
“Em 10 segundos, o maci�o de 86 metros de altura se desmanchou no ar”, diz um trecho do livro “Arrastados: os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanit�rio do Brasil”, de Daniela Arbex, situando o exato momento em que a encosta que continha o mar de lama cedeu, �s 12h28 de 25 de janeiro de 2019.
Exatos tr�s anos depois da trag�dia, a jornalista e escritora participa de uma live, �s 12h28 desta ter�a-feira (25/1), com transmiss�o pelo seu perfil no Instagram (@daniela.arbex) e tamb�m pelo da editora Intr�nseca (@intrinseca), para marcar o lan�amento oficial da obra, que reconstitui em detalhes as primeiras 96 horas da cat�strofe.
Embora desativada, a B1 – barragem da mina do C�rrego do Feij�o, explorada pela Vale – armazenava o equivalente a 400 mil caminh�es-pipa carregados de rejeitos de minera��o. Seu rompimento provocou um tsunami de lama t�xica que avan�ou por mais de 300 quil�metros, a 108km/h.
A avalanche encobriu e carregou tudo que encontrou pela frente – casas, pontes, �rvores, bichos – e provocou a morte de 272 pessoas. Embora as buscas nunca tenham sido interrompidas pelos bombeiros, seis v�timas n�o foram encontradas at� hoje.
Autora do livro “Todo dia a mesma noite”, sobre o inc�ndio que matou 242 pessoas na boate Kiss, em Santa Maria (RS), em 2013, Daniela conta que, no exato momento do colapso da barragem em Brumadinho, ela estava a caminho da cidade ga�cha, a 291 quil�metros de Porto Alegre, para se encontrar com os parentes das v�timas e passar com eles a data que marcaria os seis anos da trag�dia.
No final de fevereiro, quando retornou a Juiz de Fora, cidade onde mora, ela prop�s ao seu editor no jornal em que trabalhava uma reportagem sobre a situa��o em Brumadinho ap�s o desastre. Alguns dias depois, j� estava na cidade, localizada na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte.
Daniela conta que, at� aquele momento, n�o tinha o intuito de escrever um livro. “Quando cheguei l�, encontrei uma cidade traumatizada. Os atingidos estavam com medo de falar, porque, do dia para a noite, passaram a ser dependentes da Vale, que era quem os estava hospedando em hot�is pr�ximos, tentando remediar a situa��o”, diz.
CEN�RIO DE GUERRA
Ela recorda que, diante do que viu, entendeu que a popula��o local precisaria de mais tempo para processar a situa��o, entender o contexto em que estava inserida. “Naquele primeiro momento, estava tudo muito confuso. As pessoas estavam ainda muito reativas, muito em choque. As informa��es eram desencontradas at� para os pr�prios bombeiros. A lista de desaparecidos tinha mais de 700 nomes. Era um cen�rio de guerra. Naquele momento, s� foi poss�vel reportar isso, n�o deu para mergulhar nas hist�rias, dar nome e sobrenome, rosto e voz para as pessoas”, afirma.
Daniela ainda estava em Brumadinho quando recebeu o telefonema de Renata Rodriguez, editora da Intr�nseca, sinalizando que gostaria que ela escrevesse um livro sobre o desastre. Desafio aceito, ela resolveu dar o tempo que a comunidade precisava, terminou de escrever o livro em que estava trabalhando, “Os dois mundos de Isabel”, e retornou a Brumadinho posteriormente para, conforme diz, oferecer uma escuta mais atenta a todos os envolvidos – parentes das v�timas, testemunhas, bombeiros, autoridades locais e m�dicos legistas, entre outros.
Tendo viajado mais de 10 vezes � cidade, onde entrevistou cerca de 300 pessoas, ela destaca que todo o processo de apura��o do ocorrido foi muito dif�cil. Como aponta o pref�cio do livro, assinado por Pedro Bial, tudo nessa hist�ria tem uma escala industrial. “A gente est� falando de uma dor gigantesca, de uma devasta��o enorme, entrando num territ�rio bilion�rio. Eram muitas informa��es, muitos dados”, comenta.
“A gente que � leiga n�o tem no��o de como funciona uma mina. Compreender esse processo, entender a l�gica da minera��o, isso tudo foi muito complicado”, observa. De todas as entrevistas que a autora fez, aproximadamente 200 personagens figuram nas p�ginas de “Arrastados”. “Lidar com esse volume de informa��o foi um grande desafio”, salienta.
ESPECTADOR DA TRAG�DIA
Ela pontua que, quando come�ou a efetivamente trabalhar na apura��o para escrever o livro, se prop�s a colocar o leitor dentro da mina do C�rrego do Feij�o, como um espectador presente, desde as primeiras horas do dia da trag�dia. “Voc� vai entrando no livro pelo olhar dos trabalhadores que estavam naquele �nibus chegando ali na mina, e vai entender onde cada um estava quando a barragem entrou em colapso. Da� vou revelando tudo o que aconteceu nas 96 horas seguintes, quase que em tempo real.”
Montar v�rias linhas de espa�o e tempo para tentar entender tudo o que havia acontecido foi a estrat�gia usada por Daniela. Qual o hor�rio da primeira chamada para o Corpo de Bombeiros? Qual o hor�rio da decolagem da primeira aeronave rumo a Brumadinho? Quanto tempo de voo at� o primeiro helic�ptero chegar l�?
“Fui em busca dessas respostas, ao mesmo tempo em que coletava informa��es das pessoas em situa��o de trauma. Teve a parte t�cnica e teve a parte da empatia, da escuta cuidadosa das pessoas. E teve o trabalho no Instituto M�dico-Legal (IML). Como identificaram as pessoas? O livro mergulha nisso tudo e traz informa��es in�ditas”, afirma.
"Num pa�s marcado por tamanho racismo estrutural, as v�timas de Brumadinho estavam todas iguais, tinham todas a cor da morte. Isso me marcou muito, por isso dei ao livro esse nome"
Daniela Arbex, jornalista e escritora
Quando fala de empatia, ela alude a um epis�dio em especial, externo ao trabalho de feitura do livro, mas que se imiscuiu nele: a morte de seu irm�o, por COVID-19, aos 49 anos, em mar�o do ano passado. Daniela conta que havia retornado a Juiz de Fora no final de fevereiro, ap�s ter passado todo o m�s em Brumadinho, e ficou sabendo que a fam�lia havia sido infectada pelo novo coronav�rus.
“O quadro do meu irm�o foi se agravando, ele foi internado e, uma semana depois, morreu. � brutal voc� n�o poder se despedir de quem voc� ama. Tanto eu quanto os parentes das v�timas do rompimento da barragem n�o pudemos nos despedir. No meu processo de luto, fui percebendo muito do que meus personagens de Brumadinho relatavam sobre esse processo, sobre essa aus�ncia”, diz, destacando que, por um momento, pensou em desistir da empreitada de “Arrastados”. Somente um m�s depois da morte do irm�o � que ela decidiu dar continuidade ao projeto.
“Pensei que, se eu parasse, estaria deixando de honrar a mem�ria do meu irm�o. Falei para mim mesma que ia continuar por ele, que fez comigo o document�rio do ‘Holocausto brasileiro’ (seu livro sobre o Hospital Col�nia de Barbacena, lan�ado em 2013) para a HBO e sabia da import�ncia de se contarem hist�rias e de se preservar a mem�ria. Mas escrevi esse livro em carne viva.”
Diferentemente de outros livros sobre o rompimento da barragem em Brumadinho – como "Engenharia de um crime" (2019), de Murilo Rocha e Lucas Ragazzi, que se debru�a sobre a investiga��o criminal em torno do ocorrido –, “Arrastados” tem foco nos personagens, � centrado no relato das pessoas.
RECONSTITUI��O
“Meu livro reconstitui todo o cen�rio, todo aquele momento de ruptura e de desastre que Minas Gerais viveu. Ele � uma reconstitui��o do que aconteceu na mina do C�rrego do Feij�o pelo olhar de quem esteve envolvido, os atingidos, os bombeiros, os m�dicos legistas que fizeram um trabalho silencioso e important�ssimo de identifica��o das v�timas”, sublinha.
Durante o processo de apura��o dos fatos, um dos que mais a surpreenderam foi o que acabou batizando a obra. “Descobri, nas minhas incurs�es ao IML, que quando os primeiros corpos chegaram, os legistas constataram que todos estavam sem pele. Quando foram arrastadas, as v�timas sofreram abras�o. N�o era poss�vel identificar ningu�m pela cor da pele, estavam todos com o subcut�neo exposto e apresentavam, portanto, o mesmo tom esbranqui�ado. Num pa�s marcado por tamanho racismo estrutural, as v�timas de Brumadinho estavam todas iguais, tinham todas a cor da morte. Isso me marcou muito, por isso dei ao livro esse nome”, conta.
O t�tulo do posf�cio de “Arrastados” � uma pergunta: “Brumadinho nunca mais?”. Daniela diz que nem ela nem os especialistas no assunto que entrevistou arriscam uma resposta, mas que � certo que, enquanto perdurar o atual modelo de minera��o, ningu�m est� seguro em lugar nenhum.
“Temos mais de 20 mil barragens no pa�s e s� 10% delas t�m informa��es plenamente confi�veis em rela��o �s suas caracter�sticas, seu funcionamento, e est�o com os dados completos. � sabido que existem 122 barragens em estado cr�tico espalhadas pelo pa�s. Isso d� a dimens�o do risco que a gente vive”, aponta.
Ela considera que � preciso mudar o modelo de neg�cio da minera��o e as velhas pr�ticas de poder a ele relacionadas. Daniela observa que, em fevereiro de 2019, foi sancionada a Lei 23.291/19, que ficou conhecida como Mar de Lama Nunca Mais, estabelecendo um novo marco regulat�rio para a mat�ria no estado, que, na pr�tica, endureceu as regras do setor.
Segundo a lei, empreendedores passaram a ter como obriga��o a descaracteriza��o das estruturas de barragens que utilizem o m�todo de alteamento a montante num prazo de tr�s anos, a contar da data de publica��o da lei. A descaracteriza��o prev� que a barragem n�o receba mais rejeitos de minera��o e que seja drenada. Contudo, perto do prazo de expirar os tr�s anos, apenas tr�s das 54 barragens a montante existentes em Minas Gerais tiveram sua descaracteriza��o conclu�da.
“Agora, aos 45 minutos do segundo tempo, em outubro do ano passado, foi protocolado um projeto de lei que altera os prazos de descaracteriza��o das barragens a montante. Uma lei t�o importante, que foi t�o comemorada, corre o risco de ter uma amplia��o de prazo que n�o estava prevista”, diz.
Ela ressalta que o projeto de lei protocolado na Assembleia Legislativa de Minas Gerais prop�e, por exemplo, que barragens com volume de at� 30 milh�es de metros c�bicos de rejeitos tenham at� 15 de setembro de 2025 para se descaracterizar. Para as que armazenam volume superior, o prazo seria ainda maior: 15 setembro de 2027, ou seja, cinco anos e meio a mais que o previsto inicialmente. “A gente precisa ser mais �gil nas respostas”, afirma.

“Arrastados: os bastidores do rompimento da barragem de Brumadinho, o maior desastre humanit�rio do Brasil”
• Daniela Arbex
• Editora Intr�nseca (328 p�gs.)
• R$ 59,90 (livro impresso) e R$ 29,90 (e-book)
• Live de lan�amento com a presen�a da autora nesta ter�a-feira (25/1), �s 12h28, com transmiss�o pelos perfis da editora Intr�nseca (@intrinseca) e de Daniela Arbex (@daniela.arbex) no Instagram