Radicais bolsonaristas atiram pedras e tentam invadir o Palácio do Planalto

A invas�o das sedes dos Tr�s Poderes, em Bras�lia, no dia 8 de janeiro, por parte de radicais bolsonaristas � abordada na s�rie, dispon�vel no Globoplay

Marcelo Camargo/Ag�ncia Brasil

No primeiro epis�dio da s�rie “extremistas.br”, um marqueteiro digital, contratado para criar narrativas falsas digitais, explica: "Nossa fun��o � criar o mal-estar, cada vez menos espa�o pro debate real, cada vez criando um ambiente de mais mal-estar para o eleitor". 

Enquanto passeia por um condom�nio durante o amanhecer, ele continua: "(...) o cara que me contrata, ele me contratou pra acabar com isso aqui, pra dizer que o s�ndico daqui n�o presta, que isso t� cheio de lixo. A� venho aqui no momento que t� todo mundo limpando e falo que t� cheio de lixo. Sou contratado pra falar mal disso aqui".

Mais adiante, o marqueteiro, que tamb�m se diz estrategista de rede social, explica que sua fun��o � criar indigna��o. Quando ela surge, � sinal de que o trabalho foi um sucesso. Ele admite que tudo � "criado" e avisa: "Eu gosto de fazer o que fa�o". 

Lan�ado em janeiro deste ano e dirigido por Caio Cavechini, o document�rio dividido em oito epis�dios e produzido pelo Globoplay � resultado de dois anos de pesquisa, escuta e observa��o a respeito de como os comportamentos extremistas tomaram conta da sociedade brasileira.

"Confesso que ainda me assusto e me entriste�o com a hiper segmenta��o de p�blicos, a cria��o de bolhas hoje praticamente imperme�veis a conte�dos divergentes", revela Cavechini. Formado em jornalismo pela Escola de Comunica��es e Artes da Universidade de S�o Paulo (ECA/USP), Caio Cavechini fez parte do “Profiss�o rep�rter”, comandado por Caco Barcelos, e ficou conhecido pelo filme “Carta para um ladr�o de livros”. 
 
 

O longa conta a hist�ria de La�ssio Rodrigues de Oliveira, um balconista de padaria que foi tamb�m um dos maiores ladr�es de livros raros do Brasil. Cavechini assina ainda “Marielle – O document�rio”, dividido em seis epis�dios, e o longa “Cercados”, uma compila��o das performances de Jair Bolsonaro no cercadinho do Pal�cio do Alvorada, onde o ex-presidente recebia e destratava jornalistas.

Caio e os roteiristas j� tinham tudo pronto para lan�ar “extremistas.br” quando aconteceram os ataques de 8 de janeiro, logo ap�s a posse de Luiz In�cio Lula da Silva. Diretor e roteiristas se organizaram para incluir os fatos mais recentes. O document�rio acompanha a escalada da extrema direita no pa�s e a tentativa de rea��es diversas da sociedade para combater as fake news, a desinforma��o e a constru��o de uma narrativa pautada pelo del�rio, pela mentira e pelo �dio. 
 

Entre os entrevistados h� nomes como Sara Winter, que participou de ataques incendi�rios ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 2021; a empres�ria Ros�ngela Pessanha, f� incondicional de Jair Bolsonaro e Roberto Jefferson; e o delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), deputado federal ferrenho defensor do armamento da popula��o e dono de um clube de tiro.

H� tamb�m entrevistas que tentam contrapor as ideias extremistas e violentas, como o pesquisador Pablo Ortelado, especialista em redes sociais; o deputado Andr� Janones (Avante-MG) com a sua proposta alternativa de mil�cia digital;e a dupla de universit�rios que idealizou o Slepping Giants, que se tornou  fundamental no combate ao discurso de �dio. 

"O document�rio, ao se aprofundar em um tema dif�cil como o extremismo pol�tico, � em primeiro lugar um registro hist�rico, para o qual as pessoas poder�o recorrer em diferentes momentos e com diferentes prop�sitos. O objetivo � sempre falar para todos os p�blicos, inclusive os radicalizados, tanto que demos voz a muitos deles, tentando entender suas motiva��es, mas fazendo os contrapontos necess�rios", explica o diretor, que na entrevista a seguir fala sobre bolhas, negacionismo e papel da internet na produ��o e dissemina��o do discurso de �dio.
 

'Acho que estaremos cada vez mais presos em armadilhas de debates sobre problemas fict�cios, p�nico moral e espantalhos virtuais, que geram engajamento, mobilizam a opini�o de uma minoria barulhenta e impedem o aprofundamento e mesmo uma necess�ria pedagogia sobre problemas mais complexos que o pa�s e o mundo enfrentam'

Caio Cavechini, cineasta

 
Depois de fazer “extremistas.br”, o que mudou em sua vis�o da internet e, sobretudo, das redes sociais?

Confesso que ainda me assusto e me entriste�o com a hiper segmenta��o de p�blicos, a cria��o de bolhas hoje praticamente imperme�veis a conte�dos divergentes. Se um dia eu vi a internet como um lugar onde um pouco de cada conte�do podia estar dispon1�vel, agora vejo com espanto a capacidade das redes sociais alimentarem grupos muito fechados, oferecendo a eles s� o que eles querem ver. Foi assim com o negacionismo na pandemia, foi assim com o negacionismo eleitoral e os atos antidemocr�ticos.

Que futuro � poss�vel para a democracia se n�o houver regula��o das plataformas de redes sociais?

Acho que estaremos cada vez mais presos em armadilhas de debates sobre problemas fict�cios, p�nico moral e espantalhos virtuais, que geram engajamento, mobilizam a opini�o de uma minoria barulhenta e impedem o aprofundamento e mesmo uma necess�ria pedagogia sobre problemas mais complexos que o pa�s e o mundo enfrentam. O aquecimento global me parece um desses temas deixados de lado: exige medidas cada vez mais urgentes e complexas, enquanto suas consequ�ncias s�o reais, mas difusas. As solu��es deveriam ser debatidas dentro das nossas democracias, mas estamos longe de conseguir tirar os espantalhos do caminho para tornar esse tema o centro das nossas agendas.

A obriga��o de modera��o de conte�do vai conseguir frear a dissemina��o de discurso de �dio, crime e viol�ncia nessas plataformas?

Acho que sim, mas esse � um debate ainda em andamento em diferentes pa�ses, que exige n�o apenas a modera��o das plataformas, mas o acompanhamento de entidades externas, da sociedade civil e do poder Judici�rio.

Qual seria a melhor maneira de controlar a dissemina��o de fake news?

No curto prazo, regula��o das plataformas e puni��o imediata dos respons�veis pelas publica��es. Mas isso precisa estar acompanhado de um esfor�o gigantesco de educa��o em comunica��o no m�dio e longo prazos, e sinto que ainda estamos longe disso.

Algumas sociedades s�o mais prop�cias a se engajarem no discurso do �dio? Educa��o digital faz diferen�a?

Sim, e n�o s� a educa��o digital. Uma sociedade com mais leitores, por exemplo, tem mais capacidade de an�lise cr�tica, de n�o depender de uma �nica fonte de informa��o.
 

'O mundo � muito complexo, e eu tenho esperan�a de que as boas hist�rias, a boa contextualiza��o dos fatos, a informa��o de qualidade uma hora ou outra joguem luz nos 't�neis de realidade' vividos por algumas pessoas, como bem definiu um dos personagens da s�rie'

Caio Cavechini, cineasta

 
Como voc� explicaria a loucura que tomou conta da nossa sociedade, com advogados contra o estado de direito, militares contra a p�tria, estudantes contra o ensino p�blico, o povo contra a democracia, professores contra a educa��o?

No document�rio, recorremos a especialistas e aos pr�prios operadores da propaganda pol�tica nas redes para tentar entender esse fen�meno. � inescap�vel o diagn�stico de que as redes sociais privilegiam conte�dos que geram indigna��o e p�nico, e as teorias conspirat�rias se encaixam perfeitamente nesse card�pio. L�deres pol�ticos e influenciadores passaram a jogar esse jogo e inflamar suas audi�ncias, em todos esses campos citados na pergunta - muitos deles com exemplos bem palp�veis ao longo da s�rie.

Como o a atividade jornal�stica foi afetada por essa onda? E qual o papel do jornalismo nesse cen�rio?

O jornalismo passou a ser alvo de ataques na medida em que n�o est� a servi�o de uma vis�o de mundo. Qualquer informa��o que desagrade um p�blico radicalizado � absorvida como um disparo de uma guerra que esses grupos se veem travando, e que � preciso responder, na vis�o deles. Mas o mundo � muito complexo, e eu tenho esperan�a de que as boas hist�rias, a boa contextualiza��o dos fatos, a informa��o de qualidade uma hora ou outra joguem luz nos "t�neis de realidade" vividos por algumas pessoas, como bem definiu um dos personagens da s�rie. O desafio � que, daqui para a frente, as falsifica��es v�o se tornar ainda mais sofisticadas tecnologicamente, exigindo ainda mais aten��o dos jornalistas - e agilidade, para que as mentiras sejam enfrentadas antes que viralizem.

Como se pode conversar com o p�blico que embarca nas fake news nessa situa��o de bolha em que n�o h� espa�o para a contradi��o?

Esse primeiro passo, ouvi-los atentamente, me parece importante para fazer com que gente que pensa igual consiga dar um passo atr�s e se ver a dist�ncia; como tamb�m para fazer com que gente que rejeita esse p�blico perceba o tamanho do fosso que se abriu entre n�s como sociedade, e que simplesmente negar uma parte dela n�o � um caminho poss�vel para a volta da conviv�ncia. Claro que o comportamento violento deve ser coibido, punido. Mas existem demandas e comportamentos presentes de pessoas na nossa sociedade que est�o se sentindo melhor acolhidas pelo discurso extremista, e elas n�o s�o necessariamente extremistas. � preciso um esfor�o cuidadoso de reaproxima��o, expondo pequenas contradi��es e estando aberto � escuta, sem cair no caminho da nega��o pura e simples, porque isso s� facilita o trabalho dos que defendem a ideia de que somos inimigos em nosso pr�prio pa�s.

“EXTREMISTAS.BR”

• S�rie documental em oito epis�dios. Dispon�vel no Globoplay.