
A hist�ria dos grandes confrontos b�licos � tamb�m a hist�ria dos enganos monstruosos cometidos pelos grupos beligerantes. A Segunda Guerra Mundial acumula bons exemplos, como a tentativa de Benito Mussolini de invadir a Gr�cia, em 1940, ou as cerca de 70 vezes em que a Su��a foi bombardeada por engano – ela era e permanece neutra –, em incidentes provocados por erros de navega��o de pilotos que custaram a vida a 84 civis inocentes.
Pois a Netflix estreou h� pouco "O bombardeio", dirigido pelo cineasta dinamarqu�s Ole Bornedal, vers�o dramatizada de um dos maiores enganos cometidos pela RAF, a For�a A�rea brit�nica, j� nos estertores do conflito.
Em 21 de mar�o de 1945, sem querer, ela matou 19 adultos e 96 crian�as durante uma miss�o em que deveria se limitar a matar nazistas e colaboradores na sede da Gestapo, em Copenhague. Um dos pilotos brit�nicos espatifou-se sobre um liceu franc�s, dirigido e operado pelas religiosas da Congrega��o de S�o Jos�, em lugar de destruir instala��es da pol�cia pol�tica do Reich.
A institui��o era importante. Tinha ao todo 482 crian�as e nela lecionavam 34 freiras. Os ca�as da RAF tamb�m atingiram o alvo inicialmente planejado. Atirando as bombas um pouco mais para o lado, destru�ram o pr�dio da Gestapo, mataram 55 soldados alem�es que estavam em suas depend�ncias e mais 47 dinamarqueses que colaboravam com o Ex�rcito ocupante.
Por fim, tamb�m morreram 18 militantes da resist�ncia local. Eles eram prisioneiros do Terceiro Reich, em celas no �ltimo andar do pr�dio. O fato de eles ocuparem aquelas depend�ncias era amplamente conhecido e fazia com que funcionassem como escudos humanos: quem atingisse os nazistas atingiria tamb�m os presos da resist�ncia.
Conv�vio
O epis�dio tem um estatuto um tanto amb�guo na cultura da Dinamarca. O pa�s foi invadido pelos alem�es em 1940. As autoridades locais procuraram formas de conv�vio com os ocupantes – e acreditavam que assim protegeriam melhor a popula��o.
Fato � que as crian�as que sobreviveram � trag�dia foram obrigadas a viver o luto entre quatro paredes. N�o eram estimuladas a comentar o ocorrido em p�blico, e inexistiam solenidades que homenageassem a mem�ria das freiras e das crian�as mortas. Esse sil�ncio foi quebrado por uma das ex-alunas do Instituto Jeanne D'Arc (era esse o nome da escola). Elisabeth Lyneborg, que na �poca estava na pr�-escola, publicou como adulta o livro "Eu estava l�", que desfez o tabu.
Outra iniciativa em sentido semelhante foi tomada pelas autoridades dinamarquesas, com a constru��o de um monumento para homenagear uma freira que chegou a resgatar crian�as soterradas nos escombros, mas que ao final tamb�m morreu – ela tem o nome associado a um mutir�o para o salvamento de vidas.
O filme poderia apresentar uma fundamenta��o hist�rica da trag�dia provocada pelos avi�es militares brit�nicos. Em circunst�ncias semelhantes, em comiss�es de inqu�rito, oficiais graduados produziam sobre os incidentes documentos com argumentos de n�vel elevado.
Mas tudo indica que, mesmo empa�ocada entre demais informa��es do roteiro, a produ��o dinamarquesa do filme tenha descoberto o fio correto da trama que levou ao incidente. A esquadrilha da RAF que participou da miss�o decolou de solo ingl�s, voou a baixa altitude e se dividiu em tr�s grupos j� nas proximidades de Copenhague.
Ca�as
Cada um era composto por seis ca�as-bombardeiros monomotores DH Mosquito. Um dos avi�es do primeiro grupo chocou-se acidentalmente com uma torre de transmiss�o de energia, o que levou � queda nas imedia��es da escola cat�lica, produzindo muita fuma�a.
Os avi�es que vinham atr�s interpretaram a fuma�a como ind�cio da destrui��o do edif�cio da Gestapo, o alvo militar da miss�o. Voaram ent�o no mesmo sentido e esvaziaram os compartimentos em que transportavam os explosivos sobre o infeliz do col�gio de freiras.
"O bombardeio" n�o � um filme sobre o ataque por engano, por mais que o epis�dio esteja presente de corpo inteiro. � um filme sobre os dramas humanos que o roteirista teve a amabilidade de tecer, para que n�o tiv�ssemos diante dos olhos uma esp�cie de frio document�rio da �ltima guerra mundial.
As crian�as, mesmo se criadas pela imagina��o do cinema, s�o de um impec�vel desempenho dram�tico – aspecto que � sublinhado por uma dire��o de fotografia que tende a ignorar a cor e a adotar o branco e preto, com uma linguagem visual em que as sombras s�o t�o eloquentes quanto nos cl�ssicos do expressionismo alem�o do s�culo passado.
“O BOMBARDEIO”
.(Dinamarca, 2022, 99min). Dire��o: Ole Bornedal. Classifica��o 16 anos. Dispon�vel na Netflix