�gica. � onde vou para explorar o que significa ser humano", ela diz.

NARRATIVAS


“Reino transcendente” � um romance menos complexo do que “Adeus, Gana” em termos de narrativa e personagens. A hist�ria tamb�m vai e volta no tempo, mas � narrada por uma �nica pessoa, ao contr�rio do livro de Taiye, que traz v�rios olhares para uma mesma hist�ria familiar. Aqui, Gifty � uma cientista desamparada e obstinada, que tamb�m carrega marcas de uma inf�ncia dif�cil.

Yaa Gyasi estreou na literatura com “O caminho de casa”, uma hist�ria sobre escravid�o. Agora, ela mergulha na quest�o do imigrante, que ela conhece bem, e da religi�o, idem. "‘Reino transcendente’ � um romance �ntimo. Ele me permitiu pensar nas reviravoltas da imigra��o, particularmente a especificidade de se mudar para uma cidade onde h� poucos imigrantes como voc�", conta a autora, que cresceu em Huntsville, no Alabama, onde a hist�ria de Gifty tamb�m come�a.

SOLID�O


"Meus dois romances s�o muito pessoais no sentido de que s�o livros que eu gostaria de ter lido quando era garota e me sentia desamparada. Significa muito, para mim, escrev�-los agora que sou adulta. �, de certa forma, a cura para a solid�o." Gyasi diz ainda que espera poder escrever sempre "hist�rias sobre negritude, imigrantes e sobre se sentir em um entrelugar".

Ao contar o drama desta fam�lia, a escritora se volta a uma quest�o urgente: o cuidado com a sa�de, a mental sobretudo, de pessoas pobres. Nana nunca se recuperou do abandono do pai e se vicia durante um tratamento que deveria devolv�-lo ao caminho para o futuro brilhante que ele teria. A m�e, em profunda depress�o, rejeita qualquer tratamento psicol�gico ou psiqui�trico, porque Deus a ajudar�, ela pensa - e n�o h� ningu�m olhando para isso.

"Eu queria mesmo levantar essas quest�es. A crise dos opioides, aqui nos Estados Unidos, � atroz. Noventa e tr�s mil pessoas morreram em 2020 apenas por overdose de droga. � um problema de sa�de p�blica num pa�s que tem uma infraestrutura de sa�de prec�ria e praticamente nenhum servi�o social. Pessoas pobres, negras e os imigrantes s�o deixados de lado. A vida das pessoas est� em jogo, e o que � um romance se n�o uma tentativa de descrever o que significa estar vivo?", comenta.

Gifty, a protagonista, sobreviveu a uma inf�ncia turbulenta e nos conta essa hist�ria no fim de seu doutorado, em Stanford. Ela seguiu adiante, com sucesso acad�mico e trope�os no campo do afeto. E ela escreve - para tentar se organizar e se entender como pessoa. No fim das contas, � por meio da fala e do compartilhamento que a "cura" come�a? 

"Escrever �, para mim, criar ordem e tentar dar forma a coisas que parecem disformes. � uma experi�ncia profundamente comovente e acho que tamb�m promove a cura. Penso que conversar e compartilhar abrem espa�o para o tipo de vulnerabilidade que permite a cura. � um come�o", ela responde. 

capa do livro 'Adeus, Gana'
(foto: Reprodu��o)

“Adeus, Gana”
Taiye Selasi
 Tusquets ( 352 p�gs.)
R$ 56,90
capa do livro 'Reino transcendente'
(foto: Reprodu��o)

“Reino transcendente” 
 Yaa Gyasi 
Rocco (320 p�gs.)
R$ 64,90


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