Paulo Pederneiras diz que coes�o do n�cleo que comanda o Grupo Corpo � fundamental para a sobreviv�ncia da companhia
N�o acho que o Corpo envelheceu. Pelo contr�rio, amadureceu e se tornou mais exigente. Isso me deixa feliz. Em termos de bailarinos, de equipe, � um grupo que vem rejuvenescendo
Paulo Pederneiras, diretor art�stico do Grupo Corpo
� com a credencial de quase meio s�culo de �xitos acumulados que o Grupo Corpo chegou a 2023 como uma das mais importantes companhias de dan�a do Brasil e do mundo. Vide o convite do maestro venezuelano Gustavo Dudamel para a cria��o da coreografia apresentada ao lado da Orquestra Filarm�nica de Los Angeles, sob sua reg�ncia, cuja estreia ocorreu em 18 de julho, nos Estados Unidos.
A seguir, Paulo aborda os momentos marcantes do grupo, os processos de cria��o e suas singularidades. Tamb�m analisa o cen�rio da dan�a no Brasil, destacando a coes�o do n�cleo que comp�e o Corpo desde o in�cio, uma das raz�es de seu sucesso.
Com 48 anos de trajet�ria, cabe dizer que o Grupo Corpo � hoje patrim�nio n�o s� mineiro, mas mundial?
Fico muito feliz que a gente tenha chegado at� aqui, e mais feliz ainda de pensar que o Grupo Corpo, desde sua inaugura��o at� hoje, segue enchendo os teatros. Ou seja, at� hoje a gente tem o que dizer. Artisticamente, n�o acho que o Corpo envelheceu. Pelo contr�rio, amadureceu e se tornou mais exigente. Isso me deixa feliz. Em termos de bailarinos, de equipe, � um grupo que vem rejuvenescendo. No caso dos bailarinos, a cada dois ou tr�s anos h� renova��o, mudan�a mais profunda em mat�ria de idade mesmo. Os espet�culos v�o ficando cada vez mais exigentes em termos f�sicos, de modo que essa renova��o � necess�ria.
De um ano para c�, oito novos bailarinos passaram a fazer parte do Grupo Corpo. Como � o processo de renova��o do elenco?
Antigamente, faz�amos audi��o e acontecia de ter uma enormidade de candidatos, 400 ou 500, �s vezes, para duas vagas. No final, eu achava meio contraproducente, porque voc� ia fazer, sei l�, 380 ou 398 pessoas tristes, frustradas, porque n�o passaram, para duas muito felizes, porque passariam a integrar o Grupo Corpo. Ent�o, a gente vem modificando esse processo. Como o Corpo faz turn�s pelo Brasil todo, acabamos conhecendo os bailarinos de cada cidade, e os pr�prios bailarinos t�m suas redes de contatos. Atualmente, a gente prefere fazer uma pr�-sele��o, em vez da audi��o com dia marcado.
A profiss�o de modelo � muito glamourizada, as pessoas tendem a achar que � uma vida de estrela, mas a realidade � bem diferente. Na dan�a, isso tamb�m ocorre? Como � a vida do bailarino e da bailarina?
� um trabalho de segunda a sexta, quando o grupo est� em Belo Horizonte. Eles t�m compromisso a partir das 9h, quando fazem aula de t�cnica cl�ssica, e depois t�m ensaio at� as 15h ou 16h. Agora, quando a companhia est� em turn�, claro que isso muda, porque tem as apresenta��es. � muito puxado fisicamente. Como o Corpo tem compromissos assumidos em v�rios locais, a gente leva v�rias obras diferentes para cada um. Assim, os bailarinos t�m de estar com pelo menos umas cinco coreografias em dia, que a gente mant�m no repert�rio durante o ano. � uma vida muito pesada, eu diria. Maravilhosa tamb�m, com oportunidades de viajar, de se apresentar em teatros grandes no mundo todo.
�ltimo espet�culo da companhia, 'Est�ncia' foi encomenda ao Grupo Corpo feita por Gustavo Dudamel, regente da Filarm�nica de Los Angeles
O trabalho mais recente do Corpo, “Est�ncia”, � uma coreografia feita sob encomenda do aclamado maestro Gustavo Dudamel, da Orquestra Filarm�nica de Los Angeles. O grupo j� havia aceitado um convite assim?
N�o. Essa foi a primeira vez, e ficamos muito reticentes, porque normalmente temos uma ideia do que vamos fazer para o pr�ximo ano. Aceitamos o convite e ficamos tr�s meses criando essa obra com o Rodrigo (Pederneiras), core�grafo residente do Corpo. Foi uma experi�ncia �nica. N�o � o lugar com que estamos acostumados, porque dividimos o palco com a Orquestra Filarm�nica de Los Angeles, que � maravilhosa. A apresenta��o foi no Hollywood Bowl, teatro ao ar livre para 18 mil pessoas, uma coisa extraordin�ria. A gente tamb�m ficou muito feliz, porque o convite partiu desse maestro, Gustavo Dudamel, que hoje � o queridinho do mundo todo. Da� resolvemos repetir a experi�ncia em Belo Horizonte, na Sala Minas Gerais, com a Orquestra Filarm�nica, que � fabulosa. Foi das coisas mais emocionantes que j� fizemos.
Os primeiros espet�culos do Grupo Corpo foram pautados pela m�sica popular. As cria��es da d�cada de 1980 e in�cio dos anos 1990 partiram do universo erudito. A partir de “21”, em 1992, a m�sica popular volta � cena. O que determinou o tr�nsito entre esses dois universos?
O primeiro espet�culo do Corpo foi “Maria, Maria”, com m�sica do Milton Nascimento. O roteiro era do Fernando Brant e a coreografia do argentino Oscar Araiz, que j� era bastante conhecido no mundo e veio especialmente para isso, trazendo com ele toda sua equipe de cria��o. �ramos muito dependentes na parte de cria��o, n�o s� no primeiro espet�culo, como tamb�m no segundo, “O �ltimo trem”, em que a gente repete praticamente a mesma turma. Da� resolvemos que era necess�rio ter uma certa autonomia criativa. O Rodrigo come�a a fazer as coreografias para o Grupo Corpo, se torna o residente da companhia, e ele tinha prefer�ncia pela m�sica cl�ssica. Mesmo assim, a gente pegou compositores eruditos brasileiros como Bruno Kiefer, Villa-Lobos, Henrique Oswald, pouco conhecidos do p�blico. Foi uma linha que Rodrigo foi criando e depois se voltou para a m�sica popular, porque, a partir de certo momento, deu vontade de encomendar outras m�sicas para a companhia.
'Maria, Maria', que estreou em 1976, abriu as portas do mundo para a companhia de dan�a BH
Quais espet�culos voc� considera mais marcantes?
Primeiro, claro, “Maria, Maria”, porque � a funda��o da companhia. Foi o que nos possibilitou viajar boa parte do mundo, o que acelerou o processo de aprendizagem do Corpo. Um outro espet�culo marcante � o “21”, com trilha sonora do Marco Ant�nio Guimar�es, com o Uakti. Esse espet�culo foi realmente uma virada muito importante, porque ali a gente testa v�rias possibilidades, c�nicas inclusive. � um espet�culo mais radical. Tem v�rios importantes, como o do Jo�o Bosco, “Benguel�”, e depois o “Parabelo”, aquele que o Grupo Corpo mais apresentou durante sua trajet�ria toda, com trilha do Z� Miguel Wisnik e do Tom Z�.
O espet�culo '21' representou virada marcante na trajet�ria do Grupo Corpo
O que voc� entende como a principal singularidade do Grupo Corpo?
S�o duas coisas, que t�m correla��o. Uma � a honestidade art�stica, que vai dar no fato de estarmos sempre considerando a intelig�ncia do p�blico. Ou seja, n�o facilitamos nada, o p�blico tem participa��o no entendimento. Isso quer dizer que estamos sempre em busca de alguma coisa que ainda n�o fizemos, que desconhecemos. Isso � muito importante na parte criativa. Acho que, por isso, o Corpo, com 48 anos de hist�ria, � uma companhia contempor�nea, pois est� sempre propondo alguma coisa nova. Essa particularidade se relaciona com a no��o de grupo muito forte, a no��o de comprometimento.
N�o adianta voc� s� ter excel�ncia criativa, excel�ncia art�stica, porque a gente j� viu muitas vezes isso acontecer em outras �reas, e realmente � uma coisa que pode terminar r�pido, pode ser ef�mera. � muito importante uma boa administra��o, isso sim
Paulo Pederneiras, diretor art�stico do Grupo Corpo
Quais s�o os maiores desafios para manter uma companhia de dan�a ativa por tanto tempo?
� um desafio constante. N�o adianta voc� s� ter excel�ncia criativa, excel�ncia art�stica, porque a gente j� viu muitas vezes isso acontecer em outras �reas, e realmente � uma coisa que pode terminar r�pido, pode ser ef�mera. � muito importante uma boa administra��o, isso sim. No nosso caso, nunca desejamos fazer um espet�culo que fosse entretenimento. Isso poderia ser o lado comercial, mas nunca abrimos m�o do lado art�stico, porque ele � o que nos interessa.
O que orienta o convite do Corpo a determinado compositor para a cria��o da trilha sonora?
Primeiramente, a gente escolhe um compositor pelo qual temos admira��o. Depois, pensa-se na possibilidade de esse compositor ter f�lego para fazer uma obra de 40 minutos, o que � diferente, porque normalmente os convidados s�o da m�sica popular, seguem o formato mais curto das can��es, e a proposta aqui � de um trabalho com dura��o bem mais estendida. Convidamos, at� hoje, Marco Ant�nio Guimar�es, Milton Nascimento, Jo�o Bosco, Arnaldo Antunes, Z� Miguel Wisnik, Lenine, Tom Z�, Caetano Veloso, Gilberto Gil. S� fera, porque temos um leque imenso.
J� aconteceu de n�o dar certo, de a trilha encomendada n�o satisfazer as expectativas?
Sim, porque quando a gente convida, o compositor tem liberdade total, inclusive de propor o tema ou o conceito para o espet�culo. Com isso, pode acontecer de um ru�do qualquer levar para um lado um pouco equivocado, como se tivesse de ter uma hist�ria, como se tivesse que ter um roteiro, e na verdade n�o precisa se apegar a nada. �s vezes tem um pouquinho de ajuste da trilha, mais em fun��o da din�mica que voc� deve ter no espet�culo, e em fun��o tamb�m da quest�o f�sica dos bailarinos. Voc� deve ter momentos em que eles possam descansar um pouco, porque, no palco, se ficar pulando durante 40 minutos, mata a pessoa. � pedreira.
O jornalista Benny Cohen e Paulo Pederneiras no est�dio da TV Alterosa
Ainda bem que temos as leis de incentivo, porque sen�o seria imposs�vel a exist�ncia de companhias como o Grupo Corpo e a maioria das companhias do mundo, que, digamos, n�o s�o do Estado
Paulo Pederneiras, diretor art�stico do Grupo Corpo
E j� aconteceu de algum compositor declinar do convite para fazer uma trilha para o Grupo Corpo?
N�o, at� hoje n�o. Tem que estar no momento em que o compositor tenha essa disposi��o, porque � novidade para ele tamb�m. Com Lenine, que � maravilhoso, j� fizemos mais de um trabalho – at� agora foram dois espet�culos, e queremos fazer mais. Com o Z� Miguel Wisnik j� fizemos quatro. Tem pessoas que est�o a�, sempre mais pr�ximas. No caso do Lenine, ele disse que depois do primeiro trabalho com o Corpo, sua maneira de compor se modificou totalmente. Para os compositores, � tamb�m uma empreitada muito importante. S� que tem de ter essa disposi��o, essa abertura, o que n�o � pouca coisa.
Voltando no tempo, � d�cada de 1970. O que te motivou a criar o Grupo Corpo?
Eu tinha uma hist�ria no teatro, fazia teatro e fazia arquitetura. Era uma �poca dif�cil, o diretor com quem eu trabalhava teve de sair, era um contexto de ditadura. Meus irm�os estavam no grupo de dan�a experimental da Marilene Martins, muito importante. Eu me interessei por esse grupo e comecei a trabalhar com eles, at� que pensei em fazer uma companhia profissional, em que as pessoas pudessem se dedicar totalmente � dan�a.
Voc� j� enxergava o Grupo Corpo como ele � hoje?
Eu era at� mais presun�oso, com vinte e poucos anos a gente � muito presun�oso – eu, pelo menos, era. Achava que ia fazer uma coisa importante, e essa coisa foi feita, n�o s� por mim, mas pelo grupo todo. N�o nego minha participa��o, mas a hist�ria do Corpo � resultado do esfor�o de um grupo que at� hoje � muito coeso.
Hoje voc� tem um p�blico de dan�a impressionante no Brasil. Na �poca do 'Maria, Maria', n�o. Voc� tinha pouqu�ssimas companhias, aquelas de repert�rio, do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, do Theatro Municipal de S�o Paulo
Paulo Pederneiras, diretor art�stico do Grupo Corpo
Que avalia��o voc� faz do cen�rio atual da dan�a no Brasil?
A dan�a evoluiu, e o p�blico principalmente. Hoje voc� tem um p�blico de dan�a impressionante no Brasil. Na �poca do “Maria, Maria”, n�o. Voc� tinha pouqu�ssimas companhias, aquelas de repert�rio, do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, do Theatro Municipal de S�o Paulo, que atuavam poucas vezes por ano, com p�blico bastante restrito, formado s� por quem realmente era muito ligado � dan�a. Hoje � diferente, n�o acho que o Corpo tenha p�blico de dan�a, � um p�blico de artes c�nicas, muito grande e diverso. Por ser linguagem universal que n�o depende da palavra, do idioma, isso possibilita se apresentar em v�rios lugares do mundo, o que tamb�m ajuda a evolu��o da dan�a aqui no Brasil.
Existe algo que voc� deseja realizar com o Grupo Corpo e ainda n�o conseguiu?
N�o, acho que n�o. Sempre quis que o Corpo estivesse num meio art�stico mais amplo. Isso, sim. Eu tinha vontade, h� mais tempo, de ter um centro cultural onde o grupo pudesse conviver com outras �reas do fazer art�stico. Mas � uma coisa que hoje n�o passa mais pela minha cabe�a, at� porque s�o tantas as dificuldades para manter uma companhia de dan�a nesse n�vel, com quase 60 funcion�rios. Ainda bem que temos as leis de incentivo, porque sen�o seria imposs�vel a exist�ncia de companhias como o Grupo Corpo e a maioria das companhias do mundo, que, digamos, n�o s�o do Estado.
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Falando dos 50 anos, que projetos v�m por a�?
A gente se sente um pouco na obriga��o de deixar alguns registros. Ent�o, devemos fazer uma s�rie de filmes sobre o Grupo Corpo e, com certeza, um livro tamb�m. Acho muito importante ter o registro impresso. L�gico que o mais importante seria um trabalho novo, mas, com rela��o a isso, confesso que ainda estou perdido, aceitando sugest�es. Passam coisas pela cabe�a, porque a gente n�o para de pensar, mas nada conclusivo.
Veja a entrevista na �ntegra:
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