Nemer exp�e em BH aquarelas que produziu com a 'disciplina' da pandemia
Artista diz que se concentrou no trabalho durante o per�odo de isolamento social, o que deu unidade ao conjunto que pode ser visto a partir desta ter�a (19/4)
A mostra 'Nemer - Aquarelas recentes' passou por S�o Paulo e Porto Alegre antes de chegar, hoje, � Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard (foto: Rafael Motta/Divulga��o)
Na semana passada, Jos� Alberto Nemer estava se recuperando, depois de passar alguns dias com febre e dores no corpo, de uma COVID-19 que ele p�e na conta de uma viagem a S�o Paulo. “Estava na SP-Arte e fiquei constrangido, porque estava todo mundo sem m�scara; acabei tirando a minha tamb�m. Tenho certeza de que peguei foi l�”, afirma.
N�o deixa de ser tristemente ir�nico que a exposi��o que o artista abre nesta ter�a-feira (19/4) na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, no Pal�cio das Artes, seja resultado precisamente do isolamento social que ele se imp�s, ao longo de dois anos de pandemia, para evitar contrair a doen�a.
Batizada “Nemer – Aquarelas recentes”, a mostra itinerante, que j� passou pelo Instituto Tomie Ohtake, em S�o Paulo, e pela Funda��o Iber� Camargo, em Porto Alegre, re�ne trabalhos in�ditos. S�o 30 obras em dimens�es m�dias, de 100 por 100 cent�metros, e grandes, de 150 por 200 cent�metros, e uma s�rie de 23 conjuntos, intitulada “Geometria residual”, que re�ne aquarelas pequenas e fotografias.
Pertencente � gera��o dos chamados desenhistas mineiros, que se afirmou no cen�rio da arte brasileira a partir da d�cada de 1970, Nemer diz que as obras foram naturalmente atravessadas pela condi��o em que foram criadas.
“Acho que a reclus�o se expressa neste trabalho. Nunca fui um artista muito disciplinado na cria��o. Costumo dizer que pinto quando n�o tenho mais nada para fazer. Desta vez, em casa o tempo todo, eu pintava, terminava uma obra e j� come�ava outra, numa sequ�ncia, o que acabou gerando uma unidade. Essa exposi��o traz um per�odo concentrado de trabalho. A pandemia me deu essa disciplina”, aponta.
Ele diz que, al�m da t�cnica empregada, h� outros pontos de di�logo entre as obras que comp�em a mostra, mas ressalva que n�o houve nenhum tipo de premedita��o ou inten��o tem�tica.
Individual do artista re�ne 53 trabalhos produzidos durante a crise sanit�ria (foto: Rafael Motta/Divulga��o)
UNIDADE
“Olhando o contingente agora, com o recuo do tempo, � que vejo que h� uma unidade, mas n�o foi algo preconcebido. Foi simplesmente porque um trabalho deu sequ�ncia a outro, que deu sequ�ncia a outro, e assim por diante. Essas obras t�m formas e cores que variam muito, mas n�o t�m nada ali que destoe do conjunto”, observa.
A rela��o de Nemer com a aquarela remonta aos prim�rdios de sua forma��o acad�mica, na Escola de Belas Artes da UFMG, onde posteriormente veio a lecionar. Para que esse caso de amor com a t�cnica se consolidasse, no entanto, foi preciso um hiato, que se deu a partir de sua gradua��o. Ele conta que o ensino da aquarela era muito limitador e por isso ele abandonou a pr�tica t�o logo se formou, passando a investir no desenho.
“Na Escola de Belas Artes, na �poca em que estudei l�, o curso de aquarela era muito restritivo, cheio de regras. �s vezes eu estava pintando, o professor vinha e dizia que aquilo n�o era aquarela. Se eu usava preto, ele vinha dizer que n�o se usa preto na aquarela. Da� eu parei”, recorda. Ele diz que s� foi fazer as pazes com a t�cnica anos depois, como parte de um processo terap�utico.
“Eu propus � minha analista que os relat�rios que eu deveria fazer fossem em forma de aquarelas. Sintomaticamente, comecei pelo preto, com cenas do meu imagin�rio e do cotidiano, num conjunto que, ali�s, batizei de ‘Ilus�es cotidianas’. Continha toda uma mitologia contempor�nea. Expus muitos desses trabalhos, em S�o Paulo e na Bienal de Cuba, por exemplo”, conta.
ESPECIALIZA��O
A partir daquele momento, nos anos 1980, a aquarela tornou-se uma constante, indissoci�vel do trabalho de cria��o art�stica de Nemer. Sua �ltima grande exposi��o em Belo Horizonte, no Espa�o Cultural do Minas T�nis Clube, em 2019, tamb�m foi de aquarelas.
“Ainda sou muito relacionado com o desenho, mas h� d�cadas eu trabalho s� com aquarelas. Trato dela como uma linguagem de especializa��o, n�o como uma passagem para qualquer outro tipo de linguagem, como a pintura ou coisa que o valha. Acho que a aquarela � onde meu trabalho alcan�a um resultado pertinente”, avalia.
Ao falar de seu processo de cria��o e da psican�lise, Nemer destaca a import�ncia da aquarela em sua trajet�ria pessoal e profissional. Ele � categ�rico ao afirmar que a t�cnica o ensina a viver.
“Me ensina a aceitar o imponder�vel. A aquarela obedece ao controle da cria��o at� certo ponto. A partir da� ela se torna indom�vel. O pigmento com �gua numa superf�cie grande e branca do papel tem um comportamento imprevis�vel. O desafio est� justamente em incorporar o aleat�rio, transformar a surpresa em linguagem”, aponta.
Nemer diz que aquarela o ajuda a lidar com o imponder�vel (foto: Miguel Aun/Divulga��o
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Ele diz que sempre se considerou uma pessoa controladora e, nesse sentido, a aquarela � uma t�cnica que o obriga a deixar fluir, o torna perme�vel ao acaso, sem que isso represente uma ang�stia.
“N�o se trata apenas de lidar com o imponder�vel, mas sim de inseri-lo numa linguagem art�stica. N�o � qualquer escorrida que soma � obra. Meu trabalho passa por aquilo que o Ol�vio Tavares de Ara�jo falava sobre o di�logo entre a raz�o e a sensibilidade, do encontro do aleat�rio com a geometria”, diz.
“�s vezes eu come�o construindo uma geometria que, na metade, acaba se desconstruindo; � quando voc� reconhece que a aquarela � indom�vel, escorre at� onde quer escorrer e o pigmento se concentra onde nem sequer imagin�vamos. Todos os deslizes s�o incorporados e fazem parte do processo n�o s� da aquarela, mas da arte como um todo”, acrescenta.
E quando o aleat�rio ou a surpresa est�o em completo desacordo com o que o artista pensa ou deseja, isso implica o descarte da obra? “Descarto muito pouca coisa, mas acontece, sim. O que � ir�nico e paradoxal � que, quando isso acontece, � mais por ‘erros’ que eu cometo na aquarela do que propriamente pelo car�ter indom�vel que ela tem; � mais pelo que fa�o do que pelo que deixo de fazer”, aponta.
A exposi��o que ocupa a Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard a partir de hoje � basicamente a mesma que passou por S�o Paulo e Porto Alegre. Nemer diz que, nesse percurso que a mostra cumpriu at� aqui, algumas obras foram vendidas, mas, como a produ��o foi intensa ao longo dos �ltimos dois anos, ele tinha outras para substitu�-las, sem que houvesse preju�zo ou descaracteriza��o do conjunto.
''A aquarela obedece ao controle da cria��o at� certo ponto. A partir da� ela se torna indom�vel. O pigmento com �gua numa superf�cie grande e branca do papel tem um comportamento imprevis�vel. O desafio est� justamente em incorporar o aleat�rio, transformar a surpresa em linguagem''
Jos� Alberto Nemer, artista
RECEP��O EM S�O PAULO
Sobre a recep��o que “Aquarelas recentes” teve tanto no Instituto Tomie Ohtake quanto na Funda��o Iber� Camargo, ele diz, a prop�sito, que foi excelente. “Foram dois per�odos expositivos muito bons, apesar das restri��es de p�blico em fun��o da pandemia. Na abertura, por exemplo, eu tive o direito de convidar 30 amigos apenas, n�o mais que isso. Tudo era muito r�gido, mas fiquei bastante feliz com o resultado. O cat�logo ficou muito bom, teve uma cobertura excelente da imprensa e gerou uma repercuss�o legal”, aponta.
Ele tamb�m diz que os dois espa�os por onde a mostra passou s�o “espetaculares” e que, assim como a Funda��o Cl�vis Salgado, s�o essas inst�ncias que t�m dado sustenta��o �s atividades culturais neste momento t�o dif�cil para o setor.
“A exposi��o que chega agora ao Pal�cio das Artes, depois de passar pelo Instituto Tomie Ohtake e pela Funda��o Iber�, � um exemplo positivo de acolhida por parte das institui��es. Todos os tr�s espa�os fazem um trabalho s�rio e din�mico e devem servir de par�metro quando se fala em gest�o cultural”, comenta.
O panorama da cultura brasileira na atualidade � muito rico, mas as pol�ticas p�blicas, no geral, t�m dificuldade de acompanh�-lo, segundo o artista. Ele considera que, especialmente no �mbito federal, o atual cen�rio � dram�tico. Nemer identifica um desmonte da cultura, com �rg�os respons�veis pela gest�o do setor sendo muito mal administrados.
“Para se ter uma ideia, estou com um processo para conseguir recursos, via Lei Rouanet, tramitando h� dois anos sem nenhuma resposta. � uma loucura total. O Instituto do Patrim�nio Hist�rico est� uma l�stima, a Funarte est� uma l�stima. Os �rg�os de cultura no plano federal est�o completamente � deriva. Num panorama mais geral, o que salva s�o certos espa�os, como esses em que tenho exposto. Eu navego � por a� e sou muito grato �s portas abertas por esses institutos e funda��es.”
SURDINA
Com curadoria do professor Agnaldo Farias, da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de S�o Paulo e cr�tico de arte, tamb�m respons�vel por organizar a �ltima exposi��o de Nemer, em 2019, “Aquarelas recentes” �, conforme aponta o artista, uma mostra que pede uma atmosfera intimista.
Nemer diz que o p�blico ser� apresentado a uma exposi��o que se desvela em seus mist�rios e sutilezas. O projeto expositivo da Grande Galeria foi pensado com o intuito de cumprir esse papel.
“A exposi��o tem uma ambienta��o de c�mara, n�o de orquestra grandiloquente. A produ��o do espa�o, com pessoas sens�veis, foi muito atenta a esse detalhe. Experi�ncias anteriores me mostraram o quanto os visitantes se sensibilizam quando veem algo em surdina. As pessoas at� falam baixo, se envolvem com aquilo que est� sendo mostrado. Essa � uma recompensa para o artista, o fato de mostrar a obra e sentir que ela � vista como se deve.”
“NEMER – AQUARELAS RECENTES”
Individual do artista, a partir desta ter�a-feira (19/4) at� 5 de junho, na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, do Pal�cio das Artes (Av. Afonso Pena, 1.537, Centro – 31 3236-7400). Hor�rio de visita��o: das 9h30 �s 21h, de ter�a-feira a s�bado, e das 17h �s 21h, aos domingos.
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