
“� a hist�ria dos pretos brasileiros”, afirma KL Jay sobre o document�rio “Racionais: Das ruas de S�o Paulo pro mundo”, dirigido por Juliana Vicente, que estreou em 16 de novembro j� no primeiro lugar do top 10 brasileiro da Netflix e se manteve no ranking dos longas nacionais mais assistidos da plataforma.
� um filme sobre “o esp�rito de luta” do negro desde os ancestrais vindos da �frica, diz KL Jay, em entrevista ao Estado de Minas e ao portal UAI.
“O Brasil sempre foi terra hostil, um territ�rio hostil para a gente”, enfatiza o DJ do Racionais, de 53 anos, que formou a banda em 1988 com Mano Brown, Ice Blue e Edi Rock. “� importante esta hist�ria", diz sobre o filme. "O mundo � constru�do de hist�rias”, observa.
Ver na tela a trajet�ria do Racionais traz a Kleber Sim�es a certeza de que a banda “fez a coisa certa” com seu rap, que sempre se bateu pela conscientiza��o do negro por meio da autoestima e da reivindica��o dos direitos expoliados desde a escravid�o.
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O longa de Juliana Vicente retrata toda a trajet�ria do grupo, dos anos 1980 ao s�culo 21. Traz imagens raras dos quatro m�sicos muito jovens, mostra a jornada repleta de desafios do quarteto, que surgiu na periferia paulistana e hoje � �cone do rap nacional. Tanto � que livro sobre a banda foi adotado em vestibular da Unicamp. Na pr�xima quarta-feira (30/11), o grupo participar� de aula aberta nesta universidade paulista.
A Unicamp, ali�s, oferece a disciplina "T�picos especiais em antropologia 4: Racionais MCs no pensamento social brasileiro", ministrada por Jacqueline Santos. A aula ser� transmitida �s 19h, no canal do Instituto de Filosofia e Ci�ncias Humanas (IFCH) no Facebook.
O document�rio da Netflix mostra que os integrantes do Racionais enfrentaram a pol�cia e o racismo, constru�ram sua hist�ria � margem da ent�o poderosa ind�stria fonogr�fica. Em quase quatro d�cadas de carreira, mantiveram o v�nculo com a favela. Seu rap � porta-voz das periferias de todo o Brasil.
O longa intercala entrevistas dos m�sicos, cenas da hist�ria do Brasil e imagens da viol�ncia contra os negros, tudo isso "costurado" por shows e can��es.
N�o � um filme oba-oba. Longe de egotrips, o quarteto revela os piores e melhores momentos de sua jornada. Tamb�m ganham destaque as mulheres por tr�s dos "ra�as": a empres�ria Eliane Dias, mulher de Brown, a produtora Meire de Jesus, as m�es de Brown, Blue, Edi Rock e KL Jay. O filme de Juliana Vicente � um documento sobre a gente da periferia do Brasil.

"Estamos todos os dias em guerra"
KL Jay, m�sico, sobre o negro no Brasil
Cr�nica do Brasil
“Das ruas de S�o Paulo pro mundo” � cr�nica do racismo estrutural, mas tamb�m da rea��o a ele. KL Jay garante: a mudan�a “j� aconteceu” no Brasil. “Os pretos come�am a saber do pr�prio valor”, diz, destacando que esta “transforma��o � gradativa”, mas n�o tem volta.
Prova disso s�o as mensagens que o DJ vem recebendo ap�s a estreia – �udios de gente emocionada, at� aos prantos, revelando o quanto a vida mudou por causa do Racionais. Mano Brown lembra, durante o filme, que se trata da luta de muitos, antes e depois do surgimento da banda. Foi importante Brown, inicialmente, e depois o grupo se juntarem ao movimento negro brasileiro.
Por�m, KL n�o se ilude: “Estamos todos os dias em guerra.” E isso n�o � met�fora de rap. A cada 10 pessoas mortas pela pol�cia no Brasil em 2021, pelo menos seis eram pretas, informou a Rede de Observat�rios da Seguran�a, neste M�s da Consci�ncia Negra.
Em uma cena, Mano Brown diz que o racismo brasileiro “esvaziou o preto, n�o deixou nem o �dio”, observando que, em caso de guerra, o �dio � �til. “Uma coisa � voc� ter revolta, outra coisa � n�o ter nada”, comenta.
Racionais faz a sua parte para ocupar esse vazio. Cada um dos quatro m�sicos � um universo "paralelo", que se somam ao final. Mesmo que Brown rejeite o disco “Sobrevivendo no inferno” – por ser pesado demais, com as piscinas de sangue, a cr�nica do massacre do Carandiru e o clima cruelmente opressivo nas periferias nos anos 1980 e 1990 –, Ice Blue afirma que este �lbum significou a “carta de alforria” para ele.
Com cl�ssicos da m�sica brasileira (“Di�rio de um detento”, “T� ouvindo algu�m me chamar”, “Cap�tulo 4, vers�culo 3”, “F�rmula m�gica da paz”), este disco independente levou a banda para o exterior, conquistou pr�mio na MTV, rompeu o monop�lio das majors fonogr�ficas que ditavam o que o brasileiro ouviria no r�dio. Um disco necess�rio, embora doloroso, resume KL.

O document�rio tamb�m chama a aten��o para um aspecto do Racionais nem sempre lembrado: a espiritualidade. Letras remetem � B�blia, falam de Jesus, de orix�s. “O filme mostra o lado muito potente da prote��o, da ora��o e do ax�”, afirma KL Jay.
Golpe e "rede de mentiras"
O longa chega no momento em que a vit�ria do petista Luiz In�cio Lula da Silva para a Presid�ncia � rejeitada por bolsonaristas, que v�o �s portas de quart�is exigir golpe militar. Nada disso surpreende o criador das batidas do Racionais.
“O Brasil mostrou a cara”, diz KL. Para o DJ, a “rede de mentiras” que d� suporte � mentalidade “racista e nazista” � criada para confundir o cidad�o pouco informado. “Mas isso n�o � s� coisa do Bozo”, afirma, referindo-se � fatia da popula��o que apoia a estrutura social que est� a� h� cinco s�culos.
Para KL Jay, Lula tem tudo para mudar o pa�s, desde que a economia funcione. “Ele n�o vai governar s� para os 50% que o elegeram, mas para todo mundo”, adverte. “Desejo um bom governo, mas ser� um puta desafio”, conclui.
“RACIONAIS: DAS RUAS DE S�O PAULO PRO MUNDO”
Document�rio dirigido por Juliana Vicente. Dispon�vel na Netflix.