Duas garotas japonesas, uma delas vestida como gueixa, estão na cozinha em cena da série Makanai

"Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko" mostra o aprendizado de garotas modernas para se tornarem gueixas

Netflix/divulga��o

"Makanai: Cozinhando para a Casa Maiko" entrou para a grade da Netflix no in�cio do ano como uma p�rola rara. Com nove epis�dios, a s�rie escrita e dirigida por Hirokazu Kore-eda destoa, ao menos � primeira vista, do estilo de constru��o dos mais populares seriados dispon�veis no streaming.

N�o h� exatamente suspense nem aquele gancho ao final de cada epis�dio que faz os espectadores n�o conseguirem desligar. O arco narrativo acompanha a passagem das esta��es, ao longo de um ano, de primavera a primavera. Pouco a pouco, por�m, as aprendizes de gueixa que protagonizam o seriado se revelam extremamente cativantes – e a vontade de conhecer seus destinos nos deixa com gostinho de quero mais.

Sumir� e Kiyo s�o amigas de inf�ncia. Aos 16 anos, elas deixam a fam�lia e a cidade natal, a fria Aomori, para estudarem na Casa Maiko, em Kyoto. Ali, aprendem os fundamentos do "mai", dan�a tradicional japonesa, pr�xima ao teatro n�.
 
Numa casa comandada por duas "mam�es", professoras austeras e ao mesmo tempo divertidas, as duas e outras adolescentes se tornam "irm�s" e descobrem os fundamentos n�o s� da arte das gueixas, mas tamb�m de viver longe dos pais e do universo feminino.

Gueixa se apresenta em um parque, em frente a um lado, em cena da série Makanai

Beleza das imagens chama a aten��o na s�rie dirigida pelo aclamado cineasta Kore-eda

Netflix/divulga��o

Gestos que falam

"Makanai" � uma de forma��o e aprendizagem. Talentosa e dedicada, Sumir� rapidamente � aceita como "maiko", ou narrativa aprendiz de gueixa. Kiyo, por sua vez, encontra na cozinha sua verdadeira voca��o. Ser� que essa diferen�a vai abalar a amizade delas? Como o ambiente competitivo interfere na rela��o entre as personagens?

Na escrita de Kore-eda, cineasta laureado com a Palma de Ouro do Festival de Cannes (“Shoplifters”, em 2018), intrigas e disputa t�m menos import�ncia do que a aten��o para os gestos – a maneira de posicionar os bra�os durante a performance; as estrat�gias para dormir com um penteado complicado, que deve durar por uma semana; o jeito de cortar os legumes em fatias delicadas; a procura pelos ingredientes ideais para um udon.

Esse olhar para as tradi��es tem algo de ex�tico, como se se tratasse de apresentar caracter�sticas t�picas de uma cultura para um p�blico estrangeiro. Por outro lado, h�, na Casa Maiko, n�o s� respeito � tradi��o, mas tamb�m a possibilidade de inventar novas tradi��es, misturando elementos com liberdade.

Nesse sentido, o oitavo epis�dio � primoroso. Nele, as garotas da Casa Maiko assistem ao filme "A noite dos mortos-vivos", lan�ado em 1968, dirigido por George Romero, e depois criam sua vers�o da narrativa de horror. Na sequ�ncia, se d�o conta de que tanto zumbis quanto os atores do teatro n� se locomovem deslizando os p�s no ch�o. Num e noutro casos, o que se encena � o limiar t�nue entre vida e morte.
 

Filosofia do "ichigo ichie"

Um importante aprendizado que a s�rie retrata �, na realidade, o da filosofia do "ichigo ichie", que pode ser traduzida por "uma vez, um encontro" e sintetiza o estado de presen�a e aten��o que as garotas da Casa Maiko v�o adquirindo. Para dar a ver tal aprendizado, Kore-eda incorpora momentos de relativo sil�ncio a sua narrativa. As personagens n�o s�o verborr�gicas, nem tudo � explicado pelos di�logos – algo muito bem-vindo quando sobra didatismo � maior parte dos seriados.

Al�m disso, os sil�ncios ajudam o cineasta japon�s a enfrentar com sutileza as ambival�ncias do universo das gueixas – e a inicia��o de adolescentes nele.

Em dado momento, o pai de Sumir� aparece na Casa Maiko, decidido a tirar a filha de l�. N�o quer ver a garota em contato com homens mais velhos, bebida, ass�dio. Surge ent�o a deixa para uma discuss�o sobre o lugar da tradi��o das gueixas no Jap�o contempor�neo – e para o papel da mulher nessa sociedade.
 
� poss�vel ser uma "maiko" e ter uma vida de fam�lia? As gueixas se casam? Como conciliar posicionamentos feministas com o respeito a tradi��es? S�o discuss�es que a s�rie s� insinua, com muita delicadeza e poucas palavras, sem de fato resolver esses pontos.

Vale a pena vencer a estranheza diante de um ritmo pouco comum no streaming – para se deliciar com a beleza das imagens de "Makanai".

“MAKANAI: COZINHANDO PARA A CASA MAIKO”

S�rie dispon�vel na Netflix, com nove epis�dios