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Estado de Minas LITERATURA

Marcelo Rubens Paiva discute a culpa masculina no livro 'Do come�o ao fim'

Autor do best-seller ''Feliz ano velho" recorre novamente � autofic��o para abordar a hist�ria do personagem 'mocinho', que rev� o pr�prio machismo


30/08/2022 04:00 - atualizado 30/08/2022 01:22

Close do rosto do escritor Marcelo Rubens Paiva
''Como � bom ser mais velho! Sofremos muito dos 18 at� os 30'', diz o escritor Marcelo Rubens Paiva, que participa do projeto Sempre um Papo Itabira, nesta ter�a (30/8) (foto: Rui Mendes/divulga��o)

“Leitor � voyeur.” Essa m�xima � dita a certa altura pelo narrador de “Do come�o ao fim”, o novo romance de Marcelo Rubens Paiva, escritor que sabe desfrutar da curiosidade das pessoas pelos relacionamentos, DRs e transas alheios – mas tampouco tem pudor para falar de si, do pai morto pela ditadura, do Alzheimer da m�e ou de suas ang�stias �ntimas.

Afinal, foi com “Feliz ano velho”, de 40 anos atr�s, que Paiva, hoje com 63, exp�s o acidente que o deixou tetrapl�gico ao mesmo tempo em que batia uma chapa da juventude dos anos 1970 com drogas, rock e bom humor. Seu nome ficou marcado pelo “romance geracional”, ainda que de l� para c� muita �gua tenha rolado.

Vale avisar, por�m, que a primeira edi��o, de 1982, �poca em que o autor ainda era estudante da USP, � diferente da republicada agora – trocentas edi��es depois, somando 1,2 milh�o de exemplares vendidos. Sempre que o livro vai para o prelo, seu autor d� um jeito de ajustar um trecho aqui ou ali.

“N�o estou preocupado com a imagem que eu vou deixar (para o futuro), mas com o leitor de hoje mesmo”, afirma o autor, que j� alterou trechos de textos antigos para dar um tom mais politicamente correto e n�o ser tido como machista ou racista.

O “Feliz ano velho” de 2015 n�o cita mais o motivo pelo qual ele apelidou um enfermeiro de Ding Dong. “Era o nome do percussionista do meu conjunto, s� que era branco. Acho que foi uma forma carinhosa de chamar um crioulo de King Kong sem racismo”, explica ele num trecho ainda presente na edi��o de 2006.

Durante as revis�es ele at� matutou se deveria dar um novo nome para Neguinho – homem negro que trabalhava para ele, citado en passant no livro. “Esse apelido surgiu na (escola de samba) Vai-Vai”, justifica.

Culpa e autofic��o

O arrependimento tamb�m move o protagonista de “Do come�o ao fim”. Aqui, Paiva vai atr�s do macho t�xico que ele percebeu existir desde sempre, mas s� come�ou a ser reconhecido na m�dia e nos c�rculos sociais ap�s o debate � luz do MeToo.

Mas, em vez de buscar um arqu�tipo, ele preferiu se esbaldar na autofic��o para rever diversas rela��es suas � luz desses aprendizados. “Como � bom ser mais velho! Sofremos muito dos 18 at� os 30”, acredita o autor. “Depois disso que voc� sabe respeitar os limites do outro, como alguns problemas podem ser superados, ou at� quais n�o t�m jeito – a� voc� cai fora.”

Na trama, temos um narrador de meia-idade que reencontra L�via, a grande paix�o da juventude, d�cadas depois do t�rmino. Eles se amassavam loucamente quando jovens, mas tiveram alguns conflitos –em especial, na cama, j� que os dois eram virgens quando se conheceram.

“Eles acabam tendo de come�ar come�ando. Ningu�m ensinava nada, especialmente naquela gera��o (de 1980). N�o tinha internet, YouTube ou sex�logos”, diz.

Depois de ter pisado na bola, o narrador – identificado apenas como “mocinho” ao longo da narrativa – seguiu a vida. Escreveu livros, fez sucesso, estudou em Stanford, foi amigo do fil�sofo Ren� Girard, casou, separou, transou com alunas mais jovens, virou colunista de jornal etc.
 
No entanto, a culpa vem a cavalo – “ser� que ele n�o estava sendo t�xico com a L�via?”, pergunta o autor, ao mesmo tempo em que entende a imaturidade de seus personagens e, de certa forma, a sua tamb�m, pois muitos momentos refletem a sua trajet�ria.

“Esse movimento da autofic��o � fascinante. Voc� l� o livro e n�o sabe se aquilo aconteceu mesmo”, diz. H� quem diga at� que o termo surgiu nos anos 1970, mas explodiu recentemente por aqui com exemplos pol�micos como “Div�rcio”, de Ricardo L�sias, ou os romances de Marcelo Mirisola, que Paiva afirma adorar.
 
“At� lendo Machado de Assis eu penso: 'Esse velhinho, que foi casado por 40 anos com a mesma mulher, pensou em todas essas sacanagens?'”, brinca.

O livro, ali�s, n�o poupa cenas de sexo pulsantes – especialmente quando os personagens se reencontram, j� maduros. “A vida sexual come�a aos 40 anos”, protesta o autor. “Quem queria ter filho teve, j� fez sua carreira, j� divorciou e pronto. Agora t� livre para relaxar na cama”.

Ainda assim, Marcelo, que hoje namora uma mulher que encontrou no app de relacionamentos Bumble, teve de mentir a idade para 45 anos, com medo dos estere�tipos relacionados a ser idoso.

Fetiche e redes sociais

Mas se o leitor � voyeur, a autofic��o n�o � s� uma forma de usar a vida �ntima dos escritores como fetiche, agora que eles s�o vigiados nas redes sociais? “Pode ser que tenha, sim, um desejo da autofic��o junto � vontade de autoexposi��o”, reflete.

Mas Paiva tamb�m defende o ficcional como uma forma de falar de ang�stias da vida por outros caminhos, e cita “No retrovisor”, pe�a na qual canalizou seus anseios como uma pessoa com defici�ncia motora, mas na pele de um personagem cego.

Em “Do come�o ao fim”, ele aproveita ainda para pingar algumas provoca��es. Quando uma produtora decide adaptar cr�nicas do “mocinho” para uma s�rie, h� press�o interna para trazer fazer uma protagonista negra e bissexual. “Podia ser qualquer pessoa, sugeri, at� cadeirante”, provoca o narrador. “Ou an�.”

Ao mesmo tempo, o narrador crava que, hoje, “pagam-se d�vidas hist�ricas em pr�mios. Por vezes, � uma causa sendo premiada, n�o um livro”. “Acho isso �timo”, afirma Paiva. (Henrique Artuni)

Capa do livro Do começo ao fim tem titulo em letras laranha sobre fundo esverdeado
(foto: Reprodu��o)
“DO COME�O AO FIM”

• De Marcelo Rubens Paiva
• Alfaguara
• 192 p�ginas
• R$ 59,90

LAN�AMENTO NO SEMPRE UM PAPO

Marcelo Rubens Paiva lan�a “Do come�o ao fim” em Minas, por meio do projeto Sempre um Papo Itabira. Nesta ter�a (30/8), �s 19h, o escritor conversa com Afonso Borges, com transmiss�o pelo YouTube e Facebook do projeto. Acesso gratuito.



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