Músico Marco Antônio Araújo, com cabelos longos e usando colete, está de lado e segura o violão

Tr�s entrevistas de Marco Ant�nio Ara�jo a Malluh Praxedes ressaltam a import�ncia desse compositor e instrumentista morto em 1986, aos 36 anos

Arquivo EM/Divulga��o/SD

Dois recentes lan�amentos liter�rios colocam a m�sica, seus compositores e int�rpretes em pauta. Em “40 anos de entrevista musical”, a jornalista, produtora e escritora mineira Malluh Praxedes viaja no tempo at� a d�cada de 1980, quando atuava como colaboradora do Estado de Minas. O t�tulo explica a obra: s�o conversas com artistas e grupos publicadas por este jornal naquela �poca.

Com “Francis Hime: ensaio e entrevista”, o jornalista e escritor paulistano Andr� Sim�es pretende deixar clara a real dimens�o da obra do coautor de “Vai passar” e “Meu caro amigo”, entre outros cl�ssicos da MPB.

Sele��o

Alceu Valen�a, 14 Bis, Celso Adolfo, Djavan, Marco Ant�nio Ara�jo, Tavinho Moura, Blitz e T�lio Mour�o est�o entre os entrevistados de Malluh.  Ela explica que a sele��o foi orientada pela atemporalidade dos conte�dos.
“Muitas entrevistas que fiz nos anos 1980 eram datadas, tratavam de assuntos espec�ficos que, passado um tempo, j� n�o tinham tanta import�ncia, soariam muito fora de contexto hoje”, aponta.

Naquela �poca, lembra a autora, jornais e ve�culos impressos costumavam abrir espa�os generosos, p�ginas inteiras, para entrevistas com artistas no formato pingue-pongue. “Para meu livro, peguei entrevistas permeadas pela empatia, com os artistas mais humanos, que falavam entregando o cora��o, a alma. Elas sempre foram as minhas preferidas”, destaca.

O denominador comum � precisamente a abertura dos artistas para quest�es que transcendem um tema pontual – seja lan�amento de disco ou show. Malluh conta que teve liberdade para ouvir pessoas que admirava. Com o tempo, nomes que figuram em “40 anos de entrevista musical” acabaram por fazer parte de seu c�rculo de amizades.
“Eu era movida pelo gosto, e isso tornava as conversas mais �ntimas. Quando apareceu ‘Viva Zap�tria’, por exemplo, com letra de Murilo Antunes, fiquei apaixonada pela can��o e quis entrevist�-lo. Hoje, considero uma das melhores (entrevistas) que j� fiz. Ele me contou que seu primeiro contato com as palavras foi por meio das teclas da m�quina de datilografar. Me identifiquei imediatamente, porque sempre gostei de escrever”, lembra.

Timidez

Ela destaca a entrevista com o compositor Fausto Nilo, de quem foi ao encontro no Rio de Janeiro. “Hoje � um letrista muito renomado, mas, na �poca, ele ainda estava despontando, firmando parceria com Moraes Moreira. Era um cara t�mido, mas a conversa foi excelente e repercutiu muito depois de publicada”, diz.

Marco Ant�nio Ara�jo (1946-1986) � figura importante para o curr�culo de Malluh – n�o por acaso, o �nico a merecer a publica��o de tr�s entrevistas, feitas em 1981, 1982 e 1985. A jornalista diz que o compositor, violonista, guitarrista e violoncelista foi uma das pessoas mais inteligentes e centradas na profiss�o que j� conheceu.

“Ele me dizia que quando morresse – ningu�m imaginava que fosse morrer t�o jovem –, eu seria a �nica pessoa autorizada a escrever sobre ele. Incluir tr�s entrevistas com Marco Ant�nio Ara�jo no livro � uma forma de homenage�-lo. Ele me ligava e pedia que o entrevistasse com frequ�ncia, argumentando que estava fazendo uma coisa diferente, que o assunto era outro”, conta.

Malluh cita tamb�m sua conversa com o cantor e compositor baiano Elomar, conhecido por ser uma figura arredia, que sempre evitou se expor. “Ele se recusou a falar com a Globo, que chegou no hotel sem ter marcado previamente, mas topou dar entrevista para aquela menina do Estado de Minas.. Demorou para ser publicada, porque o editor � �poca, Geraldo Magalh�es, queria que ela fosse capa. Eu tenho o maior orgulho disso”, relata.

O livro “40 anos de entrevista musical” tem pref�cio assinado por Paulo Rezende, da editora Vitrine Liter�ria, que chancela o lan�amento, e pelo jornalista e escritor Hiram Firmino – colega de Malluh no jornal naquele per�odo.

Um ap�ndice re�ne depoimentos atuais de alguns dos entrevistados na d�cada de 1980. A autora convidou Fausto Nilo, Murilo Antunes, T�lio Mour�o e David Tygel, ex-integrante do Boca Livre, para falarem sobre o que mudou ao longo dos �ltimos 40 anos.

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“Para esses m�sicos e compositores, algumas quest�es continuam as mesmas. O artista precisa ser ouvido, ent�o precisa de m�dia para ser conhecido, chegar ao grande p�blico e conseguir vender shows, por exemplo. Fora isso, eles tratam de quest�es pessoais. Fausto se ressente muito de ter perdido dois grandes parceiros, Dominguinhos e Moraes Moreira. David Tygel ficou muito triste com a dissolu��o do Boca Livre”, revela.

O ponto positivo � o fato de os quatro se dizerem mais seguros, o que lhes permitiu al�ar novos voos. “T�lio Mour�o foi fazer trilhas para a televis�o e gravou com um monte de gente. O David aprimorou seu trabalho como professor e ampliou seu raio de a��o como autor de trilhas para cinema”, conta.

Compositor Francis Hime está sentado em poltrona, com a mão no queixo, e olhando para o lado

Apesar de conhecido apenas como "bra�o direito" de Chico Buarque, o compositor Francis Hime, de 83 anos, tem obra monumental, aponta o livro de Andr� Sim�es

Leo Aversa/divulga��o

Mergulho

O livro “Francis Hime: ensaio e entrevista” resulta de um verdadeiro mergulho na vida e na obra do compositor carioca, de 83 anos. O trabalho come�ou em 2015 e s� foi finalizado no in�cio deste ano. Andr� Sim�es considera que o livro chega ao mercado oportunamente, porque coincide com as cinco d�cadas de lan�amento do �lbum de estreia de Hime.

“No per�odo em que fiquei dedicado a essa pesquisa, muita �gua passou embaixo da ponte. Casei, tive um filho, tive outro filho, escrevi um livro de contos, ingressei no doutorado, conclu� o doutorado, veio a pandemia. Foi o projeto de mais longo prazo a que me dediquei, mas espero que o esfor�o tenha valido a pena, que as pessoas que n�o conhecem a produ��o de Francis ou s� a conhecem superficialmente possam adentrar na obra monumental desse artista”, diz.

Quando fala em “monumental”, ele chama a aten��o para o fato de que a m�sica de Francis Hime se expande em v�rios sentidos – uma verdadeira edifica��o erigida em parceria com Vinicius de Moraes, Ruy Guerra, Paulo C�sar Pinheiro, Olivia Hime, Cacaso e Geraldo Carneiro, al�m de cria��es ocasionais com quase todos os grandes letristas do pa�s.

“Tendo a achar – e isso incomoda mais a mim do que ao pr�prio Francis – que a figura dele ainda � muito identificada como ‘bra�o direito’ do Chico Buarque, o que considero desvaloriza��o tremenda deste grande artista. A carreira de Francis envolve um arco muito grande de habilidades relacionadas � m�sica e � can��o”, pontua.
Sucessos populares do carioca, com efeito, est�o concentrados na hist�rica dobradinha com Chico (“Atr�s da porta”, “Passaredo”, “Meu caro amigo”, “Trocando em mi�dos”, “Vai passar”, entre outros), mas o pesquisador ressalta que o compositor coleciona mais de 70 parceiros.

A abrang�ncia do trabalho de Francis passa tamb�m pelo n�mero de fun��es que exerce: � cantor, compositor, instrumentista, arranjador, regente, produtor e letrista bissexto. Transita tanto pela can��o popular quanto pela m�sica erudita, observa Sim�es. “O universo de Francis Hime vai muito al�m de sua faceta mais popularmente conhecida”, destaca.

O autor salienta que “Francis Hime: ensaio e entrevista” veio cobrir uma lacuna. “Dos m�sicos da gera��o dele e da import�ncia dele, era o �nico que ainda n�o tinha merecido um volume biogr�fico, um trabalho dedicado � obra que construiu”, diz.

Andr� Sim�es conta que apenas quando o projeto de seu livro foi aprovado pela Editora 34 ficou sabendo que o pr�prio Hime preparava suas mem�rias.



“O livro dele foi lan�ado um pouco antes do meu, mas n�o s�o produ��es excludentes. O que escrevi repassa cronologicamente a carreira, ao passo que o dele � de mem�rias”, explica. Diz que a entrevista que ocupa um dos tomos do livro �, na verdade, comp�ndio de diversas entrevistas que realizou com o artista a partir de 2016.

“Foram v�rios encontros. Como Francis n�o para de produzir, o livro foi sendo atualizado, remodelado, com entrevistas sendo feitas ao longo dos anos e com o acr�scimo do meu ensaio”, aponta o autor, que conheceu a obra de Hime ainda na inf�ncia, por meio das parcerias dele com Chico Buarque.

Resgate

Para escrever o ensaio que ocupa o outro tomo do livro, Sim�es fez investiga��o minuciosa sobre toda a produ��o do artista. “Me dediquei sistematicamente a ouvir tudo o que ele pudesse ter produzido, todos os discos, as obras para concerto – muitas nem sequer foram gravadas –, fonogramas dispersos na discografia de outros artistas, m�sicas das quais nem o pr�prio Francis se lembrava”, relata.

Sim�es chama a aten��o para o fato de que, quando se lan�ou como int�rprete, em 1973, Hime j� contabilizava 10 anos como compositor, com m�sicas gravadas por grandes nomes da MPB. “E tem as trilhas para teatro e cinema, al�m de projetos especiais. � uma carreira muito ampla e muito importante. Trata-se de uma obra com escopo realmente vasto. Toda essa pesquisa embasou o ensaio que escrevi”, finaliza.

“40 ANOS DE ENTREVISTA MUSICAL”

• De Malluh Praxedes
• Vitrine Liter�ria
• 272 p�ginas
• R$ 70

“FRANCIS HIME: ENSAIO E ENTREVISTA”

• De Andr� Sim�es
• Editora 34
• 384 p�ginas
• R$ 84