Morte de Z� Celso foi �ltimo ato tr�gico de um gigante da dramaturgia
Dramaturgo, diretor e fundador do Teatro Oficina morreu nesta quinta (6/7), aos 86 anos, v�tima de um inc�ndio em seu apartamento que queimou 53% de seu corpo
Ele era alucinado, mas extremamente l�cido. Jos� Celso Martinez Corr�a fez o que mais ningu�m poderia. Teatro, mas tamb�m (muita) performance, na cena e fora dela. "O teatro � meu corpo. � o espa�o onde eu posso e fa�o o que quero e levo para qualquer lugar", disse ele em 2017, 80 anos rec�m-completados.
Sua trajet�ria como encenador foge de todo padr�o desde o come�o. Foi um papagaio (n�o a ave, mas a pipa), em Araraquara, interior de S�o Paulo, onde nasceu em 30 de mar�o de 1937, que deu in�cio a tudo.
Z� Celso chamava o objeto de "Imperador do Espa�o". Um dia, empinando o papagaio, ele se rompeu e acabou molhado. Colocou- para secar e o encontrou praticamente destru�do (pelo sol) no dia seguinte. Um vento acabou por levar a pobre pipa embora.
Ele nem titubeou. Ao viol�o, comp�s: "Hoje vou fugir com o vento, vou at� o firmamento.Vou ver a terra brilhar, a brilhar. Vou me lan�ar por esse espa�o a ventar, ventar." A m�sica gerou uma pe�a, "Vento forte para um papagaio subir", primeira montagem do ent�o rec�m formado Grupo Teatro Oficina.
A pe�a, de apenas 40 minutos, foi apresentada no Teatro Novos Comediantes em 1958, mesmo espa�o no bairro Bela Vista, em S�o Paulo, que � ocupado at� hoje pelo Oficina. O grupo original contava ainda com Amir Haddad, Renato Borghi, Etty Fraser, Fauzi Arap e Ronaldo Daniel.
Z� Celso havia conhecido seus futuros colegas de teatro quando, por press�o dos pais, entrou para o curso de Direito da USP. O que os unia era o ator e pedagogo russo Constantin Stanislavski, criador do m�todo de atua��o mais utilizado nas artes c�nicas.
O grupo pretendia dedicar-se a uma atua��o realista, como pregava seu mentor. Em pouco tempo tal dire��o foi modificada. O Golpe Militar (1964) exigia uma resposta pol�tica. A primeira rea��o aos novos (e dif�ceis) ventos pol�ticos foi "Andorra" (1964), do su��o Max Frisch, que trata do antissemitismo p�s Segunda Guerra. Foi neste per�odo que Z� Celso deixou Stanislavski de lado e se aproximou da obra de Bertolt Brecht.
A (primeira) grande virada se deu em 1967, com "O rei da vela", de Oswald de Andrade. Havia quem considerasse a verborragia do texto oswaldiano imposs�vel de ser encenada. Mas ele se tornou uma voz da rebeldia que brotava no pa�s nos primeiros anos da ditadura. A montagem n�o s� concretizou o teatro antropof�gico, que marcou toda a trajet�ria do encenador, como o colocou como figura essencial no teatro brasileiro.
A pe�a estreou ap�s um inc�ndio no Oficina, que o destruiu, em 1966. Outro momento hist�rico de sua trajet�ria � tamb�m deste per�odo. Primeira dire��o fora do Oficina, a montagem de "Roda viva" (1968), de Chico Buarque, trouxe outro elemento que se tornou marca de seu teatro. Z� Celso criou um ritual provocador, em que os atores iam � plateia para incit�-la.
Em 1974, Z� Celso enfrentou problemas com a censura e partiu para o ex�lio em Portugal. Realizou, na �poca, dois document�rios (sobre a Revolu��o dos Cravos e a independ�ncia de Mo�ambique).
De volta a S�o Paulo em 1978, criou um movimento para manter o Teatro Oficina aberto - tombado em 1982 e reinaugurado em 1983, o espa�o, com projeto arquitet�nico de Lina Bo Bardi, passou a se chamar Teat (r) o Oficina Uzyna Uzona. Deste per�odo v�m montagens c�lebres, como "Ham-let" (1993), "As bacantes" (1995), "Cacilda!" (1998), "O sert�es" (2002-2003-2005-2006).
O Oficina, em tempos mais recentes, passou a reler suas pe�as hist�ricas, com as devidas adapta��es para o contexto s�cio-pol�tico do pa�s. "O rei da vela" foi encenada em 2017 e "Roda viva", em 2019. At� "Vento forte para um papagaio subir" voltou a ser remontada, em 2008, quando completou seu cinquenten�rio.
A idade avan�ada e o fechamento com a pandemia n�o o impediram de trabalhar. Durante a crise sanit�ria, o Oficina ficou fechado por um ano e nove meses. Foi reaberto em outubro de 2021, com a pe�a "Paranoia", mon�logo com Marcelo Drummond, marido de Z� Celso e primeiro ator do grupo. Tamb�m no per�odo foi filmado "Esperando Godot" (dire��o de Monique Gardenberg), que em 2022 estreou, devidamente, nos palcos.
Em sua �ltima entrevista ao Estado de Minas, realizada em maio, quando "Godot" foi apresentada no Sesc Palladium, Z� Celso afirmou: "Sou muito antimessi�nico, n�o gosto de ficar esperando uma coisa que n�o vem. Temos que fazer acontecer.” E foi o que ele fez, em 86 anos de vida e 65 de teatro.
*Para comentar, fa�a seu login ou assine