
A jovem consegue se equilibrar entre tantos desafios at� que Marcos lhe mostra a foto da �ltima refei��o que ele teve com seu grupo cubano, 25 anos antes, quando ainda era crian�a. Em meio �queles rostos, Adele descobre algu�m familiar, o que abala sua seguran�a.
� essa trama que o cubano Leonardo Padura, um dos principais escritores da atualidade, usa como ponto de partida para tratar, no romance “Como poeira ao vento” (Boitempo), um tema caro aos seus conterr�neos: a quest�o do ex�lio. Afinal, desde 1959, ano da Revolu��o Cubana, mais de 1 milh�o de pessoas j� deixaram a ilha, n�mero aumentado pelos descendentes nascidos em outros pa�ses.
Aos 66 anos, Leonardo Padura Fuentes vive em Cuba, apesar de aclamado em diversos pa�ses que adorariam acolh�-lo. “Eu n�o teria sido o mesmo se tivesse sa�do de Cuba”, diz ele. “Talvez tivesse escrito mais e melhor, mas n�o teria feito da mesma forma. Sou quem sou porque estou onde estou.”
O ex�lio, por�m, n�o escapa ao seu olhar liter�rio. Romance geracional, “Como poeira ao vento” traz o registro, por meio da fic��o, de quem ficou e de quem decidiu partir. Cuba surge confrontada consigo mesma e com a di�spora que marca sua hist�ria desde os anos 1950.
A trama come�a em janeiro de 1990, quando uma turma de amigos tira uma foto no anivers�rio de 30 anos de um deles. Quando dois de seus filhos a descobrem, duas d�cadas depois, a imagem faz com que o grupo se reconecte para descobrir o que ocorreu com todos eles.
A descoberta de Adela ao olhar a foto mostrada pelo namorado desperta sentimentos sobre o magnetismo do pertencimento e a for�a do afeto, que tanto pode ser ainda real ou, como diz o t�tulo do romance, j� desapareceu como poeira.
Com escrita moldada no romance policial – g�nero, ali�s, do qual Padura � craque (o detetive Mario Conde protagoniza a maioria de seus romances) –, o novo livro registra as dif�ceis circunst�ncias que ainda abatem o povo cubano, dividido entre apoiar o presidente Miguel D�az-Canel ou alimentar a crescente oposi��o, cujas manifesta��es (algo in�dito na ilha at� h� poucos anos) s�o proibidas e recha�adas com viol�ncia pelo governo. Nesta entrevista, concedida por e-mail, o autor fala de sua literatura e de seu pa�s.
Como foi lidar com o tema do ex�lio, uma vez que voc� sempre viveu em Cuba?
Voc� n�o precisa se exilar para saber o que significa ex�lio. As experi�ncias de muitas pessoas que conhe�o, fam�lia, amigos, me ensinaram muito sobre como essa condi��o � vivida, especificamente como os cubanos a enfrentam em diversas partes do mundo. Basta ter sensibilidade para compreend�-los, aceitar suas alegrias e tristezas, suas vit�rias e seus traumas. � um aprendizado que conhe�o por observa��o, mas tamb�m por leitura, j� que o ex�lio � um tema muito utilizado na literatura cubana. E porque, sem d�vida, o ex�lio implica traumas e foi um drama que marcou a hist�ria de Cuba desde nossas origens nacionais, como j� mencionei em “O romance da minha vida”.
Seu novo livro trata de temas delicados, como a perman�ncia, a nega��o a esse pertencimento e a busca de uma identidade. Como foi lidar com esses assuntos?
A perman�ncia e o pertencimento se complementam e foi mais f�cil trabalhar porque sou algu�m que ficou e que pertence a Cuba. A identidade, por sua vez, � um elemento nosso: somos o resultado de um contexto geogr�fico, cultural e hist�rico. Neste romance, eu queria falar sobre como o pertencimento e a identidade s�o condi��es que nos perseguem, por mais que nos afastemos, por mais que as neguemos. Por isso n�o se trata apenas de um romance sobre a sa�da de Cuba, mas tamb�m sobre a impossibilidade de sair espiritualmente de Cuba ou de qualquer lugar a que voc� perten�a por causa de sua cultura, de sua sensibilidade.
O romance traz tr�s personagens femininas muito distintas. Como foi dar-lhes vida a partir da realidade do ex�lio?
Acho que um dos grandes desafios deste romance � lidar com tr�s protagonistas femininas. Tr�s mulheres muito diferentes entre si, mas, ao mesmo tempo, pr�ximas devido � sua condi��o de g�nero. � claro que a rela��o de pertencimento a algum lugar foi decisiva no car�ter de cada uma delas. Uma fica, outra se afasta e nega tudo, a outra tenta ainda descobrir quem ela �. Mas h� tamb�m suas rela��es com os outros personagens e entre si, que s�o decisivas para o que acontece no romance e que me obrigaram a ter muito cuidado ao escrever sobre elas. Para um homem, penso que � sempre um desafio compreender e assumir o pensamento de uma mulher, n�o s� pela condi��o sexual, mas tamb�m pelo que as sociedades impuseram. Juro que foi dif�cil lidar com elas.
Um dos momentos mais comoventes do livro mostra Irving dividindo com o amigo Dar�o o dinheiro que encontrou na rua, mesmo vivendo com muita necessidade. A amizade � importante para voc�, n�o?
Este � um romance sobre o valor e a perman�ncia da amizade. Sobre como na dist�ncia, e mesmo nas diferen�as de pensamento, a amizade pode nos preservar e nos salvar. Exemplos como o que voc� colocou se repetem no romance porque eu queria intensificar aquela rela��o de amizade entre personagens que, sendo amigos, est�o at� dispostos a perdoar certas trai��es, ou pelo menos entend�-las e, se poss�vel, super�-las. Dou grande valor a essa rela��o humana e ela aparece em todos os meus romances, principalmente nos do personagem Mario Conde, que tem seu pr�prio cl�.
Adela � personagem estranha: magnetizada por suas ra�zes cubanas, embora tenha nascido em Nova York e ostente a educa��o americana. N�o � regra os imigrantes se integrarem � cultura do pa�s onde se instalam?
Voc� disse bem: Adela � estranha. Tem dificuldade em saber a que lugar pertence, mas, ao mesmo tempo, sente atra��o pelo sentimento de pertencimento e se identifica com sua metade cultural cubana quase por decis�o pessoal ou por fatalidade, n�o sei. Adela foi inspirada nos filhos de cubanos que nasceram fora de Cuba e se sentem muito cubanos ou pr�ximos da ilha, embora perceba que eles n�o sabem o que exatamente � Cuba, ou n�o ligam. Mas lembre-se tamb�m de que Adela tem um relacionamento conflitivo com sua m�e, que decide muitas de suas op��es e sua forma��o de car�ter.
O romance chega a 2016, quando muitas coisas em Cuba mudaram para pior e o �dio aumentou. Voc� tem receio de que a atual instabilidade econ�mica alimente ainda mais o ex�lio, como ocorreu nos anos 1990?
Tenho certeza de que a atual crise em Cuba causar� novos exilados, muitos talvez. Neste momento, devido � pandemia e �s dificuldades para viajar, a explos�o est� contida, mas assim que surgirem vias de fuga, muita gente vai escapar. As pessoas em Cuba est�o cansadas, cada vez mais desencantadas, se n�o desesperadas, e perderam a esperan�a de que as coisas possam melhorar. Especialmente os jovens, que n�o querem que sua vida se esgote entre tantos slogans que n�o resolvem seus problemas vitais, que n�o garantem a satisfa��o de suas necessidades. Isso pode parecer pragm�tico, mas depois de tantos anos alimentando uma utopia que n�o deu os resultados esperados, prevalecem o pragmatismo e a busca de solu��es individuais para o fracasso coletivo.
Como analisa os primeiros meses do governo de Joe Biden, presidente dos Estados Unidos? J� � poss�vel temer a volta do trumpismo?
Biden foi um fiasco, at� para os americanos. Esse fiasco pode permitir o retorno do trumpismo. Se voc� comparar Biden com Obama, notar� imediatamente sua falta de brilho, de classe, de decis�o pol�tica. � dif�cil saber para onde ele est� rumando, o que deseja, como planeja alcan�ar seus objetivos.
Voc� ficou surpreso com os cubanos que moram na Fl�rida e votaram em Trump, e n�o em Biden?
N�o, n�o fiquei surpreso. Mas n�o quero julg�-los. Eu gostaria de entend�-los. N�o porque sejam trumpistas, mas porque n�o consigo entender que qualquer pessoa (exceto Trump) possa ser trumpista. Um homem que faz aquele gesto de desprezo por tudo e por todos com a boca... Como admirar algu�m assim? N�o, juro que n�o entendo...

“COMO POEIRA AO VENTO”
.De Leonardo Padura
.544 p�ginas
.Boitempo
.R$ 83