
Debaixo do bra�o, ele levou os livros "Mem�rias da planta��o: Epis�dios de racismo cotidiano", de Grada Kilomba, e "Ideias para adiar o fim do mundo", de Ailton Krenak. De longe, C�sar Lacerda assistiu bastante perplexo �s queimadas na Amaz�nia e no Pantanal.
De volta ao Brasil, ele se preparava para gravar o que viria a ser seu quarto disco de est�dio, quando a pandemia come�ou. Impossibilitado de sair de casa e se reunir com outros m�sicos em est�dio, Lacerda encontrou uma solu��o na palma de sua m�o.
"Naquele in�cio de pandemia, era imposs�vel imaginar qualquer possibilidade de encontro. Como eu queria ouvir os arranjos, comecei a gravar os instrumentos pelo celular, no GarageBand. A partir da�, pude imaginar o disco e o pr�prio uso desse tipo de tecnologia virou uma quest�o meta simb�lica do conceito do �lbum", diz.
O GarageBand � um aplicativo gratuito da Apple que funciona como uma esp�cie de est�dio, permitindo gravar instrumentos como piano, guitarra e bateria. A rela��o entre o uso dele e o conceito do �lbum est� ligada ao fato de as m�sicas tratarem de quest�es contempor�neas, como a crise clim�tica e o uso de tecnologias.
"Programei tudo. Fiz esse disco como se estivesse escrevendo mensagens de texto. Era tudo no dedo. Depois, exportei essas sess�es para o Fabio Pinczowski, e a� a gente passou a trabalhar em cima disso", ele conta.
EST�TICA
Apesar de ter usado o aplicativo em grande parte do processo, a grava��o do disco foi encorpada por instrumentistas reais, como Jota Erre, respons�vel pela bateria e pelas percuss�es do registro; Frederico Heliodoro, que toca baixo el�trico na faixa "O som que tudo sente", na qual Breno Mendon�a toca saxofone; e o guitarrista El�sio Freitas, que participa de "Parece pouco".
"(O uso do GarageBand) Come�ou como uma brincadeira e passou a ser uma reflex�o est�tica. Isso fortaleceu o trabalho. Deu a certeza de que ele n�o poderia ser feito de outra forma. Se fosse, certamente a m�sica perderia for�a est�tica", avalia o m�sico.
Composto por 11 faixas distribu�das ao longo de pouco mais de 36 minutos, "Na��es homens ou le�es" � um �lbum que n�o soa t�o sint�tico quanto seu processo de constru��o deixa a entender. Pelo contr�rio, a sonoridade engana e, apesar de ser moderna, tamb�m aparenta ser org�nica.
O disco tamb�m � marcado por uma s�rie de participa��es especiais de artistas como a cantora baiana X�nia Fran�a (em "Parece pouco"), o cantor e compositor paulistano Marcelo Jeneci (em "Desejos de um le�o"), a cantora angolana Aline Fraz�o (em "Parque das na��es"), o cantor, compositor e instrumentista norte-americano Ben LaMar Gay (em "Amanh�"), a cantora paulistana Dandara e a cantora ga�cha Filipe Catto (ambas em "O que eu n�o fiz") e a cantora mineira Malvina Lacerda, irm� de C�sar (em "O sol que tudo sente").
Embora n�o esteja expl�cito nas plataformas digitais, o disco � dividido em tr�s atos que revelam o significado do t�tulo. "Na��es" vai da primeira � quarta faixa. "Homens" diz respeito �s faixas cinco, seis, sete e oito. E "Le�es" � o que compreende o restante do disco.
"O primeiro ato trata de temas que s�o formadores da estrutura das sociedades, identificando um esfarelamento dessas estruturas. No segundo, as can��es lidam com as consequ�ncias da crise clim�tica e da imin�ncia de um colapso ambiental. E no terceiro, o disco chega � natureza, ao processo de desligamento dos seres humanos da natureza", C�sar Lacerda detalha.
O cantor e compositor refuta a ideia de um disco premonit�rio, ainda que muitas das can��es tenham sido criadas antes da pandemia. "Diversos cientistas j� falavam da imin�ncia de uma pandemia. At� mesmo na literatura em que eu estava interessado isso aparecia. Pensar nisso como possibilidade � uma coisa, viv�-la � algo muito diferente."
Para C�sar Lacerda, a pandemia "acelera uma s�rie de processos, de compreens�o e de nega��es". "Na m�sica, eu vejo que aconteceu uma coisa muito parecida com o que aconteceu na gastronomia. Se n�o fosse a aptid�o do Brasil em abordar a can��o trazendo algo de transformador, talvez ela tivesse retroagido nesse per�odo."
PODCAST
Complexo na medida, o novo trabalho do artista e os temas que ele aborda tamb�m foram transformados no podcast "Uma conversa sobre 'Na��es, homens ou le�es'", dispon�vel exclusivamente no Spotify. Dividido em quatro epis�dios, o programa consiste em um bate-papo entre C�sar Lacerda e o jornalista e cr�tico musical Leonardo Lichote, que discutem o disco como um todo e os tr�s atos que o comp�em.
"Na��es, homens ou le�es" marca a estreia da parceria entre C�sar Lacerda e Ronaldo Bastos. Eles assinam a composi��o de "O sol que tudo sente" e "Mudar a vida". "At� hoje � muito dif�cil para mim assimilar a ideia de que eu estou trabalhando com um cara que ouvi muito durante a minha vida. Na pandemia, a gente se aproximou e fizemos diversas can��es", conta o m�sico.
O compositor e produtor musical carioca, junto com Leo Pereda, � quem escreveu "Desprotegidos pela sorte", single lan�ado recentemente por Zez� Motta, em parceria com C�sar Lacerda. Na m�sica, os dois cantam sobre as mazelas do Brasil contempor�neo. Encantado com o trabalho, o m�sico mineiro celebra a parceria com a atriz e cantora.
"Ao longo de sua hist�ria, ela [Zez� Motta] esteve � frente de todos os debates. Ela se p�e abertamente na frente e � muito enriquecedor poder trabalhar ao lado de uma artista que est� em plena atividade criativa aos 77 anos."
Em breve, o mineiro voltar� a trabalhar com Ronaldo Bastos muito assinar� a dire��o art�stica de um �lbum in�dito. Essa � uma fun��o que ele exerce desde 2016, quando trabalhou, ao lado do tamb�m cantor e compositor mineiro Luiz Gabriel Lopes, no �lbum "Sol velho lua nova", do cantor e compositor Flavio Tris. Desde ent�o, ele j� assinou projetos de Matheus Brant, Luiza Brina e Ceumar.
"Para o pr�ximo ano, espero que a gente consiga recuperar um espa�o de calma e aprofundamento. Saindo da pandemia, a gente precisa tirar o artista desse lugar de uma produ��o incessante", ele afirma.

“NA��ES, HOMENS OU LE�ES”
.De C�sar Lacerda
.11 faixas
.YB Music e Circus
.Dispon�vel nas plataformas digitais