Atriz olha tela do computador e fala ao telefone em cena de Desaparecida

Em "Desaparecida", todas as intera��es entre personagens ocorrem no ambiente virtual

Sony Pictures/Divulga��o

J� faz anos que os computadores e celulares deixaram de ser meros acess�rios do cotidiano e se tornaram indispens�veis na comunica��o. Esta rela��o n�o passa batida pelo cinema, que est� buscando incorporar a linguagem est�tica das telinhas.

� o caso de "Desaparecida", em cartaz nos cinemas brasileiros. O filme � o exemplo mais recente de uma onda de produ��es que trabalham com narrativas inteiramente situadas - ou em sua maior parte - na tela de um computador. A ideia das obras � fazer da telona do cinema uma telinha de laptop ou smartphone, colocando a vis�o do p�blico e dos personagens em p� de igualdade.

A proposta j� est� bem estabelecida no mercado. Prova disso � que "Desaparecida", dirigido por Will Merrick e Nick Johnson, � uma sequ�ncia de "Buscando", um suspense independente de 2018 que fez sucesso entre a cr�tica.

Os filmes t�m protagonistas diferentes, mas partem do mesmo desafio de contar hist�rias sobre a procura de pessoas desaparecidas.

S� que, ao inv�s de persegui��es e investiga��es, o espectador assiste a intera��es que se d�o apenas no mundo digital. S�o conversas que ocorrem em chats e videochamadas, al�m de longas cenas onde um personagem manuseia pastas de um computador atr�s de respostas.

Tela de computador com diversos jovens que conversam via Skype

Em "Amizade desfeita", de 2015, jovens s�o atacados via Skype pelo esp�rito vingativo de uma antiga colega de classe

Netflix/Divulga��o

F�rmula

Respons�vel pelo filme, a produtora americana Bazelevs Company fez disso uma f�rmula. "Desaparecida" � o quinto projeto da casa no g�nero, e h� mais por vir. A empresa negociou outros seis longas-metragens durante a mais recente edi��o do Festival de Toronto.

 

 


As produ��es envolvem todo tipo de premissa, do cl�ssico "Romeu e Julieta" contado nas telinhas at� um terror dist�pico em que a Igreja Cat�lica aprende a ressuscitar os mortos e passa a fazer isso..

O est�dio ainda criou um nome para o formato, o "screenlife films", ou filmes sobre a vida nas telas. �, nas palavras de Timur Bekmambetov, o criador da produtora, uma tentativa de encontrar tens�o dram�tica no tempo que estamos gastando nas telas.

Se o g�nero j� parece consolidado, seu nome ainda compete com outras alternativas, como "desktop horror", ou terror de computador.

Os primeiros experimentos do cinema com essas narrativas se deram como deriva��es das hist�rias de "found footage", como "A bruxa de Blair", feito a partir de filmagens supostamente reais encontradas pelos cineastas.
 
 

O primeiro exemplar, inclusive, � "The Collingswood story", lan�ado em 2002, tr�s anos depois do sucesso de "A bruxa de Blair", numa �poca em que o computador pessoal dava os primeiros passos.

Para Rodrigo Carreiro, professor do curso de cinema e audiovisual da Universidade Federal de Pernambuco, foi importante para esses filmes que o p�blico se acostumasse com sua est�tica, que � repleta de imperfei��es.

"Isso aconteceu a partir das redes sociais, em especial o advento do YouTube em 2005, que levou as pessoas a naturalizar imagens pixeladas, mal iluminadas e tremidas", afirma o pesquisador, tamb�m autor do livro "O found footage de horror". "Isso antes n�o era aceit�vel ao espectador."

Rosto de garota assustada em tela de computador

Ainda in�dito no Brasil, 'We're all going to the world's fair' tematiza os perigosos desafios que seduzem jovens na internet

Utopia/Divulga��o

Vingan�a

Foi isso que pavimentou o sucesso de "Amizade desfeita", primeira obra da Bazelevs no formato "screenlife", lan�ado em 2015. Cl�ssica, a trama acompanha jovens que s�o atacados pelo esp�rito vingativo de uma antiga colega de classe. Mas a situa��o acontece em uma chamada de Skype, o que amplifica a ang�stia dos eventos.

Para Carreiro, o professor, este filme � que d� in�cio � onda contempor�nea do g�nero, sobretudo por chamar a aten��o do p�blico nos cinemas, onde fez US$ 62,9 milh�es ( R$ 326,65 milh�es). Mais importante, por�m, � que ele estimulou outros artistas, em um ciclo parecido com o de "A bruxa de Blair".

Professora e pesquisadora da PUC-SP, Pollyana Ferrari acredita que a atra��o do p�blico por essas narrativas s� aumentou com a pandemia.

"As pessoas come�aram a consumir muito v�deo, trocaram os celulares pensando em aspectos como a qualidade da c�mera e da conex�o", diz ela. "� natural que o cinema incorpore isso, pois � uma demanda reprimida."
 

Foi na pandemia que surgiu o brit�nico Rob Savage. Ele filmou e lan�ou no fim de 2020 "Cuidado com quem chama", baseado em uma pegadinha que armou com os amigos,  logo no in�cio da quarentena.

O m�dia-metragem, com uma hora, divide com "Amizade desfeita" a premissa da chamada de v�deo amaldi�oada, mas � uma sess�o medi�nica que sai do controle.

A produ��o deu certo e viabilizou um projeto mais arriscado, "Dashcam". Nele, acompanhamos uma jovem, apoiadora fervorosa do ex-presidente americano Donald Trump, que desrespeita a quarentena at� se ver perseguida por uma criatura aterrorizante.

O detalhe � que o filme � contado por uma transmiss�o ao vivo, feita pela personagem no Facebook.
 
 

A narrativa, assim, ganha vida dupla. Enquanto a persegui��o � cheia de adrenalina, os coment�rios ir�nicos e desesperados da live s�o como uma atra��o � parte.

Mas h� quem aplique essas narrativas para fins mais densos em rela��o ao exerc�cio de estilo. � o caso de "We’re all going to the world’s fair", de Jane Schoenbrun, ainda sem lan�amento previsto no Brasil.

O filme, que flerta com o horror, quer ser um drama de amadurecimento que envolve desafios com propostas de automutila��o que atraem os jovens e aterrorizam seus pais.

Na hist�ria, a protagonista, uma garota filha de pai vi�vo, cria rela��o de confian�a com um desconhecido enquanto se aventura por um dos jogos, o "World’s fair challenge". Suas discuss�es, aos poucos, revelam a solid�o de ambos.

Para refor�ar o efeito, a dire��o de Schoenbrun mistura filmagens convencionais com chamadas de v�deo, estas predominantes. O resultado rendeu elogios no Festival de Sundance e indica��es ao Gotham Awards, uma das principais premia��es do circuito independente americano. 

“DESAPARECIDA”

(EUA, 2023, 1h51’). Dire��o: Will Merrick e Nick Johnson. Com Storm Reid, Joaquim de Almeida e Amy Landecker. Classifica��o 14 anos. Em cartaz em salas dos complexos Cineart, Cinemark, Cinesercla e Cin�polis.