(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas LITERATURA/CR�TICA

Em 'Araras vermelhas', Cida Pedrosa reconta a Guerrilha do Araguaia

Poema da autora pernambucana resgata epis�dio sangrento da hist�ria brasileira, em que militantes da esquerda foram exterminados pela ditadura militar


17/12/2022 04:00 - atualizado 16/12/2022 23:07

Poeta Cida Pedrosa olha para baixo
Em "Araras vermelhas", a pernambucana Cida Pedrosa usa a poesia para impedir o apagamento do epis�dio que marcou a esquerda brasileira (foto: Ana Siqueira/divulga��o )

“Araras vermelhas”, da pernambucana Cida Pedrosa, refaz poeticamente alguns epis�dios dram�ticos da Guerrilha do Araguaia. Na primeira obra lan�ada desde que venceu o Jabuti de livro do ano, em 2020, a autora celebra o idealismo radical dos jovens guerrilheiros do PCdoB, que t�o cedo ali deixaram a vida, e, na mesma medida, denuncia a hist�ria de horror desencadeada pela repress�o militar, at� hoje impune no Brasil.

Basta isso para atribuir relev�ncia ao livro de Pedrosa, que vai na dire��o contr�ria ao esfor�o de apagamento do que se passou na regi�o do Bico do Papagaio, na tr�plice divisa dos estados do Par�, Maranh�o e o atual Tocantins, quando o Centro de Intelig�ncia do Ex�rcito operou decididamente para aniquilar os guerrilheiros.

“Limpeza” 

N�o h� d�vidas sobre os crimes cometidos: v�rios guerrilheiros foram executados depois de presos e torturados, tendo as cabe�as arrancadas e exibidas publicamente para dissuas�o dos demais. Ao final, na chamada Opera��o Limpeza, os corpos foram desenterrados e carbonizados, a fim de impedir a sua identifica��o, raz�o program�tica pela qual ainda constam oficialmente como “desaparecidos”.

Do ponto de vista da composi��o po�tica, os procedimentos dominantes s�o bastante simples: a paronom�sia e a alitera��o, com ecos sonoros entre as frases, e a repeti��o tern�ria de palavras e locu��es, que buscam dar um registro emocional � narrativa sint�tica.

Sobretudo, Pedrosa lan�a m�o da constru��o “paralel�stica”, em que as frases de estruturas semelhantes se sucedem com pequenas altera��es a cada vez.

Al�m disso, o poema tem um tipo de abertura ecl�tica que permite a incorpora��o de materiais diversos, como uma letra de Chico Buarque, um poema de Gon�alves Dias ou uma can��o an�nima das “for�as guerrilheiras do Araguaia”.

Mais surpreendentes s�o as evoca��es de “Vapor barato”, de Waly Salom�o e Jards Macal�, cantada por Gal Costa no c�lebre show, bem como das cinzas de Janis Joplin dispersas em San Francisco. Ambas somam � resist�ncia da luta armada tamb�m a contracultura cosmopolita, que �quela altura era desqualificada como aliena��o e desbunde.

Pedrosa comp�e ainda versos de corte concreto – no qual a pr�pria forma do texto evidencia o seu conte�do –, que reafirmam o ecletismo da sua composi��o. Nada do que me referi at� agora, entretanto, me parece t�o bem-sucedido como quando a autora cria estrofes de molde popular e nordestino, como o pr�logo empolgante na forma de d�cimas em martelo agalopado e o ep�logo � maneira de uma septilha de cordel. � o caso ainda das estrofes dedicadas � lenda da metamorfose em borboleta da guerrilheira baiana Dinalva de Oliveira Teixeira, a Dina, as quais, compostas em oitavas com estribilho, para mim soaram na vibra��o do frevo.

Quanto � hist�ria da guerrilha propriamente dita, Pedrosa n�o traz novidade em rela��o �s pesquisas feitas por jornalistas e acad�micos, como Hugo Studart, Maur�cio Monteiro, Osvaldo Bertolino, Romualdo Pessoa Campos Filho, citadas por Pedrosa, e tamb�m por Leonencio Nossa, Ta�s Morais, Elmano Silva e tantos outros que valeria consultar e citar, o que inclui os depoimentos de militares envolvidos na a��o, como Pedro Corr�a Cabral e o famigerado Curi�.

H� tamb�m um erro crasso de informa��o ao localizar a “chacina da Lapa”, de 1996, no Rio de Janeiro, e n�o em S�o Paulo.

Contradi��es

Penso, enfim, que se poderia exigir do poema um pouco mais de problematiza��o, tanto em termos de reflex�o pol�tica sobre a luta armada como de caracteriza��o mais complexa dos militantes – por exemplo, incorporando medos, d�vidas e contradi��es de uma guerrilha que, a partir de certo momento, tornou-se desesperada, com epis�dios amb�guos de deser��es, dela��es e mesmo de um suposto caso de justi�amento.

S�o situa��es complexas que Pedrosa preferiu evitar em favor de uma caracteriza��o ing�nua dos guerrilheiros. � compreens�vel, dada a impunidade de que ainda gozam os respons�veis pelo massacre, mas � este justamente o desafio maior de um poeta �pico: o de saber lidar com as contradi��es dos seus her�is. (Alcir P�cora/Folhapress)

Capa do livro Araras vermelhas
(foto: Companhia das Letras/reprodu��o )
“ARARAS VERMELHAS”

. De Cida Pedrosa
. Companhia das Letras
. 144 p�gs.
. R$ 64,90




receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)