Atriz Lyna Khoudri dança contra o céu em cena do filme Dançando no silêncio

Houria (Lyna Khoudri) transforma a dan�a em elo solid�rio de mulheres oprimidas no mundo isl�mico

High Sea Production


A dan�a tem ineg�vel aspecto terap�utico na supera��o de problemas ps�quicos. O fato de ser um exerc�cio f�sico certamente contribui para isso, mas talvez esteja na autoexpress�o o elemento mais decisivo desse potencial curativo; � como se o corpo que dan�a estivesse dizendo ao mundo, por passos e gestos, alguma mensagem que ele pr�prio n�o � capaz de transformar em palavras.

O longa “Dan�ando no sil�ncio”, da franco-argelina Mounia Meddour, � exatamente sobre isso. Acompanhamos a trajet�ria de Houria, uma jovem que trabalha como faxineira para poder juntar dinheiro para ajudar financeiramente sua m�e, com quem vive na Arg�lia. Seu sonho, no entanto, � se tornar bailarina profissional, e ela treina pesado para atingir seu objetivo.
 
A jovem se mete em encrenca quando tenta levantar dinheiro de maneira mais r�pida que arrumando camas e espanando m�veis: resolve apostar em rinhas de carneiros. Ela tem at� um bom feeling para a coisa: costuma escolher os melhores animais.
 
 

Certo dia, ap�s ganhar uma bolada, Houria � perseguida por outro apostador, que acha injusto o resultado da disputa ovina e quer o dinheiro que ela levou. A mo�a � agredida e sofre ferimentos graves, tornando-se muda e incapaz de voltar a dan�ar.

Trauma e sororidade

O que vem pela frente � basicamente aquilo que mesmo o espectador sem grande imagina��o seria capaz de intuir: Houria vai para a fisioterapia – no come�o, quer largar tudo, talvez at� desistir de viver.

Mas conhece uma turma de pacientes dispostas a ajud�-la a enfrentar essa nova etapa – cada qual com seu trauma e seus dem�nios, mas todas compreendendo que, unidas, s�o mais fortes e capazes de superar as barreiras. Sobretudo quando Houria as introduz ao mundo da dan�a.
 

Mounia Meddour at� mostra, aqui e ali, alguns procedimentos que a distinguem enquanto realizadora. Por exemplo, consegue impor em seu longa uma atmosfera solar, at� leve, o que impede que ele se torne muito sentimental, o que � sempre um risco real em se tratando de filmes sobre supera��o.

Em grande parte das cenas, as personagens femininas est�o simplesmente brincando umas com as outras. Parecem por vezes at� crian�as, falando e fazendo pequenas tolices ou coisas sem import�ncia – aquilo que n�s, adultos, falamos e fazemos quando queremos demonstrar afeto e n�o sabemos muito bem como (ou quando n�o queremos dar solenidade demais a isso).

Curiosamente, nos faz pensar que, assim como a dan�a, brincadeirinhas rotineiras meio bobocas tamb�m s�o uma forma de autoexpress�o: de dizer ao outro “gosto de voc�”, “conte comigo” ou mesmo “te amo”, mas sem precisar recorrer o tempo todo a palavras – evitando tornar a rela��o algo pesado ou por demais piegas.

Subtexto infeliz

A diretora � um pouco menos feliz quando tenta inserir um subtexto pol�tico no longa, com cr�ticas a algumas institui��es da Arg�lia, sobretudo a pol�cia e a Justi�a.

N�o faria mal um pouco mais de didatismo nas cenas em que o filme menciona o processo de anistia a antigos terroristas, que hoje est�o soltos. O rapaz que agride a protagonista � um deles.

E h� certas cenas em que as reais inten��es da diretora s�o indecifr�veis. Quando ela mostra as rinhas de carneiros, parece inicialmente interessada em fazer uma den�ncia da crueldade contra animais que ocorre nessas disputas nos bairros populares de Argel.

Mas existe um tom n�o repreensivo, por vezes at� humor�stico, na forma como ela apresenta esses combates. N�o chegam a ser confrontos sanguin�rios – no m�ximo, os animais trocam cabe�adas –, mas fica not�rio que os bichos n�o estavam exatamente felizes em cena.
 
A diretora sabe lidar melhor com os humanos – as atrizes, sobretudo. � um filme sobre o feminino, mulheres que se viram muito bem sem a presen�a masculina na sociedade isl�mica patriarcal.

A bela e expressiva protagonista Lyna Khoudri, que foi revelada pela pr�pria Meddour em seu longa anterior, “Papicha” (2018), capitaneia o elenco com firmeza e gra�a. �, merecidamente, uma das atrizes mais destacadas de sua gera��o no cinema franc�s atual.  

“DAN�ANDO NO SIL�NCIO”

• Arg�lia, 2003. Dire��o de Mounia Meddour. Com Amira Hilda Douaouda, Lyna Khoudri e Rachida Brakni.
• Em cartaz na sala 1 do Una Cine Belas Artes, �s 14h50 e 18h40; na sala 1 do Centro Cultural Unimed-BH Minas, �s 12h e 19h30; e na sala 4 do Ponteio, �s 16h20 e 18h30.