Léa Garcia em cena de Orfeu Negro

L�a Garcia em 'Orfeu negro', que lhe rendeu a indica��o ao pr�mio de melhor atriz no Festival de Cannes, na Fran�a, em 1959

Tupan Filmes/divulga��o
 

O Brasil perdeu nesta ter�a-feira (15/8) a atriz L�a Garcia, de 90 anos, estrela negra que deixa importante legado para a cultura brasileira. Ela estava em Gramado, onde receberia o Trof�u Oscarito no Festival de Cinema ga�cho, e n�o resistiu a um infarto. Desde s�bado na cidade, a artista havia assistido a sess�es dos filmes “Retratos fantasmas” e “Tia Virginia”.

Defensora do protagonismo do negro na arte brasileira, L�a Garcia participou de uma centena de trabalhos, entre pe�as, filmes, novelas e programas de TV. Em 1959, foi indicada ao pr�mio de melhor atriz no Festival de Cannes, na Fran�a, por sua atua��o no longa “Orfeu negro”.

Na tarde desta ter�a-feira, Marcelo Garcia, filho da artista, recebeu o trof�u que seria dado � m�e. “Dona L�a deixa um legado muito grande e deixa lembran�as. Esta homenagem que foi feita por voc�s foi em vida, porque a L�a vive, ela est� aqui, ela vai continuar”, disse Marcelo, no palco do festival De Gramado. A atriz deixou tr�s filhos, tr�s netos, dois bisnetos e uma tataraneta.

Em suas sete d�cadas de carreira, L�a Garcia lutou contra o racismo e foi exemplo para artistas negros de v�rias gera��es.  L�zaro Ramos publicou fotos com L�a nas redes sociais e agradeceu pelos anos de aprendizado.

“N�o sei como fazer esta despedida, dona L�a. D�i. Sua vitalidade, sua for�a, sua jovialidade e seu talento sempre foram inspiradores. Poder trabalhar com a senhora foi um sonho alimentado por anos e realizado com muita celebra��o”, escreveu o ator. Ambos trabalharam em “Mister Brau”, que estreou em 2017, na Globo.

“D�i. Como d�i ler isso. Obrigado pela vida que viveu e nos ensinou a viver”, afirmou o apresentador Manoel Soares. “Te honro e te honrarei sempre. Grata por tudo e por tanto”, despediu-se a atriz Isabel Zuaa.

 

Léa Garcia no Festival de Gramado

L�a Garcia no Festival de Gramado

Instagram/reprodu��o
 

 

O presidente Luiz In�cio Lula da Silva destacou a import�ncia da atriz para o Brasil: “Ao longo de seis d�cadas, L�a iluminou nossas telas em mais de 70 filmes e novelas, e tamb�m teve um papel muito importante como incentivadora para seguidas gera��es de artistas negros na nossa cultura.”

“Imensa na TV e no teatro, foi inspira��o e representatividade para uma legi�o que festejou muito sua carreira em pap�is memor�veis e marcantes da nossa hist�ria”, disse Margareth Menezes, ministra da Cultura.

 

'L�a Garcia foi uma grande atriz e uma pioneira no enfrentamento do racismo e na abertura de espa�os para atrizes negras na televis�o e no cinema. E, de forma marcante, impactou nossa cultura, ao interpretar a grande vil� Rosa no cl�ssico 'Escrava Isaura' e ao ser indicada ao pr�mio de melhor interpreta��o feminina no Festival de Cannes por 'Orfeu negro''

Luiz In�cio da Silva, presidente da Rep�blica

 

Da literatura para o palco

L�a Garcia nasceu no Rio de Janeiro, em 1933. Na juventude, pensava em ser escritora. Aos 16 anos, havia decidido entrar para o curso de letras da Faculdade de Filosofia da atual Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Nessa �poca, conheceu o intelectual e dramaturgo Abdias Nascimento (1914-2011). Casou-se com ele, que morreu em 2011.

Por influ�ncia do parceiro, entrou para o teatro. Estreou na pe�a “Raps�dia negra” (1952), montada pelo Teatro Experimental do Negro, grupo formado por Abdias Nascimento para combater o racismo e dar protagonismo aos afrodescendentes, sempre relegados a pap�is menores.

L�a declamava versos de “Navio negreiro”, poema de Castro Alves, na cena que simulava a di�spora africana. Devido a essa participa��o, desistiu da carreira de escritora e decidiu ser atriz.

 

Lea Garcia em peça do Teatro Experimental do Negro

L�a Garcia na pe�a 'O imperador Jones', montagem do Teatro Experimental do Negro que estreou em 1953

Acervo Abdias Nascimento
 

 

Integrante do Teatro Experimental do Negro, marco das artes c�nicas brasileiras, L�a atuou em “O imperador Jones”, “Todos os filhos de Deus” e “Onde est� a marca da cruz” – pe�as de Eugene O’Neill. Tamb�m encenou “O filho pr�digo”, de L�cio Cardoso; “Sortil�gio (mist�rio negro)”, de Abdias Nascimento; e “O sapo e a estrela”, de Hermilo Borba Filho.

'Orfeu' nos palcos e nas telas

O sucesso veio com “Orfeu da Concei��o”, pe�a de Vinicius de Moraes, em 1956. L�a ganhou destaque no papel de Mira. Inicialmente, interpretaria a protagonista Eur�dice, mas, ao ler o texto, ficou encantada com a ciumenta ex-namorada de Orfeu.

Em 1959, o cineasta franc�s Marcel Camus dirigiu o filme “Orfeu negro”, a partir da pe�a de Vinicius de Moraes. O longa ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes e, em 1960, deu o Oscar de melhor filme estrangeiro � Fran�a. Em Cannes, L�a, que fazia o papel de Serafina, concorreu ao pr�mio de melhor atriz, mas perdeu para Simone Signoret.

No cinema, a atriz participou de “Ganga Zumba” (1963), dirigido por Cac� Diegues. Deu vida a Cipriana, a ex-escravizada amante do l�der do Quilombo dos Palmares. Tamb�m rodou “Cruz e Sousa, poeta do desterro” (1998), de Sylvio Back; “Filhas do vento” (2004), de Joel Zito Ara�jo, rodado em Minas Gerais; “O maior amor do mundo” (2006), de Cac� Diegues; “Hoje tem ragu” (2008), de Raul Labanca; e “Acalanto” (2012), de Arturo Sab�ia, entre outros.

A atriz estava entre os pioneiros da televis�o brasileira. Sua estreia ocorreu no “Grande Teatro”, da TV Tupi, em 1950, ano da inaugura��o da emissora. Na Tupi, L�a participou do programa “Vendem-se terrenos no c�u”, em 1963. Em 1968, na TV Rio, participou da novela “Os acorrentados”, de Janete Clair.

Em 1970, a carioca iniciou sua bem-sucedida carreira na TV Globo. O primeiro papel dela na emissora foi como a empregada dom�stica Dalva em “Assim na terra como no c�u”, novela de Dias Gomes. O patr�o, vivido por Jardel Filho, levava a mo�a para eventos da alta sociedade, apresentando-a como a princesa de Tobocobucu. Em 1971, ela participou do sucesso “Minha doce namorada”, de Vicente Sesso, e, a seguir, de “O homem que deve morrer”, de Janete Clair.

No ano seguinte, um momento hist�rico: L�a Garcia fez parte de “Meu primeiro baile”, o primeiro programa gravado inteiramente em cores no Brasil. Tamb�m atuou na primeira vers�o de “Selva de pedra” (1972), grande sucesso de Janete Clair. Em 1973, contracenou com Paulo Gracindo em “Os ossos do bar�o”.

Em 1974, sentiu na pele a censura do governo militar, durante “Fogo sobre terra”, novela de Janete Clair. A personagem de L�a matava o patr�o, mas a cena teve de ser mudada, porque censores consideraram o assassinato “mau exemplo”.

 

Léa Garcia e Isaac Bardavid em cena da novela Escrava Isaura

Como a malvada Rosa, em Escrava Isaura, L�a Garcia quase apanhou na rua. Nesta foto, ela contracena com o ator Isaac Bardavid

Globo/reprodu��o
 

Vil� de 'Escrava Isaura'

A atriz brilhou como vil� Rosa em “Escrava Isaura”, novela que estreou em 1976 e fez sucesso at� na China. M�, invejosa e cruel, a personagem perseguia a mocinha, vivida por Luc�lia Santos, enciumada por causa do interesse do patr�o, Le�ncio (Rubens de Falco), pela mo�a. L�a chegou a ser agredida na rua por causa de Rosa.

Em 1980, pela primeira vez na TV ela fez uma personagem que militava pela causa negra. Em “Marina”, novela de Wilson Aguiar Filho, viveu Leila, professora de hist�ria de um col�gio da elite de S�o Paulo. Quando a filha sofre preconceito, Leila contou a hist�ria de Zumbi dos Palmares aos alunos – e tamb�m ao telespectador.

Na d�cada de 1980, a atriz trocou a Globo pela extinta TV Manchete, onde fez as novelas “Dona Beija” (1986), de Wilson Aguiar Filho, e “Helena” (1987), de Mario Prata. Em 1988, de volta a Globo, atuou nas miniss�ries “Aboli��o”, de Aguiar Filho, e  “Agosto” (1993), de Jorge Furtado e Giba Assis Brasil.

Retornou � Manchete, no final da d�cada de 1990, para trabalhar em “Tocaia grande” (1995), de Duca Rachid, M�rio Teixeira e Marcos Lazarini, e “Xica da Silva” (1996), de Walcyr Carrasco, marco da teledramaturgia brasileira. Na Band, atuou em “O campe�o”, de M�rio Prata e Ricardo Linhares.

Em r�pida passagem pela Record, L�a gravou as novelas “Cidad�o brasileiro” (2006), de Lauro C�sar Muniz, “Luz do sol” (2007), de Ana Maria Moretzsohn, e “A lei e o crime” (2009).

O retorno definitivo � Globo ocorreu em 2016, em “�ta mundo bom!”, de Walcyr Carrasco, e “Sol nascente”, de Walther Negr�o, J�lio Fischer e Suzana Pires.


Os �ltimos trabalhos de L�a Garcia foram as s�ries “Ass�dio” (2018), “Sob press�o” (2018), “Carcereiros” (2019) e “Arcanjo renegado” (2020), todas do Globoplay.