(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas PATRIM�NIO EM RISCO

Arque�logos mergulham no Mediterr�neo para tentar salvar arte rupestre

Com 33 mil anos, a gruta Cosquer, no Sul da Fran�a, corre o risco de desaparecer devido ao aquecimento global


01/06/2022 04:00 - atualizado 01/06/2022 09:17

Homem observa desenhos rupestres que podem ter 33 mil anos feitos em caverna maritima francesa
S�tio de Cosquer, em Marselha, re�ne desenhos datados de 33 mil a 19 mil anos atr�s (foto: Christophe Simon/AFP)

Os arque�logos-mergulhadores ajustam suas m�scaras e partem de barco para uma enseada em Marselha, no Mediterr�neo. � profundidade de 37 metros, chegar�o � entrada da gruta Cosquer, um “Lascaux submarino” com desenhos rupestres �nicos no mundo e amea�ado de desaparecimento.

O acesso � caverna de pelo menos 33 mil anos localizada no Sul da Fran�a se d� pela entrada original no fundo do mar e depois por um t�nel inundado de mais de 100 metros que sobe e termina em uma caverna de 2,5 mil metros quadrados, em grande parte submersa.

Mergulhadores no Mar Mediterrâneo
Arque�logos t�m de descer 37 metros no mar para acessar a entrada da gruta onde est�o tesouros pr�-hist�ricos (foto: Christophe Simon/AFP)

GRAVURAS DO PALEOL�TICO

Na caverna, as paredes ainda secas oferecem gravuras e desenhos do Paleol�tico Superior, em particular animais marinhos, focas e pinguins, algo �nico nos grandes s�tios da arqueologia pr�-hist�rica. Um “choque est�tico” que marca uma vida, confessa o arque�logo Luc Vanrell, de 62 anos, que estuda essa caverna h� 30 anos.

O local est� amea�ado. Ap�s o aumento repentino de 12cm no n�vel do mar em 2011, mar�s altas mais fortes avan�am alguns mil�metros ano ap�s ano. � uma corrida contra o tempo para os cientistas franceses, porque o aumento das �guas devido ao aquecimento clim�tico associado � polui��o marinha prejudica as obras-primas da arte parietal.

Para preservar esse patrim�nio �nico, arque�logos-mergulhadores intensificam explora��es para ter, por exemplo, uma representa��o virtual da gruta.

Homens de capacete veem fotos de pinturas rupestres, pregadas em cartolinas azuis. Eles estão dentro de caverna onde as imagens foram pintadas nas paredes
Tecnologia permitir� reproduzir pinturas rupestres da gruta em museu de Marselha, que ser� a r�plica de Cosquer (foto: Christophe Simon/AFP)


A poucos quil�metros de dist�ncia, no cora��o de Marselha, t�cnicos e artistas terminam a constru��o de uma r�plica, que ser� aberta ao p�blico no s�bado que vem (4/6). A miss�o � dar continuidade ao mapeamento digital 3D das paredes da gruta, no qual foram catalogadas cerca de 600 entidades gr�ficas.

“Nosso sonho seria trazer a gruta � superf�cie”, diz um dos mergulhadores, Bertrand Chazaly, respons�vel pelas opera��es de digitaliza��o, sorrindo.

“Uma vez finalizada, nossa gruta virtual Cosquer, com precis�o milim�trica, ser� uma ferramenta de pesquisa indispens�vel para conservadores ou arque�logos que n�o podem acessar fisicamente o local”, afirma.

“Na �poca, est�vamos em plena glacia��o, o n�vel do mar estava 135 metros mais baixo e o litoral estava 10 quil�metros mais longe”, explica o arque�logo Michel Olive, respons�vel pelo estudo da caverna no Servi�o Regional de Arqueologia (DRAC).

Do barco da miss�o cient�fica, ele aponta o dedo para uma ampla �rea atualmente coberta pelo Mar Mediterr�neo. “A entrada da gruta, ligeiramente elevada e exposta ao sul, dava para uma vasta plan�cie relvada protegida pelas fal�sias, local extremamente favor�vel ao homem pr�-hist�rico”, acrescenta.

Arqueólogo Luc Vanrell abre os braços e aponta os dedos, enquanto olha para a câmera
Arque�logo Luc Vanrell luta para preservar o valioso acervo pr�-hist�rico franc�s (foto: Christophe Simon/AFP)

"A densidade das representa��es gr�ficas coloca Cosquer no mesmo patamar das quatro maiores cavernas de arte paleol�tica do mundo, com Altamira, na Espanha, Lascaux e Chauvet, na Fran�a"

Luc Vanrell, arque�logo


BISONTES E URSO 

As paredes ornamentadas da gruta testemunham a variedade de animais presentes no local: cavalos, cabras montesas, veados, bisontes e ant�lopes saiga, al�m de focas, pinguins, peixes, um felino e um urso. No total s�o 229 figuras de 13 esp�cies.

Sessenta e nove pinturas de m�os vermelhas e pretas e tr�s marcas de m�os involunt�rias, incluindo as de crian�as, tamb�m foram catalogadas, al�m de v�rias centenas de sinais geom�tricos e oito representa��es sexuais masculinas e femininas.

Essa riqueza gr�fica se deve � excepcional dura��o da frequ�ncia da gruta por homens e mulheres da Pr�-hist�ria, entre -33.000 anos e -18.500 anos antes do presente momento, segundo as �ltimas data��es, explica Luc Vanrell.

“A densidade das representa��es gr�ficas coloca Cosquer no mesmo patamar das quatro maiores cavernas de arte paleol�tica do mundo, com Altamira, na Espanha, Lascaux e Chauvet, na Fran�a”, estima. “Como � prov�vel que as paredes subaqu�ticas de hoje tamb�m tenham sido originalmente decoradas, isso torna Cosquer local �nico na Europa por seu tamanho”, acrescenta.
 
Mergulhador Henri Cosquer posa num barco
O mergulhador Henri Cosquer descobriu a gruta em 1985, mas demorou anos para fazer o relato do acervo �s autoridades (foto: Eric Cabannis/AFP/1991)

 

Caverna foi descoberta por acaso


Henri Cosquer, mergulhador profissional e instrutor de escola de mergulho, diz que descobriu por acaso em 1985 a entrada submarina da caverna, a 15 metros da costa.

Depois, por etapas, aventurou-se ao longo do t�nel de 137m at� chegar � cavidade aberta pela �gua e pelo tempo na massa calc�ria.

“Certo dia, emergi na gruta, na escurid�o. Voc� est� encharcado, sai da lama, voc� escorrega. Tive que fazer v�rias incurs�es para percorrer todo o caminho. No come�o, n�o vi nada com minha lanterna, e ent�o encontrei a pintura de uma m�o. Foi a� que tudo come�ou”, conta.

Embora a lei exija que esse tipo de descoberta seja declarada sem demora para que possa ser preservada, Cosquer guardou o segredo por muito tempo. “A gruta n�o era de ningu�m. Quando voc� encontra um bom lugar para colher cogumelos, voc� conta para todo mundo?”, alegou.

Mas o boato do “Lascaux submarino” come�ou a circular, atraindo mergulhadores. Henri Cosquer, atualmente com 72 anos, oficializou sua descoberta perante as autoridades em 1991. A gruta, autenticada como s�tio arqueol�gico de grande import�ncia, foi batizada com seu nome. A entrada, fechada com port�o, est� reservada �s equipes cient�ficas.

Nos 30 anos seguintes, dezenas de miss�es arqueol�gicas foram realizadas para estudar e preservar o s�tio, bem como para inventariar sua riqueza gr�fica. Os recursos dispon�veis eram, no entanto, muito menores do que os da gruta de Chauvet, descoberta em Ard�che (Sudeste da Fran�a) no final de 1994, e de mais f�cil acesso.

Em 2011, Michel Olive e Luc Vanrell deram o alarme depois de terem verificado o brutal aumento do n�vel da �gua e a degrada��o irrevers�vel em alguns pain�is.

“Foi uma cat�strofe, um choque que nos derrubou psicologicamente”, diz Vanrell, que se lembra do enorme dano aos desenhos de cavalos.

“Todos os dados mostram que a eleva��o do n�vel da �gua est� cada vez mais r�pida"” confirma a ge�loga St�phanie Touron, especialista em grutas com pinturas do laborat�rio franc�s de pesquisa de monumentos hist�ricos.

A gruta Cosquer tamb�m sofre as consequ�ncias da contamina��o por micropl�sticos, que acelera a degrada��o das pinturas.

Diante dessas amea�as, o governo franc�s, propriet�rio do local classificado como monumento hist�rico em 1992, lan�ou um estudo para registrar esse patrim�nio o mais rapidamente poss�vel.

Barco com vela branca à frente de ilha no Mediterrâneo. Ao fundo vê-se o céu azul
Local no Mar Mediterr�neo onde fica a gruta Cosquer (foto: Christophe Simon/AFP)

Enigmas intrigam experts

Entre os enigmas que permanecem est� o da impress�o de um tecido em uma parede, o que poderia confirmar a hip�tese de que os ca�adores-coletores faziam roupas na �poca em que frequentavam a gruta. A representa��o de cavalos com crinas longas tamb�m levanta quest�es.

Luc Vanrell avan�a a hip�tese de primeira domestica��o ou pelo menos de aprisionamento do animal pelo homem, j� que no estado selvagem as crinas s�o mais curtas, quase niveladas, devido ao efeito da vegeta��o durante o galope.

“Solos arqueol�gicos preservados sob uma camada de calcita (mineral) tamb�m devem ser estudados”, explica Cyril Montoya, que fala da presen�a de “restos de carv�o” usados para pintar ou “zonas de aquecimento em estalagmites” transformadas em “lanternas para iluminar a gruta”.

A quest�o-chave do uso da gruta permanece sem resposta, admite Michel Olive. Embora os arque�logos concordem que nossos ancestrais distantes n�o moravam l�, alguns falam de santu�rio e outros de local de encontro, at� mesmo um local de extra��o de 'leite lunar', a subst�ncia branca das paredes usada para pintura corporal ou como aux�lio para pinturas e gravuras, explica.

Arqueólogo Michel Olive, num barco, olha ara a câmera. Ao fundo se vê o Mar Mediterrâneo
Em 2011, o arque�logo Michel Olive deu o alerta sobre a iminente destrui��o do s�tio franc�s (foto: Christophe Simon/AFP)

R�plica no cora��o de Marselha

A ideia de criar uma r�plica para o p�blico existe desde a descoberta da gruta. Mas foi preciso esperar at� 2016 para que a regi�o de Provence-Alpes-C�te d'Azur decidisse instal�-la em um edif�cio moderno sem uso no cora��o hist�rico de Marselha, a segunda maior cidade da Fran�a, ao lado do Museu das Civiliza��es Europeias e do Mediterr�neo.

Para a empresa Kl�bert Rossillon, respons�vel pela concep��o, constru��o e gest�o do projeto de 23 milh�es de euros (cerca de US$ 24,7 milh�es), dos quais 10 milh�es financiados pela regi�o, foi um grande desafio: colocar a r�plica da gruta em um espa�o menor e ao mesmo tempo ser o mais fiel poss�vel ao original.

Por fim, ap�s ligeira redu��o de escala, ser�o mostrados 1.750 m2 de caverna, 100% das paredes pintadas e 90% das paredes gravadas, diz Laurent Delbos, respons�vel pela obra.

Para seguir o original, a empresa disp�s dos dados de modelagem 3D da caverna coletados por arque�logos sob os ausp�cios do Minist�rio da Cultura. O trabalho manual se apoiou numa equipe de especialistas em r�plicas de cavernas decoradas com as quais j� foi constru�da uma recria��o da caverna de Chauvet em Ard�che.

“Os artistas pr�-hist�ricos escreveram uma partitura h� muito tempo, e sou um de seus int�rpretes”, resume o artista pl�stico Gilles Tosello, de 66 anos, que tem se dedicado a reproduzir desenhos pr�-hist�ricos com a maior fidelidade poss�vel, com os mesmos instrumentos e carv�o usados na �poca. 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)