Um diretor, uma atriz, a pandemia, nenhum dinheiro e um filme premiado
Conhe�a a hist�ria do longa "As linhas da minha m�o", dirigido por Jo�o Dumans e estrelado por Viviane de C�ssia Ferreira, que venceu a Mostra de Tiradentes
A atriz Viviane de C�ssia Ferreira, autora do livro "Casa Breve: Uma atriz louca em tr�s atos", assina o roteiro do filme ao lado do diretor; projeto foi feito sem aporte de recursos
Emba�ba Filmes/Divulga��o
Vencedor da Mostra Aurora, a principal competitiva da Mostra de Cinema de Tiradentes, cuja 26ª edi��o foi encerrada na noite de s�bado (28/1), o filme “As linhas da minha m�o”, de Jo�o Dumans, foi realizado sem nenhum dinheiro. No final das contas, comenta o diretor belo-horizontino de 38 anos, o longa-metragem custou R$ 8 mil.
Sua produtora, a Kat�sia Filmes, recebeu da Lei Aldir Blanc uma verba para licenciamento – esta pequena parte foi utilizada no longa, rodado em Belo Horizonte em 2021, durante a pandemia, e finalizado no ano passado. Dumans comenta que, na �poca da produ��o, nem pensou em tentar algum financiamento p�blico, j� que o filme surgiu “de forma espont�nea”.
“Al�m disto, o estado (de Minas Gerais) havia paralisado na �poca os fundos de financiamento. E no �mbito federal havia o aparelhamento da Ancine (Ag�ncia Nacional do Cinema) e a paralisa��o dos �rg�os respons�veis. Ou seja, n�o tinha nem por onde eu tentar.”
A aus�ncia de financiamento tem pr�s e contras. “� muito ruim por um lado, pois voc� n�o consegue remunerar as pessoas com quem est� trabalhando. E acho que a gente tem que lutar pelo financiamento p�blico, que tem que ser acess�vel � popula��o brasileira. Acredito que as pessoas devem poder viver do cinema.”
Por outro lado, a aus�ncia desse tipo de v�nculo permitiu muita liberdade. “Fizemos o que quer�amos guiados pela intui��o e pelo desejo. Neste sentido, foi criado como um jogo entre n�s e o que est�vamos desenvolvendo juntos.” O “n�s” a que Dumans se refere � a atriz Viviane de C�ssia Ferreira, em torno da qual “As linhas da minha m�o” gravita. No filme, ela divide os cr�ditos do roteiro com Dumans.
Ap�s um per�odo de depress�o profunda, Viviane foi diagnosticada com transtorno afetivo bipolar. H� mais de uma d�cada passou a integrar o N�cleo de Cria��o e Pesquisa Sapos e Afogados, grupo formado por cidad�os em sofrimento mental. Em 2022, lan�ou pela editora Javali o livro “Casa Breve: Uma atriz louca em tr�s atos”, com tr�s textos dramat�rgicos.
Pandemia
Em 2019, Dumans prop�s a Viviane um papel em um filme de fic��o que ele estava desenvolvendo. Quando a pandemia teve in�cio, tal projeto foi interrompido, mas a dupla continuou se falando. “Percebi que o filme que eu queria fazer era com a Viviane atriz, mais do que sobre a personagem ficcional.”
Quando ela deu o ok para o projeto, os dois se aproximaram. Com as restri��es da crise sanit�ria, as filmagens foram basicamente com o diretor e a atriz. Eventualmente alguns dos interlocutores de Viviane participavam do processo.
O longa � o resultado desses encontros. S�o sete ao todo, transformados em sete atos. Cada um em uma loca��o – na rua, em um s�tio, na pr�pria casa da atriz. “E com um tratamento cinematogr�fico diferente”, conta Dumans. Cada ato teve sua pr�pria origem. “Algumas vezes eu propunha o que ela deveria fazer, mas eram di�logos livres, improvisados com pessoas que fazem parte do nosso ciclo de amizades.”
H� atos que s�o performances da atriz. “Uma delas eu registrei a Vivi com o Leandro Ac�cio, primo dela e um amigo de longa data, algu�m com quem ela sente muita seguran�a. Houve vezes em que ela sentia uma necessidade de desenvolver uma performance ligada � sua vida pessoal. Da� me convocava para filmar. Em fun��o da nossa proximidade, pedi que ela falasse sobre certos assuntos.”
O formato, segundo afirma Dumans, foi se configurando durante as filmagens. “A proposta era que, a cada vez que eu fosse filmar, seria algo diferente do que j� tinha feito. Tentei n�o achar um lugar seguro, experimentar com a linguagem.”
Sess�o em Tiradentes
Mesmo que o cinema seja uma atividade coletiva, “As linhas da minha m�o” � muito sobre a rela��o do realizador com sua personagem. “Acho que a gente nunca est� sozinho, e a Vivi foi uma parceira de pensamento. Sinto que o filme � muito nosso. Quando disse que queria fazer um filme sobre ela, a Vivi se colocou muito no projeto para desenvolver aspectos que a interessam enquanto atriz e performer diante da c�mera. Para mim, foi importante n�o s� conseguir fazer um filme durante a pandemia, como tamb�m discutir coisas relevantes sobre a pr�pria pandemia e a sa�de mental em tempos dif�ceis, tanto no �mbito social quanto no da cultura.”
A premia��o em Tiradentes foi um presente. “A sess�o foi muito especial, me surpreendeu pois � um filme dif�cil, e a acolhida foi muito forte. Recebi retornos generosos, e a Vivi tamb�m, pois a personalidade dela � muito marcante e cativante. Acho que as pessoas ficaram tocadas por isso. O pr�mio foi uma coisa a mais, pois, desde o in�cio, o que a gente queria era ter uma boa sess�o, uma boa estreia. E Tiradentes � um lugar especial, pois tem concentra��o e disponibilidade grandes do p�blico.”
O filme � a estreia solo de Dumans como diretor, cuja trajet�ria � marcada por parceria com Affonso Uchoa. “Ar�bia” (2017), escrito e dirigido pelos dois, fez carreira internacional e foi eleito melhor filme do Festival de Bras�lia – dispon�vel na plataforma Emba�ba Play, o longa estreia em 12 de fevereiro no Mubi. “O Affonso foi consultor deste filme e seguimos como parceiros, mesmo quando estamos fazendo filmes individualmente.”
A Mostra Aurora seleciona longas de realizadores que t�m at� tr�s filmes. Dumans trabalhou em outros t�tulos premiados na mostra: foi assistente de dire��o de “Os residentes” (2011), de Tiago Mata Machado; roteirista, montador e assistente de dire��o de “A vizinhan�a do tigre” (2014), de Affonso Uchoa.
A Kat�sia Filmes foi produtora associada de outros dois longas mineiros vencedores da Aurora: “Baronesa” (2017), de Juliana Antunes, e “Sess�o bruta” (2022), cria��o coletiva assinada por As Talavistas e Ela.Ltda.
A partir de Tiradentes, “As linhas da minha m�o” vai dar in�cio � sua trajet�ria em festivais. Os pr�mios em servi�os que vieram com o t�tulo de melhor longa da Mostra Aurora – para p�s-produ��o, loca��o de equipamentos etc – Dumans usar� em projetos futuros da produtora. Por ora, ele desenvolve o projeto de longa de fic��o “Terra gasta”, que j� conseguiu parte de seu financiamento no programa BH nas Telas.
Confira os vencedores da Mostra de Tiradentes
» Melhor longa da Mostra Aurora
“As linhas da minha m�o” (MG), de Jo�o Dumans.
» Melhor longa da Mostra Olhos Livres
“O canto das amapolas” (RJ), de Paula Gait�n.
» Melhor curta da Mostra Foco
“Remendo” (ES), de Roger Hill
» Pr�mio Canal Brasil de Curtas
“Remendo” (ES), de Roger Hill.
» Pr�mio Helena Ignez para destaque feminino
atriz Edna Maria, de “Cervejas no escuro” (PB)
» Melhor longa pelo J�ri Popular
“A filha do palha�o” (CE), de Pedro Di�genes
» Melhor curta pelo J�ri Popular
“Nossa m�e era atriz” (MG), de Andr� Novais Oliveira e Renato Novaes
» Pr�mio O2 Play
“O estranho” (SP), de Flora Dias e Juruna Mallon.
» Pr�mio DOT The End
“As muitas mortes de Ant�nio Parreiras” (RJ), de Lucas Parente
» Pr�mio Festival de M�laga
“Idade da pedra” (SP), de Renan Rovida.
CURTA MINEIRO � PREMIADO
Outra produ��o mineira saiu com pr�mio em Tiradentes. “Nossa m�e era atriz”, de Andr� Novais Oliveira, um dos fundadores da produtora Filmes de Pl�stico, foi eleito o melhor curta pelo j�ri popular. No filme documental, Andr� divide a dire��o com o irm�o, Renato Novaes, para homenagear Maria Jos�, ou dona Zez�, morta em 2018. Aposentada, aos 65 anos a m�e da dupla se tornou atriz e participou de v�rios filmes, como “Ela volta na quinta” (2014) e “No cora��o do mundo” (2019).
*Para comentar, fa�a seu login ou assine