
Depois de mudar de endere�o no ano passado e entregar � capital mineira novas e monumentais obras a c�u aberto na regi�o da Pra�a Raul Soares, o Cura – Circuito Urbano de Arte volta � carga a partir desta segunda-feira (14/2), com a nova etapa de sua sexta edi��o, promovendo interven��es naquele mesmo espa�o.
Uma grande instala��o produzida pelo Grupo Giramundo poder� ser vista na pra�a at� o pr�ximo dia 25 e, a partir da pr�xima quinta-feira (17/2), a multiartista paulistana Mag Magrela, selecionada pelo edital do Cura em 2021, inicia a produ��o de obras in�ditas nas edifica��es no entorno da Raul Soares.
A expectativa das idealizadoras do Cura, Priscila Amoni, Janaina Macruz e Juliana Flores – que tamb�m respondem pela curadoria, juntamente com as convidadas Naine Terena de Jesus e Flaviana Lasan –, � fechar, sem sobressaltos, esse novo ciclo do Circuito iniciado na primavera do ano passado, quando alguns problemas se impuseram.

As dificuldades enfrentadas durante a primeira etapa desta 6ª edi��o do Cura estiveram relacionadas com os impasses vividos pela cultura no atual cen�rio pol�tico brasileiro, especialmente, conforme aponta Juliana Flores, com a atua��o em �mbito federal no sentido de enfraquecer e mesmo boicotar o setor, atrasando processos, autoriza��es, homologa��es e libera��o de recursos.
Priscila Amoni explica que o Cura � realizado com recursos obtidos por meio das leis municipal, estadual e federal de incentivo � cultura. “Os trabalhos foram interrompidos porque n�o tivemos o repasse do dinheiro pela inst�ncia federal, o que consideramos um boicote. Estamos na expectativa de concluir esse ciclo dando o melhor de n�s, apesar dos preju�zos que tivemos, porque voc� faz um planejamento pensando na realiza��o do evento dentro de um prazo determinado”, diz.

Ritual de ativa��o
Ela destaca que as novas obras que v�o integrar o Circuito s�o muito importantes para fechar o conceito desta edi��o, o que se relaciona com a chegada � Pra�a Raul Soares. “O Giramundo vai fazer uma esp�cie de ritual de ativa��o ali, em torno da fonte. Vamos entrar em 2022 com uma nova energia, para que seja um ano de renova��o cultural e pol�tica, porque o que estamos vivendo como cidad�os e agentes da cultura � um pesadelo”, observa.
Priscila diz que a aproxima��o com o Giramundo se deu de forma natural e espont�nea. “A gente brinca que nem � preciso fazer curadoria, os artistas � que chegam aqui no nosso campo mental. O Giramundo chegou e se encaixou perfeitamente.”
A equipe do Cura pensou numa instala��o em volta da pra�a que prestasse homenagem a Belo Horizonte, o que suscitou o desejo de uma parceria com algum artista ou grupo tradicional da cidade, que tivesse uma rela��o pregressa com o espa�o urbano.
"Mag Magrela tem um conceito que dialoga com o empoderamento feminino. Seu trabalho traz muito as figuras de mulheres abra�adas, que se fortalecem, que catam pedras e fazem delas uma muralha"
Priscila Amoni, curadora do Cura
“O Giramundo est� �s voltas com as comemora��es de seu cinquenten�rio e eles queriam resgatar as a��es no espa�o p�blico, na rua, resgatar um p�blico jovem, ent�o foi um casamento perfeito”, afirma a curadora. Batizada “Gira de novo”, a instala��o faz refer�ncia tanto �s crian�as quanto aos ciclos do universo, os movimentos do sol e as fases da vida humana como s�mbolo de recome�o.
“Foi uma constru��o coletiva. Tivemos a ideia a partir de uma foto de crian�as, provavelmente moradoras de rua, nadando no chafariz da Raul Soares. Quer�amos expressar essa energia da inf�ncia, da brincadeira. Como n�s, do Cura, e o pessoal do Giramundo temos liga��o com uma cultura de terreiro, de religi�es afro-ind�genas, trabalhamos com essa ideia do er�. Quando falamos de er� e de crian�a brincando no chafariz, estamos dialogando com a cidade, com os moradores de rua e com os povos de terreiro”, aponta.
Cosmograma bakongo
Neto dos fundadores do Giramundo, �lvaro Apocalypse e Terezinha Veloso, Hot Apocalypse diz que, a partir dessa imagem sugerida pelo Cura, idealizou a obra, cuja confec��o envolveu membros do grupo. “� um trabalho inspirado no cosmograma bakongo, que foi trazido ao Brasil pelo congol�s Bunseki Fu’Kiau. Pensamos a instala��o em fun��o do formato da pra�a. O cosmograma � um c�rculo com quadrantes. Na instala��o, em cada quadrante vai ter um er�, o que traduz um pouco a coisa dos primeiros passos, do come�o e do recome�o, inserindo isso na vida cotidiana, na rua”, comenta.
Ele destaca que, internamente, “Gira de novo” tamb�m tem um significado especial para o Giramundo, j� que representa uma volta ao espa�o urbano. “Na Pra�a do Peixe, na Lagoinha, tem uns peixes que s�o uma instala��o antiga do Giramundo. Os �ltimos anos foram dif�ceis para n�s, assim como para todo mundo, e ao mesmo tempo estamos num momento de comemora��o pelo nosso cinquenten�rio, ent�o esse trabalho na Raul Soares representa uma volta para a rua. � bastante simb�lico”, afirma.
Hot explica que chegou ao cosmograma bakongo por meio de pesquisas que o Giramundo j� vinha realizando com vistas a um novo filme – o segundo na trajet�ria do grupo, que no ano passado realizou a adapta��o para o cinema da montagem “O pirot�cnico Zacarias”. Ele diz que, para essa produ��o, focada na hist�ria do Brasil, o grupo estudou a cultura bantu, que chegou ao pa�s no primeiro per�odo da coloniza��o.
Encruzilhada vi�ria
“O cosmograma foi a ideia que melhor casou com o que as meninas do Cura queriam para a pra�a, por ser circular, por ser a maior encruzilhada vi�ria de Belo Horizonte. O ‘Gira de novo’ � uma estrutura bem grande, que toma conta da pra�a, com cabe�as gigantes. � um chamado mesmo para a gente voltar a conviver na rua, na medida em que o cen�rio da pandemia for melhorando”, diz o artista.
Ele ressalta que � gratificante para o Giramundo poder participar do Cura, porque, de certa forma, representa uma reconex�o com a hist�ria do pr�prio grupo. “A arte urbana pulsa em Belo Horizonte h� muito tempo, e as meninas do Cura tiveram a vis�o de engrandecer esse panorama. � um festival que tem trazido muralistas urbanos muito importantes para a cidade e tem dado o devido reconhecimento aos artistas locais”, aponta.
“� uma iniciativa que tem muito a ver com o Giramundo, no sentido de que busca sempre se reinventar, que � o que o nosso grupo est� fazendo agora. A gente v� isso nas meninas. Mesmo com a pouca idade do Cura, ele demonstra essa inten��o de se reinventar sempre e reinventar o espa�o urbano”, acrescenta.
Refer�ncia do grafite
Sobre a participa��o de Mag Magrela na segunda etapa desta 6ª edi��o do Cura, Priscila Amoni diz que � uma grande distin��o para o festival, j� que Mag Magrela � uma refer�ncia do grafite no Brasil, um “�cone” que, a despeito de seu pioneirismo e trajet�ria, se submeteu ao edital.
“Ela est� nas ruas h� 15 anos, � das primeiras grafiteiras de S�o Paulo, desde que me entendo por artista e muralista, conhe�o o trabalho dela. Mesmo sendo esse monstro do grafite brasileiro, ela se inscreveu no edital como qualquer outro artista, estava buscando um espa�o no Cura ao lado de outros nomes, iniciantes inclusive”, diz, acrescentando que a convocat�ria recebeu mais de 300 propostas. “A Magrela mant�m a humildade, o corriqueiro do trabalho”, aponta.
Ela destaca que um tra�o distintivo do Cura em rela��o a outros festivais de arte � precisamente o compromisso com a hist�ria da linguagem que ele abarca. “� um festival que j� se tornou relevante no Brasil porque virou uma refer�ncia nesse lugar de apontar caminhos, revelar novos talentos, mas tamb�m consagrar os que j� est�o na cena h� mais tempo. A gente est� sempre em busca do di�logo. O Cura se permite escutar, aprender, propor e se transformar”, diz.
Priscila explica uma das raz�es de sua admira��o pela artista paulista: “Ela � convidada para fazer mural em Nova York, mas n�o deixa de ir para a rua em S�o Paulo com recursos pr�prios. Magrela tem essa caracter�stica da artista de rua mesmo, da grafiteira que segue fazendo sua arte por prazer”.
Empoderamento feminino
Outro aspecto que ela aponta no trabalho de Magrela s�o as formas femininas singulares que comp�em sua obra. “Ela tem um conceito que dialoga com o empoderamento feminino. Seu trabalho traz muito as figuras de mulheres abra�adas, que se fortalecem, que catam pedras e fazem delas uma muralha.”
Desde a primeira edi��o, a realiza��o do Cura � norteada pela ideia do encontro, com atividades e a��es conexas que acontecem em paralelo � feitura das obras. Priscila diz que, desta vez, optou-se por n�o desenvolver nenhuma iniciativa nesse sentido, devido ao atual cen�rio epidemiol�gico.
No entanto, uma a��o on-line ser� conduzida pela artista Silvia Herval, ao longo dos pr�ximos 13 dias. Ela far�, diariamente, uma simpatia que remete � trezena de Santo Ant�nio, com postagens em seu Instagram e no Cura. “A ideia � dizer que est� todo mundo trabalhando com magia. Pretendemos, com essa atividade, superar mesmo essa quest�o da discrimina��o religiosa, dialogando e incorporando a dimens�o do catolicismo popular”, aponta Priscila.
Mais Raul Soares
Segundo a curadora, uma vez encerrada esta etapa, a inten��o � trabalhar pelo menos mais duas edi��es do Cura na Pra�a Raul Soares, para que se possa aprofundar naquele ecossistema, pesquisar os h�bitos e a hist�ria da regi�o e encorpar o novo “mirante”.
O Circuito Urbano de Arte realizou sua quinta edi��o em 2020, completando 18 obras de arte em fachadas e empenas, sendo 14 na regi�o do Hipercentro da capital mineira e quatro na regi�o da Lagoinha.
CURA – CIRCUITO URBANO DE ARTE
Segunda etapa da sexta edi��o. A partir desta segunda-feira (14/2) at� o pr�ximo dia 25, na Pra�a Raul Soares. Mais informa��es no Instagram e no site do projeto.