Vanessa da Mata fala de amor e conflitos em "Vem doce"

Quando entrou na sala de reuni�o on-line para a entrevista ao Estado de Minas, Vanessa da Mata parecia um pouco cansada. N�o sem motivo. Ela est� rodando o pa�s com a turn� do disco “Quando deixamos nossos beijos na esquina” (2019), cantou em eventos recentes, como carnaval e r�veillon; lan�ou singles e clipes nesse mesmo per�odo; e marcou para um �nico dia dezenas de entrevistas a jornalistas do pa�s inteiro, no intuito de falar sobre seu �lbum mais recente, “Vem doce”, que comp�s e gravou paralelamente a todos esses compromissos.

“Vem doce”, que chega nesta quarta-feira (8/3) �s plataformas digitais, pode ser considerado uma colet�nea de 13 cr�nicas sobre aspectos da condi��o humana, musicadas e pertencentes a diferentes ritmos, como forr�, piseiro, R&B, pop e trap. O disco n�o estabelece um fio narrativo, mas apresenta uma s�rie de situa��es de conflitos que s�o comuns na vida moderna. 

Est�o l�, por exemplo, a expectativa de um relacionamento s�rio com a pessoa amada (presente na faixa-t�tulo), arrependimentos em rela��o a atitudes do passado (em “Eu repetiria”, composta por Vanessa em parceria com Ana Carolina) e incertezas no momento do flerte (“Fogo”). As experi�ncias com aquela amiga - ou amigo - dado a fofocas  (“Amiga fofoqueira”) ou com a vizinha chata (“Vizinha enjoada”) tamb�m s�o abordadas.. 

“Ela espreme, ela aumenta, ela exp�e sua coceira/ Divide em v�rios atos s� para te prender/ Ela enfeita uma hist�ria para ser exclusiva/ Stalkeia as redes todas, ela � impulsiva”, canta Vanessa, sobre a amiga interessada num mexerico.

J� em “Vizinha enjoada”, a cantora e compositora deixa evidente sua sensibilidade ao conseguir abordar de forma c�mica a situa��o paradoxal que vive com a pessoa da porta ao lado..

“Se eu chego ou nem estou, ela reclama do passo que dou/ Se � domingo ou feriado, eu n�o posso ouvir meu som/ A vizinha fica alerta e me culpa de tudo que lhe faltou."

No entanto, no final da can��o, revela uma preocupa��o que n�o condiz com sua revolta. “Se ela est� sumida, eu t� achando estranho. Quando ela est� calminha, eu penso no pior/ Se ela est� passando bem e se est� s�".

 

 

A proposta inicial n�o era gravar um disco, e sim quatro can��es, que seriam registradas em afina��o �urea - realizada em frequ�ncia um pouco mais baixa, no intuito de promover sensa��o de paz e repouso. Dada a dificuldade de atingir essa frequ�ncia, a cantora havia feito a escolha pragm�tica por um n�mero menor de m�sicas. 

Contudo, dentro do est�dio, Vanessa n�o resistiu � vontade de incrementar o trabalho com mais faixas. Gravou, ent�o, m�sicas que j� tinha composto em parceria com outros artistas e, n�o satisfeita, comp�s outras no est�dio. “Esse � meu estilo de fazer m�sica. Cheguei l� e j� estava com algumas ideias na cabe�a. A� foi s� colocar em pr�tica e gravar em seguida”, diz.

A produ��o foi t�o intensa que, em determinado momento, a artista j� tinha gravado 21 can��es. “A� o trabalho foi outro: agora tinha que cortar e selecionar as que entrariam no disco”, conta.

Decidiu, ent�o, manter as que falavam de rela��es amorosas, situa��es corriqueiras do cotidiano e cr�ticas sociais (presentes nas faixas “Foice”, “G�meos” e “Face avesso”), um aspecto at� ent�o n�o t�o explorado na carreira de Vanessa.

O que a impulsionou a abordar esses temas � a polariza��o no cen�rio pol�tico brasileiro. “Eu sempre tive essa veia cr�tica nas minhas composi��es, mas n�o dava muita oportunidade de elas entrarem nos discos. No primeiro disco, por exemplo, tem a faixa “Eu n�o tenho”, que fiz com Kanza Lokua, um nigeriano fant�stico, e que � bem cr�tica”, cita Vanessa.

“Hoje, no entanto, existe um coletivo de fel derramado no ar, tamanha perversidade e maldade que n�o dava para n�o falar”, emenda.

A letra de “Foice” diz: “Levante a cabe�a pros racistas/ nossa incompet�ncia pol�tica”. J� em “G�meos”, ela conta a hist�ria de dois irm�os criados por um pai sem amor. Recebiam s� pancada e cr�ticas sem respeito. Tal rela��o minou os dois. “Um usou o �dio, mas crescendo/ o outro usou o �dio se consumindo/ Dizia n�o tive escolha, s� crescer/ O outro dizia n�o tive sa�da, caiu.”

“Face avessa”, por sua vez, � um recado claro e direto aos falsos moralistas. Os versos “sua busca em Deus para aliviar a pervers�o/ a vingan�a de sua m�e nas mulheres/ sua falsa moral” d�o o tom da cr�tica.

 

 

L7nnon e Jo�o Gomes

“Vem doce” conta com duas parcerias inusitadas, uma com o rapper L7nnon, na faixa “Fique aqui”, e outra no dueto que faz com Jo�o Gomes, atual representante do piseiro, interpretando “Coment�rio a respeito de John”, de Belchior (1946-2017), �nica m�sica que n�o tem Vanessa como autora ou coautora.

"� uma m�sica muito forte e que abre para um momento brasileiro. � como se Belchior estivesse saindo de viagem. Para mim, tem muito esse momento de agora, com as novas esperan�as, com as pessoas escolhendo palavras mais tenras, mais nutritivas e delicadas”, afirma. 

Vanessa j� havia participado da grava��o ao vivo do �lbum “Acredite” (2022), do cantor pernambucano. Os dois se conheceram quando Jo�o postou um v�deo nas redes sociais cantando “Amado”. Com a repercuss�o, mandou uma mensagem para Vanessa, perguntando se ela n�o estava brava por ele ter “estragado” a m�sica.

A humildade do artista de 20 anos comoveu Vanessa. No momento em que leu o recado do cantor, enviou a ele seu n�mero de celular. Desse contato nasceu o primeiro convite, aceito prontamente por ela.

A escolha pela can��o de Belchior se mostrou acertada. Fora do piseiro, Jo�o Gomes conseguiu mostrar a pot�ncia de sua voz, que, conforme define Vanessa, tem a entona��o de um senhor da tradi��o nordestina cantando, transparecendo suas influ�ncias nos aboios.

O dueto caiu bem. Quem escuta a faixa pode pensar que, de fato, Vanessa aconselha Jo�o a respeito da carreira e da pr�pria vida - ela, ali�s, come�ou profissionalmente no ano em que Jo�o nasceu.

“Ele � um garoto que conta com uma cultura musical que pouqu�ssimos meninos bem educados t�m. Sabe tudo de Belchior, Luiz Gonzaga, Caetano, Gil. Enfim, tem uma intelig�ncia musical muito maior do que v�rios garotos da idade dele que estudaram nas melhores escolas, tiveram oportunidade de conhecerem esses artistas e optaram por n�o faz�-lo”, diz Vanessa.

“Coment�rio a respeito de John”, inclusive, ganhou clipe, lan�ado no m�s passado.

 

 

Com L7nnon, a parceria nasceu depois que ela o conheceu no show que fez com Jo�o Gomes para o �lbum que ele lan�ou em 2022. “� outro menino maravilhoso, sofisticado no que faz, nas brincadeiras de um cotidiano normal”, afirma.

A cantora destaca que o rapper conseguiu compreender bem o recado que ela pretendia passar com a can��o “Fique aqui” para interpretar um homem teimoso, que n�o concorda em abrir m�o facilmente de um grande amor.

“Vem doce” traz ainda as faixas "Me liga", composta em parceria com o brasiliense Dom Lucas; "Menina (Deus te d� ju�zo)"; e "Oi", em parceria com Marcelo Camelo.

O p�blico de Vanessa da Mata garantiu a ela disco de platina por “Quando deixamos nossos beijos na esquina”, em uma �poca na qual o streaming vem reconfigurando o mercado fonogr�fico em rela��o � venda de discos. Ela espera que, “Vem doce” repita a boa performance.

“N�o � uma musica pueril. Ele (disco) conta uma fase, um momento. E � uma necessidade de contar uma experi�ncia longa de um tempo que trouxe v�rias percep��es. Talvez eu tenha um p�blico que entenda isso, que queria viver isso”, diz.

• Vanessa da Mata

• 13 faixas

• Dispon�vel nas plataformas digitais