Atriz Alyssa Sutherland com olhos esbugalhados e aparência demoníaca no filme A morte do demônio

Ellie (Alyssa Sutherland) � a possu�da da vez, cujo coment�rio cai como uma luva para campanhas antiaborto da extrema direita

New Line Cinema/reprodu��o

Jatos de sangue, desmembramentos e motosserra s�o alguns dos elementos obrigat�rios do universo de “Evil dead” – aqui traduzido como “Uma noite alucinante” –, inaugurado em 1981 pelo diretor Sam Raimi. O novo “A morte do dem�nio: A ascens�o” tem todos esses elementos, mas falta a irrever�ncia t�pica do cineasta, que s� assina a produ��o executiva junto do ator Bruce Campbell.

Muito antes de dirigir a primeira trilogia de “Homem-Aranha” e de cair no al�ap�o da Marvel com “Doutor Estranho no multiverso da loucura”, Raimi era apenas um jovem cin�filo que fazia filmes com os amigos e, apesar dos or�amentos baix�ssimos, acabou criando uma combina��o �mpar de com�dia pastel�o e terror sangrento.
 
 

Cannes e Stephen King

Com efeitos pr�ticos e sequ�ncias em stop-motion, o primeiro “Uma noite alucinante” foi exibido no Festival de Cannes de 1982 e, gra�as � cr�tica elogiosa de Stephen King, teve os direitos de distribui��o vendidos para a New Line Cinema. Com uma produ��o de apenas US$ 375 mil, faturou milh�es pelo mundo e ganhou duas sequ�ncias dirigidas por Raimi.

Nos cinemas, “A ascens�o”, escrito e dirigido pelo irland�s Lee Cronin, n�o � a primeira tentativa de revitalizar a franquia. Em 2013, a vers�o do diretor uruguaio Fede �lvarez, tamb�m escalado para fazer um novo “Alien”, j� era bem mais sisuda e pesada. O pretexto, ent�o, para o grupo de amigos se isolar na cabana no meio do mato era ajudar uma das personagens a superar o v�cio em drogas, numa abstin�ncia for�ada.

Desta vez, h�, sim, uma breve abertura com jovens numa cabana – quem diria que o dem�nio seria f� de Emily Bront�? –, mas toda a a��o se passa, pela primeira vez, num pr�dio bem no meio da cidade. Interpretada por Lily Sullivan, Beth descobre uma gravidez indesejada e vai visitar a irm� Ellie, papel de Alyssa Sutherland, em busca de ajuda.

Ellie vive com os tr�s filhos, os adolescentes Danny e Bridget e a pequena Kassie, num pr�dio que ser� demolido. Na noite em que Beth chega, um terremoto abre um buraco na garagem que leva at� o cofre subterr�neo de um antigo banco.

Danny encontra o “Livro dos mortos” coberto de crucifixos e medalhas de santos, e um velho disco de vinil que invoca o tinhoso – qual um LP da Xuxa tocado ao contr�rio.
 

O deslocamento para o cen�rio urbano, num pr�dio com o elevador quebrado e a escadaria destru�da pelos tremores, � boa novidade para aqueles que, quando assistem a um filme de terror, n�o conseguem se identificar com as v�timas, pois jamais passariam a noite num lugar desolado. � mais assustador imaginar que o mal est� presente em qualquer parte – e mais claustrof�bico limit�-lo a um espa�o interno.

Com olhar intenso e o sorriso largo de uma Julia Roberts maligna, Sutherland tem fei��es perfeitas para encarnar um dem�nio s�dico. Outros possu�dos j� n�o causam tanto impacto, mas h� cenas aflitivas tanto de suspense, com amea�as que se aproximam em segundo plano, como de sanguinol�ncia – uma, em especial, usa ralador de queijo.

Aborto e extrema direita

Infelizmente, “Ascens�o” decide fazer um coment�rio desastrado sobre maternidade, j� que a nova regra do chamado p�s-horror determina que filmes de terror abordem temas s�rios. H� uma cena em que o dem�nio encosta a cabe�a na barriga de Beth e, com superaudi��o, escuta os batimentos card�acos do feto. “Duas almas?!”, exclama.
 
A cena lembra projetos de lei inspirados em normas em vigor na Hungria, que obrigam gestantes, inclusive v�timas de viol�ncia sexual, a ouvir o cora��o do feto antes de realizar aborto legal, com o prop�sito de convencer a pessoa a n�o levar o procedimento adiante – ideia bastante defendida pela extrema direita de v�rios pa�ses, inclusive o Brasil.

Como se n�o bastasse a falta do humor ca�tico, que tornou “Uma noite alucinante” t�o especial, e o uso de computa��o gr�fica numa franquia que nasceu improvisando a partir da falta de recursos, este novo filme tamb�m pode servir como argumento conservador. 

“A MORTE DO DEM�NIO: A ASCENS�O”

EUA, 2023. Dire��o de Lee Cronin. Com Alyssa Sutherland, Lily Sullivan e Morgan Davies. Classifica��o: 18 anos. Em cartaz em salas das redes Cinemark, Cineart e Cin�polis.