Obra em cerâmica de Armando Ribeiro, produzida como barro do Vale do Jequitinhonha

Pe�as da s�rie "Guerreiros Boruns", com a qual o artista reverencia etnia que viveu na regi�o

Acervo pessoal
O solo poeirento e �rido, o sol forte e o calor incessante �s margens do Rio S�o Francisco forjaram a imagem que os mineiros t�m do Vale do Jequitinhonha, independentemente da cidade que se trata. A regi�o, contudo, tem mais a oferecer do que meras intemp�ries. 

No segmento art�stico, por exemplo, cancioneiros e artes�os se destacam por uma produ��o vigorosa, que oferece ao p�blico outra perspectiva da regi�o.

O multiartista Armando Ribeiro � um dos que fazem isso - e de maneira literal, diga-se. Tendo o barro como mat�ria-prima, transforma em pe�as de cer�mica cenas do cotidiano dos jequitinhonhenses e eventos hist�ricos que marcaram a regi�o.

Natural de Governador Valadares, Armando viveu a maior parte da vida no Vale, entre as cidades de Cara� e Padre Para�so. Foi l� que descobriu e se interessou pela cultura, pelos costumes e pela peculiaridade do local.

Leia tamb�mAos 90 anos, Ary Fontoura ainda se considera incompleto

“Foi ali que eu vivi minhas primeiras impress�es do mundo. Lembro de minha m�e estar sempre lendo e meu pai desenhando, enquanto eu ficava livre, brincando com as outras crian�as na ro�a”, conta.

A origem do artista se reflete em suas obras. Entre as de maior destaque, por exemplo, est� “S�o Jos� com o Menino Jesus brincante”, na qual Armando esculpiu as figuras religiosas com tra�os e caracter�sticas de moradores das cidades do Vale. 

Na pe�a, um homem de grandes propor��es est� sentado em cima da igreja que ele mesmo acabou de construir e, ao seu lado, est� um menininho brincando com um carrinho de brinquedo. As duas figuras, contudo, s�o maiores do que a igreja e ocupam todo o telhado do templo.

Armando Ribeiro produzindo cerâmica em seu atelier

Neste ano, Armando Ribeiro deixou o Vale e se mudou para Carmo de Minas, no Sul do estado

Acervo pessoal

Resist�ncia

 “Esse trabalho surge da ideia de que o povo e sua religiosidade, muitas vezes, � maior do que a igreja (enquanto institui��o). Por isso, S�o Jos� e o Menino Jesus est�o em cima dela e s�o feitos em propor��es muito maiores que o pr�prio templo”, explica o artista.

Em outra obra, uma s�rie de esculturas em barro intitulada "Guerreiros Boruns”, o artista presta uma homenagem aos ind�genas que viveram na regi�o do Jequitinhonha e resistiram � invas�o de seu territ�rio pelos colonizadores. 

As pe�as criadas na cer�mica por Armando Ribeiro na s�rie "Guerreiros Boruns” s�o representa��es de rostos ind�genas com os tradicionais botoques auriculares e labiais. Acima dos cocares h� animais (pequenas aves ou r�pteis). De acordo com o artista, esses bichos assumem a fun��o de elementos espirituais, representando a conex�o entre o C�u e a Terra, as for�as da natureza e a presen�a humana.

Obra em cerâmica retratando a religiosidade

A religiosidade � um dos temas retratados nas pe�as produzidas por Armando Ribeiro

Acervo pessoal

Frei Chico

 Muito desse interesse de Armando pelos povos origin�rios, pela regionalidade e pelo misticismo vem de sua forma��o como historiador e, sobretudo, pela influ�ncia que o frade franciscano Francisco van der Poel, mais conhecido como Frei Chico, exerceu sobre ele.  Grande parte da fonte de pesquisa de Armando, inclusive, foram os trabalhos do franciscano.

“O Frei Chico foi, na minha constru��o simb�lica, um her�i para mim”, afirma. “Ele fez com que as pessoas de fora do Vale olhassem para o que o povo de l� estava fazendo com mais admira��o”, emenda.

Nascido em Zoeterwoude, na Holanda, Frei Chico veio para o Brasil em 1967, logo que se ordenou padre. A primeira cidade em que morou foi Ara�ua�, tida ent�o como uma das mais pobres do Vale do Jequitinhonha.

Foram 10 anos vivendo na cidade. Nesse per�odo, em parceria com a artista Maria Lira Marques, Frei Chico passou a registrar rezas, benditos, batuques, t�cnicas de trabalho, rem�dios, “saben�as” e hist�rias do povo do Vale, fazendo dele, al�m de grande entendedor, um enorme divulgador da cultura local.

“O trabalho dele sempre me iluminou. Sempre estive onde ele ia falar e tenho muitas das obras dele, inclusive o ‘Dicion�rio (da religiosidade popular’), no qual ele narra todos os registros que fez com Lira Marques”, conta Armando.

Frei Chico morreu no �ltimo dia 14 de janeiro, aos 82 anos, em decorr�ncia de meningite.

Antropofagia

 O curioso, no entanto, � que precisou de um estrangeiro chancelar as produ��es do Vale do Jequitinhonha para que os demais brasileiros come�assem a valoriz�-las. 

“Isso tem muito a ver com a viol�ncia colonial, que ainda � muito forte simbolicamente”, ressalta Armando. “No entanto, acho que h� um aspecto antropof�gico nisso”, emenda.

De acordo com ele, foi preciso que “o colonizador fosse comido e se deixasse ser digerido pela cultura local”, assim como propunha Oswald de Andrade.

� esse processo que Armando Ribeiro tamb�m pretende assimilar. No dia em que concedeu a entrevista ao Estado de Minas, tinha acabado de se mudar para Carmo de Minas, no Sul do estado, local com costumes e cultura totalmente distintas das de Padre Para�so.

“� uma outra realidade, n�? Mas, quanto mais eu conseguir fazer uma s�ntese de todas as refer�ncias, acredito que melhor ser� o resultado dos meus trabalhos”, afirma.