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Estado de Minas LITERATURA

Leonardo Padura aborda a di�spora cubana em 'Como poeira ao vento'

Em seu novo romance, escritor conta a hist�ria de exilados que deixaram Cuba, mas n�o conseguem romper os profundos la�os que os ligam � ilha


22/11/2021 04:00 - atualizado 22/11/2021 07:55

Em sua casa na capital cubana, o escritor Leonardo Padura está sentado em uma cadeira de palha, tendo ao fundo pintura em tons vermelhos
'Sou quem sou porque estou onde estou', afirma Leonardo Padura em sua casa, em Havana, capital de Cuba (foto: Katell Abiven/AFP)
Adela � uma jovem nova-iorquina de ascend�ncia cubana. Ela mora em Miami com Marcos, que deixou Cuba, mas ainda vive envolto em lembran�as de sua inf�ncia na ilha, entre amigos e parentes. A m�e de Adela n�o aprova as op��es da filha, especialmente a de se juntar ao namorado no Sul dos Estados Unidos.

A jovem consegue se equilibrar entre tantos desafios at� que Marcos lhe mostra a foto da �ltima refei��o que ele teve com seu grupo cubano, 25 anos antes, quando ainda era crian�a. Em meio �queles rostos, Adele descobre algu�m familiar, o que abala sua seguran�a.

� essa trama que o cubano Leonardo Padura, um dos principais escritores da atualidade, usa como ponto de partida para tratar, no romance “Como poeira ao vento” (Boitempo), um tema caro aos seus conterr�neos: a quest�o do ex�lio. Afinal, desde 1959, ano da Revolu��o Cubana, mais de 1 milh�o de pessoas j� deixaram a ilha, n�mero aumentado pelos descendentes nascidos em outros pa�ses.

Aos 66 anos, Leonardo Padura Fuentes vive em Cuba, apesar de aclamado em diversos pa�ses que adorariam acolh�-lo. “Eu n�o teria sido o mesmo se tivesse sa�do de Cuba”, diz ele. “Talvez tivesse escrito mais e melhor, mas n�o teria feito da mesma forma. Sou quem sou porque estou onde estou.”

O ex�lio, por�m, n�o escapa ao seu olhar liter�rio. Romance geracional, “Como poeira ao vento” traz o registro, por meio da fic��o, de quem ficou e de quem decidiu partir. Cuba surge confrontada consigo mesma e com a di�spora que marca sua hist�ria desde os anos 1950.

A trama come�a em janeiro de 1990, quando uma turma de amigos tira uma foto no anivers�rio de 30 anos de um deles. Quando dois de seus filhos a descobrem, duas d�cadas depois, a imagem faz com que o grupo se reconecte para descobrir o que ocorreu com todos eles.

A descoberta de Adela ao olhar a foto mostrada pelo namorado desperta sentimentos sobre o magnetismo do pertencimento e a for�a do afeto, que tanto pode ser ainda real ou, como diz o t�tulo do romance, j� desapareceu como poeira.

Com escrita moldada no romance policial – g�nero, ali�s, do qual Padura � craque (o detetive Mario Conde protagoniza a maioria de seus romances) –, o novo livro registra as dif�ceis circunst�ncias que ainda abatem o povo cubano, dividido entre apoiar o presidente Miguel D�az-Canel ou alimentar a crescente oposi��o, cujas manifesta��es (algo in�dito na ilha at� h� poucos anos) s�o proibidas e recha�adas com viol�ncia pelo governo. Nesta entrevista, concedida por e-mail, o autor fala de sua literatura e de seu pa�s.


Como foi lidar com o tema do ex�lio, uma vez que voc� sempre viveu em Cuba?

Voc� n�o precisa se exilar para saber o que significa ex�lio. As experi�ncias de muitas pessoas que conhe�o, fam�lia, amigos, me ensinaram muito sobre como essa condi��o � vivida, especificamente como os cubanos a enfrentam em diversas partes do mundo. Basta ter sensibilidade para compreend�-los, aceitar suas alegrias e tristezas, suas vit�rias e seus traumas. � um aprendizado que conhe�o por observa��o, mas tamb�m por leitura, j� que o ex�lio � um tema muito utilizado na literatura cubana. E porque, sem d�vida, o ex�lio implica traumas e foi um drama que marcou a hist�ria de Cuba desde nossas origens nacionais, como j� mencionei em “O romance da minha vida”.

Seu novo livro trata de temas delicados, como a perman�ncia, a nega��o a esse pertencimento e a busca de uma identidade. Como foi lidar com esses assuntos?

A perman�ncia e o pertencimento se complementam e foi mais f�cil trabalhar porque sou algu�m que ficou e que pertence a Cuba. A identidade, por sua vez, � um elemento nosso: somos o resultado de um contexto geogr�fico, cultural e hist�rico. Neste romance, eu queria falar sobre como o pertencimento e a identidade s�o condi��es que nos perseguem, por mais que nos afastemos, por mais que as neguemos. Por isso n�o se trata apenas de um romance sobre a sa�da de Cuba, mas tamb�m sobre a impossibilidade de sair espiritualmente de Cuba ou de qualquer lugar a que voc� perten�a por causa de sua cultura, de sua sensibilidade.

O romance traz tr�s personagens femininas muito distintas. Como foi dar-lhes vida a partir da realidade do ex�lio?

Acho que um dos grandes desafios deste romance � lidar com tr�s protagonistas femininas. Tr�s mulheres muito diferentes entre si, mas, ao mesmo tempo, pr�ximas devido � sua condi��o de g�nero. � claro que a rela��o de pertencimento a algum lugar foi decisiva no car�ter de cada uma delas. Uma fica, outra se afasta e nega tudo, a outra tenta ainda descobrir quem ela �. Mas h� tamb�m suas rela��es com os outros personagens e entre si, que s�o decisivas para o que acontece no romance e que me obrigaram a ter muito cuidado ao escrever sobre elas. Para um homem, penso que � sempre um desafio compreender e assumir o pensamento de uma mulher, n�o s� pela condi��o sexual, mas tamb�m pelo que as sociedades impuseram. Juro que foi dif�cil lidar com elas.

Um dos momentos mais comoventes do livro mostra Irving dividindo com o amigo Dar�o o dinheiro que encontrou na rua, mesmo vivendo com muita necessidade. A amizade � importante para voc�, n�o?

Este � um romance sobre o valor e a perman�ncia da amizade. Sobre como na dist�ncia, e mesmo nas diferen�as de pensamento, a amizade pode nos preservar e nos salvar. Exemplos como o que voc� colocou se repetem no romance porque eu queria intensificar aquela rela��o de amizade entre personagens que, sendo amigos, est�o at� dispostos a perdoar certas trai��es, ou pelo menos entend�-las e, se poss�vel, super�-las. Dou grande valor a essa rela��o humana e ela aparece em todos os meus romances, principalmente nos do personagem Mario Conde, que tem seu pr�prio cl�.

Adela � personagem estranha: magnetizada por suas ra�zes cubanas, embora tenha nascido em Nova York e ostente a educa��o americana. N�o � regra os imigrantes se integrarem � cultura do pa�s onde se instalam?

Voc� disse bem: Adela � estranha. Tem dificuldade em saber a que lugar pertence, mas, ao mesmo tempo, sente atra��o pelo sentimento de pertencimento e se identifica com sua metade cultural cubana quase por decis�o pessoal ou por fatalidade, n�o sei. Adela foi inspirada nos filhos de cubanos que nasceram fora de Cuba e se sentem muito cubanos ou pr�ximos da ilha, embora perceba que eles n�o sabem o que exatamente � Cuba, ou n�o ligam. Mas lembre-se tamb�m de que Adela tem um relacionamento conflitivo com sua m�e, que decide muitas de suas op��es e sua forma��o de car�ter.

O romance chega a 2016, quando muitas coisas em Cuba mudaram para pior e o �dio aumentou. Voc� tem receio de que a atual instabilidade econ�mica alimente ainda mais o ex�lio, como ocorreu nos anos 1990?

Tenho certeza de que a atual crise em Cuba causar� novos exilados, muitos talvez. Neste momento, devido � pandemia e �s dificuldades para viajar, a explos�o est� contida, mas assim que surgirem vias de fuga, muita gente vai escapar. As pessoas em Cuba est�o cansadas, cada vez mais desencantadas, se n�o desesperadas, e perderam a esperan�a de que as coisas possam melhorar. Especialmente os jovens, que n�o querem que sua vida se esgote entre tantos slogans que n�o resolvem seus problemas vitais, que n�o garantem a satisfa��o de suas necessidades. Isso pode parecer pragm�tico, mas depois de tantos anos alimentando uma utopia que n�o deu os resultados esperados, prevalecem o pragmatismo e a busca de solu��es individuais para o fracasso coletivo.

Como analisa os primeiros meses do governo de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos? J� � poss�vel temer a volta do trumpismo?

Biden foi um fiasco, at� para os americanos. Esse fiasco pode permitir o retorno do trumpismo. Se voc� comparar Biden com Obama, notar� imediatamente sua falta de brilho, de classe, de decis�o pol�tica. � dif�cil saber para onde ele est� rumando, o que deseja, como planeja alcan�ar seus objetivos.

Voc� ficou surpreso com os cubanos que moram na Fl�rida e votaram em Trump, e n�o em Biden?

N�o, n�o fiquei surpreso. Mas n�o quero julg�-los. Eu gostaria de entend�-los. N�o porque sejam trumpistas, mas porque n�o consigo entender que qualquer pessoa (exceto Trump) possa ser trumpista. Um homem que faz aquele gesto de desprezo por tudo e por todos com a boca... Como admirar algu�m assim? N�o, juro que n�o entendo...

Capa do livro 'Como poeira ao vento'
(foto: Reprodu��o)

“COMO POEIRA AO VENTO”

.De Leonardo Padura
.544 p�ginas
.Boitempo
.R$ 83


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