Clarice Lispector em registro dos anos 1940; ela publicou "A hora da estrela", que se tornaria seu livro mais popular, em 1977, ano de sua morte (foto: Rocco/Divulga��o)
"Tudo no mundo come�ou com um sim. Uma mol�cula disse sim a outra mol�cula e nasceu a vida. Mas antes da pr�-hist�ria havia a pr�-hist�ria da pr�-hist�ria e havia o nunca e havia o sim. Sempre houve. N�o sei o qu�, mas sei que o universo jamais come�ou."
O in�cio de “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, � revelador do olhar desconcertante da autora para narrar a vida e a morte de Macab�a, uma mo�a nordestina de ingenuidade exasperadora e pungente.
O livro foi escolhido pela Confraria dos Bibli�filos do Brasil, institui��o brasiliense comandada por Jos� Salles, para celebrar o centen�rio de nascimento de Clarice Lispector (1920-1977), ocorrido em 2020, e tem ilustra��es da artista pl�stica Mariana Valente, neta da escritora, e posf�cio de Paulo Valente, filho da autora de “A hora da estrela”.
Em 2008, a confraria publicou uma colet�nea de contos de Clarice, com ilustra��es de Marcelo Grassmann, que abriu as portas para a edi��o de “A hora da estrela”. "Paulo Valente liberou os direitos da obra, o que � importante, pois agora Clarice se tornou uma escritora internacional, quem controla os direitos autorais � uma ag�ncia espanhola", explica Salles, presidente e editor da Confraria dos Bibli�filos.
A Confraria dos Bibli�filos do Brasil sempre publica cl�ssicos da literatura brasileira com ilustra��es de renomados artistas pl�sticos. Entre outros, a entidade lan�ou “Cr�nicas de Rubem Braga”, com ilustra��es de Mill�r Fernandes; “Contos de Clarice Lispector”, com ilustra��es de Marcelo Grassmann; “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimar�es Rosa, com ilustra��es de Poty; “A polaquinha”, de Dalton Trevisan, com ilustra��es de Darel Valen�a Lins (ilustrador da s�rie “A vida como ela �”, de Nelson Rodrigues, no jornal “�ltima hora”).
Centen�rio
Fundada em 1995, a Confraria publicou mais de 70 livros e � a editora de livros artesanais mais longeva no pa�s. S� para se ter um par�metro, a segunda � a rica Sociedade dos 100 Bibli�filos do Brasil, em atividade de 1943 a 1969, que editou 23 livros.
A edi��o de obras esmeradas na passagem do centen�rio de escritores � uma tradi��o no Brasil e em outros pa�ses; e a entidade brasiliense contou com a sorte, pois conseguiu alcan�ar os 100 anos de nascimento de Jorge Amado, Clarice Lispector e Jo�o Cabral de Melo Neto. "Isso funciona como um importante atrativo. � importante marcar o centen�rio com uma edi��o memor�vel", comenta Salles.
Mariana Valente � designer gr�fica e artista pl�stica. Realizou trabalhos para marcas como Google, Telecine e para as editoras Rocco, FTD e Belas Letras. "Para esse trabalho in�dito de ilustra��o que desenvolvi para ‘A hora da estrela’, quis representar quase que em formato de tatuagem (que s�o marcas simb�licas que escolhemos deixar no corpo) algumas das passagens e pulsa��es do livro e da personagem Macab�a, que atrav�s da sua simplicidade tamb�m machuca o corpo do leitor", comenta Mariana.
Mariana Valente ilustrou o texto de "A hora da estrela" para edi��o especial da Confraria dos Bibli�filos (foto: Fotos: Reprodu��o)
Clarice Lispector sofreu, durante muito tempo, a acusa��o de ser alienada do ponto de vista social, pois escreveu fic��es marcadas pela indaga��o existencial, as ilumina��es da realidade trivial e a busca da transcend�ncia. Em “A hora da estrela”, ela responde aos detratores com uma vingan�a delicada, engenhosa e bem-humorada.
Macab�a, a protagonista da narrativa, � uma nordestina de uma ingenuidade pungente: "Sei que h� mo�as que vendem o corpo, �nica posse real, em troca de um bom jantar em vez de um sandu�che de mortadela. Mas a pessoa de quem falarei mal tem corpo para vender, ningu�m a quer, ela � virgem e in�cua, n�o faz falta a ningu�m".
Mas Clarice desnuda a ilus�o ficcional e mostra que ela � cria��o do narrador, Rodrigo S.M.: "� que numa rua do Rio de Janeiro peguei no ar de relance o sentimento de perdi��o no rosto de uma mo�a nordestina". Rodrigo explica tamb�m: "Porque h� o direito ao grito. Ent�o eu grito. Grito puro e sem pedir esmolas".
Depois de uma cartomante fazer a predi��o de guinada de felicidade em sua vida, Macab�a morre atropelada. Essa � a hora da estrela: "Pois na hora da morte a pessoa se torna brilhante estrela de cinema, � o instante de gl�ria de cada um e � quando como no canto coral se ouvem agudos sibilantes".
Salles vislumbra na fic��o fragmentada de “A hora da estrela” uma narrativa cinematogr�fica: "Isso ficou claro na excelente adapta��o para o cinema de ‘A hora da estrela’ por Suzana Amaral, que imortalizou a interpreta��o de Marc�lia Cartaxo. Com as ilustra��es em forma de colagens, Mariana enfatizou ainda mais a conex�o com a linguagem do cinema. Parece o esquema de um roteiro para montar a cena", afirma.
“A HORA DA ESTRELA”
• Clarice Lispector
• Edi��o da Confraria dos Bibli�filos (74 p�gs.)