O Skank � dono de trajet�ria �nica. Conseguiu ser, com not�vel efici�ncia, uma banda com tr�s lados: o do reggae jamaicano, o do rock brit�nico e, o mais inconfund�vel, da sonoridade e gaiatice brasileira. Apresentou Shabba Ranks a Frank Sinatra, traduziu Bob Dylan, ressuscitou Z� Trindade, reverenciou Milton, Gil e Jorge Ben, religou Beatles e L� Borges, escutou Wilco e Oasis, saltou o asfalto de Belo Horizonte e enxergou acima das montanhas. Foi do mundo, foi Minas Gerais.
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Samuel Rosa, Haroldo Ferretti, Lelo Zaneti e Hernique Portugal se despediram dos f�s em um MIneir�o contagiante

Fotos: Leandro Couri /EM/D.A Press

Carreira iniciada no fim do s�culo passado, o Skank conseguiu sobreviver �s profundas transforma��es que a ind�stria fonogr�fica experimentou nas �ltimas d�cadas. Gravou LPs, distribuiu fitas cassete, contribuiu para a era de ouro do CD, surfou na onda das superprodu��es dos videoclipes para a MTV, atravessou formatos e plataformas at� chegar ao streaming com, ao menos, um grande hit. Algo sequer parecido ocorreu com os contempor�neos dos anos 1990, nem mesmo com os que j� eram refer�ncia na mistura de sonoridades nacionais e estrangeiras, como os Paralamas. Tudo porque, desde o in�cio, a banda mineira estabeleceu um diferencial: a regularidade no desempenho em cima do palco. Alguns discos de est�dio, especialmente os lan�ados ap�s “Cosmotron” (2003), poderiam ser mais enxutos. Mas os shows sempre impressionaram pela coes�o, pela sintonia entre os m�sicos e deles com o p�blico. Como se estiv�ssemos na arquibancada acompanhando as atua��es de quem sabe exatamente o que vai fazer com a bola ap�s o in�cio da partida.
 
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Luzes, do p�blico e da produ��o, foram um dos destaques da noite na Pampulha


Mesmo com o esp�rito de festa nos shows, o Skank se permitiu ocasionalmente falar de coisas s�rias – desigualdade social, ocupa��o de terras, indigna��o seletiva. Mas fez isso com leveza e sem escurid�o. “Que culpa a gente tem de ser feliz?”, perguntavam aos que haviam testemunhado, nos anos 1980, a ascens�o do rock de protesto e de ang�stia �ntima. Por isso, dentro e fora do palco, o Skank despertou menos idolatria e mais empatia. Na consolida��o da primeira identidade, foi decisivo o papel do saxofonista e letrista Chico Amaral, com os arranjos de sopro e os versos sincopados e indefect�veis que apresentavam BH aos forasteiros e espelhavam os ritmos amalgamados em hits como “T�o seu”, “Garota nacional” e outras composi��es igualmente contagiantes como o forrobod� onomatopaico de “Pocon�”.

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Samuel se emocionou, mas tamb�m segurou a onda na saideira da "Turn� de despedida"

Vieram, ent�o, as parcerias com outros letristas (a exemplo de Nando Reis) e o predom�nio da sonoridade ac�stica, como em “Resposta”, “Sutilmente”, “Esquecimento” e no recente hit “Algo parecido”, que fizeram do Skank uma banda mais pr�xima do cora��o do que dos quadris. E, ainda assim, disposta a eventuais ousadias como a aproxima��o atemporal com o Clube da Esquina por meio das sensoriais “Dois rios”, “As noites” e outras faixas do impec�vel “Cosmotron”, um �lbum de conceito e sonoridade bem definidos, como se fazia no finado s�culo 20.
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Fernanda e Clara Bonaparte, duas gera��es, curtindo o som do Skank

O assumido esgotamento torna ainda maior o redesenho da carreira dos m�sicos. At� pelo fato de, como ocorria com os Ramones, os cinco – o empres�rio Fernando Furtado, como os outros quatro ressaltam, tamb�m deve ser considerado um integrante – terem sido incorporados ao imagin�rio coletivo com a troca do sobrenome pelo nome do grupo. Samuel Skank, Henrique Skank, Lelo Skank, Haroldo Skank, Fernando Skank. Fundadores da banda dos bailes de diferentes gera��es, do suor na gafieira, de riffs e grooves, de teclas e metais, de festa na madrugada at� depois da saideira. Os skanks v�o deixar, agora, a identidade coletiva e seguir individualmente. Percorrer�o lugares que ningu�m pisou ou habitar�o “o antigo do que vai adiante”? O decorrer do tempo vai trazer a resposta.
Por enquanto, fica a certeza de que a banda cumpriu a miss�o por eles tra�ada: fornecer combust�vel para azeitar uma m�quina capaz de balan�ar o corpo, provocar sorrisos e produzir lembran�as. Uma can��o � pra isso, eles nos convenceram. Mas foram al�m do ef�mero. Mesmo que o mundo do Skank acabe mesmo em 26 de mar�o de 2023, as m�sicas continuar�o dentro de n�s. Clareando a escurid�o, deixando a vida mais quente, acendendo o sol no cora��o das pessoas. Como fizeram na noite de ontem no Mineir�o. Cantando o que nos encantou.