
Porto – Com uma sele��o de obras de forte cunho social e pol�tico, a artista visual mineira Rivane Neuenschwander acaba de inaugurar sua primeira exposi��o individual em Portugal, “Sementes selvagens”, no Museu de Arte Contempor�nea de Serralves, no Porto.

“Tudo o que a gente faz � pol�tico, desde a hora em que acordamos at� irmos dormir. Quem tem voz n�o pode ter medo”, afirma a artista pl�stica, que esteve em Portugal para o lan�amento da exposi��o.
A mostra foi estruturada em torno do filme mais recente de Rivane Neuenschwander, “Eu sou uma arara”, que estreou na exposi��o, exibido com destaque em um tel�o gigante logo na entrada.
A produ��o, feita em parceria com a cineasta brasileira Mariana Lacerda, prop�e a reflex�o cr�tica sobre v�rios temas atuais do Brasil, como o desmatamento da Amaz�nia e a viol�ncia contra povos ind�genas, al�m dos conflitos pol�ticos e sociais.
A narrativa do m�dia-metragem � permeada pelo visual marcante de pessoas caracterizadas com m�scaras e trajes coloridos, trazendo representa��es alusivas � flora e � fauna brasileiras, como jacar�s e aves.
Parangol�s e cosmogonia boror�
Os personagens aparecem representados em diversas situa��es e intera��es com a popula��o, da distribui��o de “mensagens revolucion�rias” no Centro de S�o Paulo � participa��o em manifesta��es pol�ticas na capital paulista, incluindo um ato contra o presidente Jair Bolsonaro.
A ideia de experi�ncia ef�mera, com participa��o social e pol�tica, se relaciona com momentos marcantes da arte do Brasil, como o movimento neoconcreto e as obras da s�rie “Parangol�”, de H�lio Oiticica.
O nome do filme faz refer�ncia � express�o usada pelo povo ind�gena boror�, do Mato Grosso do Sul, que tem forte liga��o com as araras.
“Os boror�s acreditam na ideia de transmigra��o, de que, quando morrem, a alma passa para uma arara. Eles at� dizem que, muitas vezes, a ess�ncia do boror� � ser arara”, afirma a curadora da mostra, In�s Grosso.
Dom, Bruno e Marielle
O filme apresenta ainda v�rios cartazes com reflex�es sobre a situa��o dos povos ind�genas, incluindo a viol�ncia perpetrada por garimpeiros. Os nomes do jornalista Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira, assassinados no Vale do Javari em junho, e da vereadora Marielle Franco, morta em mar�o de 2018, tamb�m est�o presentes.
Al�m dos elementos visuais, Rivane Neuenschwander chama a aten��o para a trilha sonora da produ��o, que tamb�m agrega facetas interpretativas ao filme.
“Era importante para n�s que houvesse muitas camadas sonoras que significassem outras coisas. Por exemplo, quando aparecem as bolhas de sab�o contra os pr�dios, o som que se escuta � de um ataque a tiros contra yanomamis”, detalha.
Inspirada no livro hom�nimo de Machado de Assis, a instala��o “O alienista” traz uma s�rie de esculturas, feitas com papel mach� e outros materiais, que reinterpretam personagens do cl�ssico liter�rio. As figuras, no entanto, ganham refer�ncias � vida pol�tica brasileira atual.
Lava-jato, Moro e bucha de limpeza
“� uma refer�ncia � Lava-jato”, afirma a artista, explicando que as roupas do boneco s�o c�pia das vestes do magistrado durante interrogat�rio do ex-presidente Lula.
A exposi��o tem ainda o conjunto de pinturas “Tr�pego tr�pico”, que apresenta uma sequ�ncia de figuras, entre o humano e o sobrenatural, envolvidas e entrela�adas sobre um fundo preto. As pe�as mesclam diferentes influ�ncias, desde as estampas er�tico-sat�ricas japonesas at� elementos da literatura de cordel.
“Os quadros t�m a alegria, t�m a sedu��o, t�m cores, mas t�m tamb�m uma carga de viol�ncia”, diz a artista.
A curadora In�s Grosso lembra a import�ncia da express�o cr�tica no trabalho da mineira, afirmando que Rivane Neuenschwander “tra�a um paralelo entre o Brasil contempor�neo e o colonial”, pondo em evid�ncia problemas persistentes, como o poder autorit�rio, o medo e a devasta��o ambiental.

Na avalia��o de Neuenschwander, a presen�a de obras que evocam a explora��o e o car�ter predat�rio da coloniza��o pode contribuir para a reflex�o do p�blico europeu sobre o tema.
“� uma reflex�o importante, um tema sens�vel, mas necess�rio – tanto para n�s, para sabermos de onde viemos, quanto para eles, para refletirem sobre o que ocorreu”, diz. “� importante desconstruir a ideia do brasileiro cordial, porque o que a gente tem lidado ultimamente � uma reprodu��o do que j� vivemos.”
Do Senhor do Bonfim para o mundo
Instalada em �rea do outro lado do complexo, na capela que agora pertence ao museu est� uma das obras mais conhecidas da artista, “Eu desejo o seu desejo”.

H� pedidos mundanos, como comida e cafun�, at� desejos imposs�veis, como um unic�rnio. Pelo caminho, h� espa�o tamb�m para considera��es filos�ficas e sociais.
A mostra “Sementes selvagens” permanecer� em cartaz no Porto at� 9 de abril de 2023.