
N�o � que “Desterro” n�o tenha o que dizer. Tem. O problema � que para chegar a ele o espectador ter� de, com alguma paci�ncia, remover a densa camada de est�tica que marca, do come�o ao fim, este filme de Maria Clara Escobar.
Nada contra esse tipo de enquadramento em si. Ele pode designar o mist�rio de um personagem, aquilo que dele n�o conhecemos e talvez n�o venhamos mesmo a conhecer.
Usado com muita frequ�ncia, tem o inconveniente de trocar a experi�ncia pela ideia. Pode significar um abandono do cinema, um desprezo a sua qualidade �nica, que � a de ser uma arte com liga��o direta �s pessoas e �s coisas que as envolvem.
No cinema de Escobar, ao contr�rio – neste filme, em todo caso –, parece haver um pouco de vergonha dessa arte t�o vulgar, que se relaciona em linha reta com o mundo. Dito isso, o filme tem preocupa��es n�o desinteressantes.
A central diz respeito � insatisfa��o difusa de Laura. Parece, no primeiro momento, ser em rela��o ao casamento cheio de sil�ncios e aus�ncias. Mas a maternidade n�o preenche esses vazios. Pai, m�e, irm�, menos ainda.
Ela precisa se mandar. Existe algo especificamente feminino no caso de Laura. Quem quiser menosprezar seu drama pode recorrer �s c�lebres linhas de Tristan Corbi�re: “Tinha um n�o sei qu� sem saber onde”.
Com efeito, mas existe o tr�gico a� dentro. E disso podemos nos dar conta cada vez que vemos o rosto de Laura. Ela parece n�o aguentar os limites de seu corpo. Larga tudo e parte numa viagem como se ao fazer isso pudesse deixar seu corpo.
O filme ganha, no final, a pontua��o de textos declamados, bem declamados, belos textos que de certa forma informam sobre a condi��o de Laura e, mais extensamente, da mulher.
No entanto, curiosamente, os momentos em que o filme mais parece chegar a certa plenitude s�o nos belos instantes em que a m�sica invade e domina a cena.
Ela pode, num primeiro momento, significar o desespero e a err�ncia de Israel, o marido de Laura, assim como, mais tarde, a dan�a entre Laura e o homem que conhece no �nibus introduz uma disposi��o do corpo a se manifestar acima de todo drama existencial da mulher.
Como se o corpo se antepusesse � dor que ela sente perpetuamente sem saber definir nem de onde ela vem, nem como pode solucionar esse sentimento.
Nesses momentos o filme parece se superar, se impor acima do desejo de ser art�stico e mostrar seus personagens, inquieta��es e dores, acima do “recherch�”, do excessivamente trabalhado de cada enquadramento, que com tanta frequ�ncia distanciam o espectador do problema de Laura, que talvez busque representar a inadequa��o do corpo feminino ao mundo em que vive – no caso dela, um mundo estritamente burgu�s. Talvez seja mesmo estritamente pessoal.
Como sua personagem, o filme de Maria Clara Escobar parece n�o raro estar em busca de um problema que existe, mas que ainda n�o sabe bem o que �.
“DESTERRO”
(Brasil/Argentina/Portugal, 2019). De Maria Clara Escobar. Com Carla Kinzo, B�rbara Colen, Grace Pass�, Juliana Carneiro da Cunha, Otto Jr. e Isab�l Zuaa. Na contram�o do mundo, Laura deixa sua casa e inicia jornada de autodescoberta, na qual se depara com situa��es imprevis�veis. Nesta quinta (29/9), na Sala 2 do Centro Cultural Unimed BH Minas (16h) e na Sala 3 do UNA Cine Belas Artes (18h10).