
Exibida no Brasil pelo canal de streaming Star+ desde 25 de agosto, quando os dois primeiros epis�dios entraram no ar sem nenhum alarde, "Mike: Al�m de Tyson", produ��o original do canal americano Hulu, desagradou ao seu protagonista antes mesmo da estreia.
"N�o estamos em 1822. Estamos em 2022. Eles roubaram a hist�ria da minha vida e n�o me pagaram por isso. Para os executivos da Hulu eu sou apenas mais um negro que eles podem vender num leil�o", escreveu o ex-campe�o do mundo.
A ver o que ele dir� quando sair a outra miniss�rie baseada em sua vida que est� sendo produzida, com Jamie Foxx no papel principal e Martin Scorsese na produ��o, ainda sem data de lan�amento.
Mas, no caso de "Mike: Al�m de Tyson", pelo menos um aspecto realmente provoca es- tranhamento. A miniss�rie tem como espinha dorsal um mon�logo que o ex-lutador apresentou de verdade na Broadway e em Las Vegas, em 2012, chamado "Undisputed truth", ou “verdade indiscut�vel”, que virou um especial da HBO no ano seguinte, produzido por Spike Lee.
Ou seja, esta � uma miniss�rie n�o autorizada feita a partir de um mon�logo autoral, em que o sujeito/objeto de an�lise fala diretamente com a plateia, e diz a verdade, toda a verdade, e nada mais que a verdade, em uma hora e meia.
Para transformar esse material em oito epis�dios de meia hora cada um, ou seja, em mais ou menos quatro horas de TV, � preciso de muito material de apoio. Se fosse um document�rio, seria f�cil entender. N�o sendo, fica mesmo no ar o que aconteceu realmente e o que foi inventado para conquistar o p�blico dos nossos tempos, mais disperso e mil vezes mais escolado que em qualquer outra �poca em cenas de viol�ncia, fama, dinheiro, mulheres, pris�o, golpes e todos os altos e baixos por que passou o lutador de boxe.
Mike Tyson
Ainda assim, para quem viveu – ou ouviu falar de – o final dos anos 1980 e 1990, pelo menos at� 1997, quando Mike Tyson arrancou com os dentes um peda�o da orelha de Evander Holyfield no terceiro round de uma revanche, � quase imposs�vel resistir a essa miniss�rie, que pretende esmiu�ar da inf�ncia pobre at� o auge, a decad�ncia, a volta por cima e a trag�dia pessoal, n�o necessariamente nessa ordem.
As lutas de Mike Tyson costumavam ser um tipo de espet�culo que juntava na frente da TV – e ao vivo, nos ringues em que se apresentava para quem pagava milhares de d�lares pelos ingressos, sempre disputados – gente de todas as idades, mesmo quem n�o dava a m�nima para o esporte. Eram confrontos imperd�veis, como um eclipse ou uma chuva de meteoros.
Ele era imbat�vel, feroz, veloz, temido, implac�vel. Era comum que se organizassem festas para assistir �queles shows animalescos, que �s vezes duravam poucos segundos. Mike Tyson nocauteava a maioria dos seus oponentes nos primeiros rounds. Ningu�m jamais havia visto um lutador como ele.
Por outro lado, bastava ouvir sua voz fina e observar seus gestos desengon�ados e estranhamente delicados para perceber que por tr�s – ou por dentro – daquela imensa camada de m�sculos havia uma pessoa fr�gil e escangalhada pela vida.
Precoce
Interpretado com empenho pelo ex-atleta de 22 anos Trevante Rhodes, de "Moonlight", vencedor do Oscar de melhor filme em 2017, Tyson foi precoce em tudo. Come�ou a roubar casas aos 8 anos no Brooklyn, bairro de Nova York onde nasceu e foi criado. At� completar 12 anos, foi preso 38 vezes.
Foi na pris�o que conheceu o boxe, aos 11 anos. Aos 15, j� era peso-pesado, categoria dos lutadores com mais de 100 quilos. Aos 20, virou campe�o mundial. Aos 25, milion�rio e famoso, foi acusado de estupro pela candidata a miss pelo estado de Rhode Island Desiree Washington, de 18 anos.
Condenado a seis anos de pris�o, cumpriu metade da pe- na. Foi libertado por bom comportamento em 1995. Conheceu e se converteu ao islamismo nesse per�odo, que lembra como um dos melhores de sua vida.
Seu nome poderia estar no dicion�rio como a defini��o de um anti-her�i. Um dem�nio em forma de homem, por quem � inexplicavelmente imposs�vel n�o torcer. (Tet� Ribeiro/Folhapress)