Capa do livro
Com roupas pretas, tatuagens nos dois bra�os e um longo cabelo grisalho, e os olhos contornados pelo negrume de um l�pis, Nazarian parece mais cantor emo do que escritor, quem sabe algum cover de Robert Smith, vocalista do The Cure. Recebeu a reportagem na sede da editora que o publica sem segurar sua l�ngua.
O leitor acompanha a hist�ria de Renato atrav�s de sua intera��o com um entrevistador desconhecido. Toda a conversa � registrada por aspas intercaladas, sem qualquer identifica��o de quem est� falando, colocando o p�blico numa posi��o similar a de quem intui o que est� acontecendo a partir do que ouve casualmente numa conversa.
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A estrutura tamb�m joga nas m�os dos leitores a avalia��o do protagonista. Seria Renato um her�i precoce, que matou a Bruxa M� do Oeste e livrou o Brasil do drag�o? Se essa posi��o � atraente, encontra seu maior desafio no jeit�o do protagonista, que por vezes parece um incel —os "celibat�rios involunt�rios", jovens malogrados na vida social que povoam a internet porque t�m dificuldade para sobreviver ao mundo.
O personagem, que n�o � nem herc�leo, nem vilanesco, surge a partir da tentativa de Nazarian de compreender as novas gera��es LGBTQIA+ —sigla que, ele pensa, se torna cada vez mais longa e logo deve ser substitu�da por algo menos espalhafatoso. O escritor se sente livre para realizar certo fogo amigo no livro agora que a extrema direita n�o preside mais o pa�s.
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Ap�s se divorciar de um casamento de meia d�cada com um chef de cozinha, voltou ao Grindr, aplicativo gay de sexo. Nos seus 46 anos, preservou o p�blico por quem sempre se interessou, os vint�es andr�ginos.
Foi a� que come�ou a sair com pessoas n�o bin�rias, algumas das quais passaram a se reconhecer como mulheres trans, diz ele. Al�m de em sua vida rom�ntica, ele busca voltar a ter jovens no seu leitorado.
"Eu comecei a publicar com 25 anos e tinha um p�blico de adolescentes. Comecei numa �poca em que jovens escritores estavam em alta, eram os youtubers ou influencers da �poca", diz Nazarian. "A internet era praticamente s� escrita, ent�o n�s �ramos a influ�ncia da vez."
"Veado Assassino" � uma tentativa de Nazarian de mostrar que, apesar de estar mais velho e estabelecido, ele n�o perdeu a ousadia.
"Eu me sinto orgulhoso de ainda poder ser contestador, perigoso de alguma forma. N�o quero ser s� o tioz�o finalista de Jabuti —isso � o que se espera, tenho 46 anos e 20 de carreira", ele diz. Seu livro "F� no Inferno" perdeu para "Avesso da Pele", de Jeferson Ten�rio, na edi��o de 2021 do pr�mio. "Tenho certo orgulho de conseguir fazer algo ousado, n�o estar numa zona de conforto."
Enquanto seu primeiro livro, "Mastigando Humanos", de 2006, repercutiu bem e chegou a ser adotado em escolas, o escritor n�o consegue imaginar o mesmo acontecendo hoje. N�o pela acidez das obras, que sempre esteve l�, diz ele, mas porque o cerco de prote��o sobre os mais jovens aumentou muito nos �ltimos anos.
Por isso decidiu autopublicar seu �ltimo livro voltado ao p�blico juvenil, "O Pr�ncipe Precoce", ap�s se negar a fazer cortes exigidos por outra editora.
O pr�prio "Veado Assassino" passou por cortes e leitores sens�veis, profissionais treinados para identificar conte�dos que podem ser nocivos para minorias. Al�m de proteger leitores, as altera��es tamb�m buscam resguardar Nazarian, que, afinal, narra o assassinato de Bolsonaro em seu livro —o ex-presidente nunca � identificado explicitamente, e detalhes foram alterados para que a descri��o n�o fosse precisa.
Mas o autor acredita que isso n�o comprometeu o resultado final. "A literatura ainda � um territ�rio do indiv�duo onde se pode falar v�rias coisas que em outros lugares n�o s�o ditas."
VEADO ASSASSINO
Pre�o R$ 69,90 (112 p�gs.); R$ 37,90 (ebook)
Autoria Santiago Nazarian
Editora Companhia das Letras
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