Foto de Carlo Giatti, dono da loja de CDs Discomania

Carlo Giatti, propriet�rio da loja Discomania, diz que � um desafio ter novidades para oferecer ao cliente

Jair Amaral/EM/D.A.Press

Quem h� 10 ou 15 anos apostou que o CD estaria com os dias contados devido ao avan�o tecnol�gico, perdeu. Com a populariza��o do streaming, o disquinho prateado, de fato, viu seu espa�o se reduzir no mercado, mas tamb�m � verdade que ele continua sendo produzido em escala expressiva por artistas independentes, selos e gravadoras. As raz�es da perman�ncia dessa m�dia que muitos consideram obsoleta s�o diversas, mas basicamente passam pela quest�o de gosto pessoal.

No final dos anos 1980, o CD tomou o lugar do vinil e se tornou objeto de desejo. Por cerca de 20 anos, ele reinou absoluto. A partir de meados da d�cada passada, houve a reabilita��o do vinil, que se tornou uma esp�cie de artigo de colecionador e voltou a ser fabricado de modo mais sistem�tico.

O percurso do CD, a partir da dissemina��o de plataformas como Spotify e Deezer, n�o � de decl�nio linear. Entre 2020 e 2021, a bolachinha deu claro sinal de resist�ncia, com aumento de 139% das vendas no Brasil, segundo a Federa��o Internacional da Ind�stria Fonogr�fica. Entre as m�dias f�sicas, o CD foi a mais comercializada em 2021.

Com a forcinha do pop

Os n�meros foram impulsionados por grandes lan�amentos do pop, incluindo discos de Adele, Taylor Swift, BTS e Olivia Rodrigo. Durante algum tempo, Adele foi uma das artistas que mais lutou pela sobreviv�ncia da m�dia f�sica. Em novembro de 2015, ela disponibilizou o �lbum “25” apenas em CD. Foram sete meses de espera at� a chegada �s plataformas digitais. A estrat�gia deu certo. A artista vendeu mais de 3 milh�es de c�pias em sete dias, batendo recorde.

No ano passado, o CD oscilou para baixo. Relat�rio da Associa��o Americana da Ind�stria de Grava��o revelou que foram vendidos mais de 41 milh�es de discos de vinil, contra 33 milh�es de CDs – pela primeira vez desde 1987, os LPs ficaram � frente no ranking. As bolachinhas prateadas registraram queda de 18% em rela��o ao ano anterior. Em 2023, contudo, houve a invers�o do cen�rio, com o mercado voltando a ser favor�vel ao CD.

Dados da Billboard apontam que nas primeiras 10 semanas deste ano, as vendas ficaram um pouco � frente de 2022, subindo de 6,8 milh�es para 6,9 milh�es de CDs. Executivos apontam como motivos para essa recupera��o o pre�o, mais acess�vel que o do vinil, que costuma ultrapassar R$ 150, e tamb�m o fato de haver menos atrasos na produ��o.

Al�m disso, muitos artistas costumam vender CDs como item colecion�vel. Diferentemente do vinil, eles s�o mais f�ceis de serem transportados para serem vendidos nos shows. O violonista Yamandu Costa e o cantor portugu�s Ant�nio Zambujo, que recentemente circularam por cidades brasileiras com a turn� “M�sica sem fronteiras”, adotaram estrat�gia semelhante � de Adele.
 
A dupla gravou o �lbum “Prenda minha”, derivado do show que passou por Belo Horizonte na segunda quinzena de junho, e prensou uma tiragem de CDs para vender onde se apresentou. Na capital mineira, formou-se enorme fila para comprar o mimo, com direito a aut�grafo, pois o plano dos m�sicos � disponibilizar o trabalho nas plataformas de streaming apenas no in�cio de 2024.

“� uma tiragem espec�fica, s� para a turn� no Brasil, para vendermos nos shows. Um projeto especial, exclusivo dessa nossa digress�o aqui no Brasil”, disse Yamandu.
 
Yamandu Costa segura o violão

Yamandu Costa mandou prensar tiragem de "Prenda minha" para vender o CD nos shows

Rodrigo Lopes/divulga��o
 

A venda nos shows � uma das raz�es para o cantor e compositor Makely Ka seguir produzindo CDs. Nestes dias, ele promove audi��es com pequenos grupos de amigos de seu novo �lbum, “Triste entr�pico”, que deve ser lan�ado em breve.

“Todos os meus discos sa�ram em CD e o 'Triste entr�pico' tamb�m vai sair. Na verdade, s� n�o o lancei ainda porque o selo queria soltar apenas nas plataformas, e n�o abro m�o do disco f�sico. Vendo muitos discos nos shows”, diz.

Trilogia da 'quebrada'

O rapper Roger Deff, que tamb�m prepara novo �lbum, “Alegoria da paisagem”, n�o esconde o apre�o pela m�dia e o desejo de que o “rebento” venha nesse formato.

Seu primeiro disco solo, “Etnografia suburbana” (2019), saiu em CD e teve edi��o compacta em vinil, com quatro das oito faixas do repert�rio. O trabalho seguinte, “Pra romper fronteiras” (2021), saiu apenas em vinil, al�m de estar dispon�vel nas plataformas. Deff espera que o desfecho de sua “trilogia que tem a quebrada como tema” seja materializado nas m�dias f�sicas.

“Ainda curto muito o CD, mas o custo de produ��o � alto, levando em considera��o o consumo. 'Alegoria da paisagem' vai sair em vinil, e gostaria de lan�ar a edi��o em CD mais para a frente. Tudo vai depender do or�amento e de como se dar� a demanda”, diz.
 
Cantora Paula Santoro

Cantora Paula Santoro defende a import�ncia da ficha t�cnica, eliminada no streaming

Sonia Mibielli/divulga��o
 

A cantora Paula Santoro acaba de lan�ar o �lbum “Suma�ma” tamb�m em CD. S�o v�rias as raz�es para seguir apostando no formato, e todas convergem, de certa forma, para a quest�o de gosto pessoal. Paula produz a bolachinha pensando em quem ainda tem CD player no carro.

“Nem tenho carro mais, mas quando viajo e preciso alugar, pe�o um com CD player. Fora isso, tem a quest�o da ficha t�cnica e, mais do que tudo, as fotos. 'Suma�ma' tem projeto gr�fico muito elaborado, muito pensado, com conceito. Ent�o, seria uma pena n�o ter o CD para trabalhar a capa e o encarte”, aponta.

“Manusear, ver a foto, a arte, poder ler a ficha t�cnica � muito legal. A grande falha das plataformas � n�o colocar a ficha t�cnica, acho isso um desrespeito absoluto com quem tocou, com quem comp�s, com todo mundo envolvido. Meu disco tem m�sicos incr�veis e participa��es especial�ssimas de Jo�o Bosco, Jo�o Donato, Arthur Verocai, Tizumba, Raul de Souza. O ouvinte deve ter essa informa��o”, ressalta Paula.

O carioca Roberto Menescal est� lan�ando “N�s e o mar” em CD, e o ga�cho Ian Ramil apostou no formato para apresentar “Tetein”, que acaba de vir � luz. Ian diz que essa m�dia lhe permite produzir encarte com as letras e informa��es sobre as m�sicas.
 
Prateleiras com CDs da loja Discomania,

Prateleiras de CD da Discomania, que funciona desde 1979 na Savassi

Jair Amaral/EM/D.A.Press
 

Produto de luxo

O cen�rio para quem atua no ramo, contudo, n�o � nada animador. Carlo Giatti trabalha h� 22 anos na Discomania, loja fundada por seus pais em 1979, na Savassi. Ele atesta que sim, ainda h� procura que justifique manter o com�rcio aberto, mas a possibilidade de oferta encurtou.

“Com a diminui��o da demanda, as gravadoras perderam o interesse em lan�ar �lbuns em CD. Muitos artistas independentes passaram a disponibilizar trabalhos s� nas plataformas. Existe o p�blico consumidor, mas n�o existe quem produza. Ali�s, existe, mas em escala bem menor do que j� foi. As pessoas v�m aqui e n�o tenho novidades para apresentar. Com a redu��o da produ��o, aumentou o pre�o. Virou quase um produto de luxo”, diz.

Carlo cita como exemplo o CD que registra o show de Jo�o Gilberto no Sesc Vila Mariana, em S�o Paulo, em 1998, recentemente lan�ado pela s�rie Relic�rio, do Selo Sesc. “Chegou para a gente, mas foi tiragem limitada. Dois dias depois, j� n�o tinha mais para vender. Entro em contato, pe�o, mas eles n�o t�m para enviar. E quando, por um acaso, tiverem, j� vai ter passado o interesse que o lan�amento gera”, explica.

Giatti revela que o perfil de seu p�blico est� na faixa et�ria acima de 50 anos, mas ressalta que jovens tamb�m t�m passado a frequentar a loja. “H� lan�amentos em CD de Ariana Grande, Taylor Swift e outros artistas do universo pop direcionados a esse p�blico. Com o fechamento (da se��o de m�sica) da Leitura, essa mo�ada migrou para c�”, observa.

Com�rcio ativo no Centro

Contrariando a ideia de que lojas de disco s�o coisa do passado, a regi�o central de Belo Horizonte � pr�diga em com�rcios desse tipo – o que n�o deixa de ser um indicativo. Seguem funcionando a CDs e Companhia, na Rua Tupinamb�s; A Seresteira, na Rua Curitiba; All Wave Discos, na Galeria Pra�a Sete; Ba� da M�sica, na Avenida Oleg�rio Maciel; CDs & Cia, na Avenida Santos Dumont; e CD Clube, na Avenida Amazonas, pr�ximo � Pra�a da Esta��o, entre muitas outras.

Ber�o da cena heavy metal de Belo Horizonte na d�cada de 1980, a loja de discos e gravadora Cogumelo n�o s� lan�a �lbuns de grupos de seu cast em CD, como tem vertido para esse formato LPs de seu cat�logo, lan�ados h� mais de tr�s d�cadas, considerados cl�ssicos pelos amantes do rock pesado.

Propriet�rio da Cogumelo, Jo�o Eduardo chama a aten��o para o fato de que h� gargalos, mas n�o cogita deixar de trabalhar com as m�dias f�sicas.

“Seguimos lan�ando bandas novas, mas atualmente n�o adianta s� gravar. Voc� tem que distribuir, colocar o disco nas lojas, e j� n�o existem muitas no nosso segmento. A gente segue apostando. At� fitas cassete voltaram a ser fabricadas. Muitos da minha gera��o n�o gostam do ambiente digital para escutar m�sica. Estamos em todas as plataformas, mas fazemos quest�o de manter o LP e o CD, porque continua tendo procura”, ressalta.

Biscoito Fino aposta no formato

Ainda h� gravadoras apostando no CD. O site da Biscoito Fino, por exemplo, oferece �lbuns de Maria Beth�nia, Francis Hime, Z� Renato, M�nica Salmaso e Andr� Mehmari, Velha Guarda da Portela, Carlinhos Vergueiro e Leila Maria, todos lan�ados recentemente com pre�o na faixa dos R$ 50.