Luis Moreno Ocampo, vestido de preto, de pé, ao ar livre, observa a paisagem

Hoje com 70 anos e vivendo na Calif�rnia, Moreno Ocampo afirma que o filme, que concorre ao Oscar amanh�, est� revelando o passado argentino �s novas gera��es

Robyn Beck / AFP

'Venci a batalha pelo entendimento em 1985. Mas, agora, Santiago Mitre e Ricardo Dar�n est�o vencendo a batalha pela mem�ria. E isso � �nico'

Luis Moreno Ocampo, promotor


“O filme � sobre o risco de (perder) a democracia, n�o apenas para a Argentina de 1985. � o Brasil de 2023”, afirma Luis Moreno Ocampo sobre “Argentina, 1985”, que disputa o Oscar de melhor filme internacional neste domingo (12/3). Ocampo foi um dos promotores do julgamento dos comandantes militares da ditadura argentina, momento hist�rico retratado no longa. 

Dirigido por Santiago Mitre, o filme mostra como o promotor Julio Strassera (Ricardo Dar�n) e seu adjunto, Moreno Ocampo (Peter Lanzani), conduziram a acusa��o contra os nove dirigentes militares no poder entre 1976 e 1983, em um clima de grande tens�o ap�s uma ditadura brutal.

Em entrevista concedida na Calif�rnia, onde mora atualmente, Moreno Ocampo destacou a recep��o positiva do filme em pa�ses como Brasil e Espanha, que atravessaram ditaduras militares que n�o enfrentaram os tribunais.

“Na transi��o da ditadura para a democracia, n�o investigaram o passado”, afirma o advogado. O julgamento da Junta na Argentina "transformou a perspectiva do pa�s.Esse processo faltou no Brasil, onde temiam que os militares pudessem se envolver em um golpe num futuro pr�ximo."

Segundo Moreno Ocampo, “os militares n�o s�o o problema, porque eles cumprem ordens. S�o as elites, se suas elites apoiam um golpe de Estado, voc� tem um problema”.

“Isso � uma coisa que n�o entendem no Brasil, mas at� nos Estados Unidos n�o entendem”, acrescenta, referindo-se ao ataque de 6 janeiro de 2021 ao Capit�lio, nos �ltimos dias da presid�ncia de Donald Trump, ao qual o ataque de 8 janeiro passado �s sedes dos Tr�s Poderes em Bras�lia foi muito comparado.

Os atores Peter Lanzani e Ricardo Darín conversam em balcão de restaurante em cena de Argentina, 1985

No longa de Santiago Mitre, Peter Lanzani interpreta Moreno Ocampo, que tinha 32 anos na �poca, e Ricardo Dar�n vive o promotor Julio Strassera

Prime Video/Divulga��o

Batalha pela mem�ria

Hoje com 70 anos, Moreno Ocampo tinha apenas 32 e pouca experi�ncia quando trabalhou no caso, mas, para ele, era claro que precisava convencer n�o s� os ju�zes, mas tamb�m a opini�o p�blica da Argentina. Algo que “Argentina, 1985” tamb�m est� fazendo, aponta.

 

“� preciso ganhar o caso no tribunal, mas depois vem uma batalha pela mem�ria”, avalia. “Venci a batalha pelo entendimento em 1985. Mas, agora, Santiago Mitre e Ricardo Dar�n est�o vencendo a batalha pela mem�ria. E isso � �nico", acrescenta o ex-procurador-chefe do Tribunal Penal Internacional (2003-2012).


Vindo de uma fam�lia de tradi��o militar, Moreno Ocampo conta que sua pr�pria m�e estava contra ele, conforme � mostrado no filme. “Minha m�e frequentava a missa com o ditador Jorge Videla!”

Mas como revela uma das cenas mais dolorosas do longa, o angustiante depoimento de uma mulher obrigada a parir algemada dentro de uma viatura a fez mudar de opini�o.

“No dia seguinte, minha m�e me ligou. Disse: 'Continuo gostando do general Videla, mas voc� tem raz�o, ele tem que ser preso'”, lembra Moreno Ocampo.

Isso encheu de otimismo o ent�o promotor adjunto que, com Strassera e uma equipe de jovens inexperientes, construiu um processo que levou �s condena��es de seis dos militares, incluindo Videla, um feito para a Am�rica Latina, marcada naqueles anos por violentas ditaduras.
 
 

"Argentina, 1985" mostra como o regime militar estabeleceu campos de deten��o, tortura e exterm�nio, jogou pessoas vivas de avi�es ao mar e prendeu outras indefinidamente. Cerca de 30 mil argentinos desapareceram, segundo organiza��es de direitos humanos, e centenas de beb�s nascidos em cativeiro foram entregues a outras fam�lias.

"No meu pa�s, meu ex�rcito tratou os cidad�os argentinos como inimigos", diz Moreno Ocampo. "N�o se pode tratar cidad�os como inimigos."
 

Dois Oscars e alem�o no 'front'

A Argentina j� ganhou dois Oscars de melhor filme internacional, ambos por obras que abordaram os anos do terror militar: “A hist�ria oficial", de Luis Puenzo, em 1986, e "O segredo dos seus olhos", de Juan Jos� Campanella,  em 2010, este �ltimo tamb�m estrelado por Ricardo Dar�n.
 
F� de futebol, Moreno Ocampo espera que seu pa�s conquiste agora sua terceira estatueta em Hollywood, assim como fez ao se consagrar tricampe�o na Copa do Mundo no ano passado. O filme, no entanto, enfrenta a dura concorr�ncia da produ��o alem� “Nada de novo no front”, que teve um total de nove indica��es, incluindo melhor filme. 

Ele tamb�m confia em que o filme de Mitre, que dedica boa parte do tempo a mostrar o trabalho de jovens que ajudaram os promotores, vai fazer a hist�ria alcan�ar as novas gera��es."Meu filho de 23 anos n�o tinha ideia do que havia acontecido. E agora est� aprendendo", conta Moreno Ocampo, pai de quatro filhos.

"Este filme � tamb�m sobre o poder da juventude: como os jovens s�o aqueles que mudam o mundo e como � necess�rio continuar lutando pela justi�a. A justi�a � um trabalho sem fim", assegura.