Imagem do Cine São Luiz em 'Retratos fantasmas'

O longa-metragem, que chega hoje �s salas, registra tamb�m a trajet�ria do Cine S�o Luiz, que permanece em funcionamento, no Centro da capital pernambucana

Vitrine Filmes/Divulga��o

"Retratos fantasmas" se estrutura sobre uma �nica imagem: uma foto tirada h� muito tempo por Kleber Mendon�a Filho, autor deste filme, em que aparece uma desfigurada figura que, supostamente, n�o deveria estar na foto. Que seja sobreposi��o, trucagem, f�bula familiar ou pessoal, a misteriosa imagem teria rendido ao futuro cineasta a reputa��o de m�dium.

Para usar uma bela defini��o do Houaiss, m�dium �, por extens�o, "pessoa detentora de dons que supostamente lhe permitem conhecer coisas, dados, ocorr�ncias etc. por meios sobrenaturais".

Esse sobrenatural costuma aparecer nos filmes de Mendon�a: os meninos que, surgidos do nada, invadem uma casa de alta classe m�dia no Recife. Assim tamb�m sentimos os oper�rios que irrompem no pr�dio de Sonia Braga para trabalhos noturnos escusos. Talvez n�o sejam sobrenaturais, mas s�o misteriosos como as imagens de um antigo engenho pernambucano.

Esses mist�rios vinculam os filmes tamb�m � hist�ria. E, no caso de "Retratos", diretamente � mem�ria. Primeiro, a casa da inf�ncia. J� a conhecemos de outros filmes. Uma casa perto da praia que permanece com a fam�lia. Ela � marcante, entre outros, em "O som ao redor".
 
 

"Retratos" documenta as transforma��es da casa, ao mesmo tempo em que mostra o car�ter �ntimo do filme. S�o mudan�as que incidem sobre o modo de ser e de viver de quem a habita. E que tamb�m incidem sobre os filmes. O cachorro do vizinho, por exemplo, personagem relevante de "O som ao redor". A casa vizinha ficou depois abandonada e foi invadida por cupins, como os que vemos em "Aquarius".

Transforma��es

A casa se transformou em escrit�rio da produtora, e aqui e ali vemos circulando por l� atrizes, t�cnicos, pessoas n�o exatamente residentes. Mas indica que certas transforma��es levam � perman�ncia: a propriedade da casa, tanto quanto seus afetos, permanecem.

A segunda parte do filme diz respeito ao Centro de Recife e a seus antigos cinemas. A hist�ria dos cinemas de Recife n�o � t�o diferente da de outras metr�poles. A diferen�a talvez esteja na bela documenta��o que o filme traz. Como na casa da fam�lia, aqui misturam-se bitolas, VHS, DVD etc. V�rios tempos, v�rios momentos. A figura mais marcante, aqui, � o velho projecionista de um cinema prestes a fechar as portas. � incr�vel a dedica��o dos projecionistas a seu trabalho.
 

"Retratos" mostra o velho e o novo, o cinema e seu destino. O supermercado, a igreja evang�lica, o edif�cio... O mais documentado dos cinema � o Art Palacio. Concebido originalmente pela produtora alem� Ufa, na era nazista, para melhor difus�o de seus filmes.

Esse segmento � compreensivelmente melanc�lico e a documenta��o, detalhada. A porta monumental de uma antiga sala desaparece sob a exposi��o vulgar de produtos de consumo numa grande loja de varejo. A banalidade ocupa o lugar da magia.

Esses cinemas guardavam a mem�ria dos filmes vistos, da experi�ncia m�gica, quase sobrenatural, das imagens desfilando � frente do espectador. Seu desaparecimento corresponde, objetivamente, � degrada��o do Centro. Mas toda mudan�a implica perda na mem�ria.

Sabe disso quem j� teve uma casa ou j� frequentou um cinema de rua em sua cidade. Nesse sentido, a vida � uma sucess�o de perdas irrepar�veis, mas tamb�m de perman�ncias que fixam essa mem�ria. Caso do cinema S�o Luiz, de Recife, que sobrevive.

Com isso, esse filme t�o �ntimo ganha uma evidente dimens�o universal. O que n�o evita um sentimento pessoal, ao fim da proje��o, que talvez seja mais do que isso: a de que, no quesito mem�ria, falta algo. Embora os aspectos escolhidos sejam bem interessantes, a sensa��o de falta, de incompletude se imp�s, no meu caso.

Um sentimento pessoal que talvez seja mais do que isso: quando termina o segundo segmento, referente aos cinemas de rua do Centro, � justo esperar por mais aspectos de preserva��o – ou falta de - no Recife. Existe o rio Capiberibe, que corta a cidade, o manguezal, as praias. Nesse sentido, "Retratos fantasmas" parece um pouco obra ainda em andamento, mas, no que existe, o olhar de Kleber Mendon�a � bem original e estimulante. 

“RETRATOS FANTASMAS”

(Brasil, 2023, 93 min.) Dire��o: Kleber Mendon�a Filho. Document�rio. Classifica��o: 12 anos. Estreia nesta quinta (24/8), no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 2, 16h e 18h30), Ponteio (Sala 4, 14h30, 19h), UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 14h, 16h, 18h, 20h).