
Samba, samba-can��o, bossa nova, MPB, rock, rap. Elza soube construir sua carreira ao longo de seis d�cadas, atenta �s v�rias vertentes da m�sica brasileira. Seu canto rasgado lembrava o jazz, ou melhor, os negros sofridos dos campos de algod�o dos Estados Unidos. Ou as lavadeiras que subiam favela com a lata d'�gua na cabe�a. Ela foi uma dessas mulheres. Nunca se entregou.

Artista no peito e na ra�a, enfrentou o preconceito como poucos.
Nada foi f�cil. Filha de mineiros, pai oper�rio (Avelino Gomes) e m�e lavadeira (Ros�ria Maria da Concei��o), teve sete filhos – perdeu tr�s. O pai a obrigou a se casar aos 12 anos. Encaixotou sab�o, lavou roupas no Rio de Janeiro.
Nos anos 1950, Elza iniciou a carreira art�stica na R�dio Tupi, ao participar do programa do mineiro Ary Barroso. Ficou em primeiro lugar no concurso comandado por ele. Quando o compositor estranhou sua apar�ncia e lhe perguntou de onde veio, respondeu: “Do planeta fome, seu Ary”. O dinheiro serviu para pagar os rem�dios do filho. Conquistou Ary e o Brasil, com sua interpreta��o de “Lama”.
Nos anos 1950, foi crooner de orquestra, cantou em bailes, destacou-se no mundo do samba. N�o era loura, enfrentou o racismo, foi em frente. Colocaram at� gilete dentro do vestido dela.
Nos anos 1960, gravou “Se acaso voc� chegasse”, “A bossa negra” e o “O samba � Elza Soares”. O marido havia morrido h� muito de tuberculose, ela cantava para sustentar a fam�lia. Chamou a aten��o do Brasil, fez turn�s na Argentina, EUA, Europa e M�xico, conheceu Louis Armstrong, achou que ele imitava o seu scat.
Elza se apaixonou pelo craque Garrincha, viveram sua paix�o sob ataque da opini�o p�blica, pois ele era casado e pai de v�rios filhos. Alco�latra, o jogador em decad�ncia foi amparado por Elza, que se mudou para a It�lia com ele. O casamento chegou ao fim em 1982, ele morreu em 1983. Garrinchinha, o filho dos dois, era muito pequeno – Elza desabou quando o garoto morreu aos 9 anos, em 1986.
Nos anos 1970, come�aram os problemas na carreira, agravados nos anos 1980. Participou do Projeto Pixinguinha, gravava por selos pequenos, mas pensou em deixar tudo. Caetano Veloso a p�s de novo sob os holofotes ao convid�-la para gravar o rap “L�ngua” em seu disco Vel�, em 1984.
Elza n�o sossegou. Gravou rock com Lob�o, fez parceria com Cazuza, lan�ou releitura arrasadora de “O guri”, de Chico Buarque. Dirigida por Jos� Miguel Wisnick, veio outra virada na carreira. O disco “Do coccix at� o pesco�o”, projeto inovador e contempor�neo, lhe rendeu indica��o ao Grammy.
Em 2015, lan�ou uma obra-prima: “A mulher do fim do mundo”, com repert�rio in�dito e colabora��es com a nov�ssima e ousada gera��o da MPB contempor�nea: R�mulo Froes, Celso Sim, Rodrigo Campos, Guilherme Kastrup.
Arrancou elogios de David Byrne ao levar a turn� ao Central Park nova-iorquino.
Ganhou o Grammy de melhor �lbum de MPB com esse trabalho. The New York Times o considerou o destaque do ano.
O di�logo com a MPB contempor�nea foi aprofundado em “Deus � mulher”, disco de 2018. Em 2021, lan�ou “Elza Soares e Jo�o Aquino”, com can��es de Lulu Santos, Gilberto Gil, Luiz Melodia, Toquinho e Jorge Ben.
“Nunca conheci uma mulher como ela, algu�m que me inspirasse tanto, que inspirasse tantas pessoas, algu�m que tivesse uma biografia que era para dar toda errada. Elza n�o era para ter existido, a vida jogou contra ela a vida toda.
Tudo era obst�culo na vida dela. Quanto mais ela ouvia n�o, mais ela se fortalecia, virava outra pessoa”, disse ontem o jornalista Zeca Camargo, autor da biografia do �cone da cultura brasileira que deu adeus a seu povo nesta quinta-feira.
