
At� ent�o, era impens�vel unir seis capitais em um �nico festival. Mas a pandemia veio para mostrar que o digital pode aproximar cidades de Norte a Sul do pa�s. Pela primeira vez na hist�ria, o Festival Fartura, que nesta edi��o recebe o nome de Gastronomia du Brasil, ser� realizado simultaneamente em Belo Horizonte, S�o Paulo, Porto Alegre, Bras�lia, Fortaleza e Bel�m. Chefs v�o servir em seus restaurantes, de sexta a domingo, menus que criaram em duplas.
Como n�o dava para organizar edi��es presenciais nas seis cidades ao longo do ano, a solu��o foi usar a plataforma on-line de forma in�dita. O teste come�ou por Belo Horizonte, depois a edi��o em Tiradentes chegou a mais tr�s cidades (BH, S�o Paulo e Rio de Janeiro). “Foi um aprendizado fazer o festival em tr�s capitais pr�ximas, agora temos a seguran�a de fazer um trabalho remoto e simult�neo em seis cidades, de Bel�m a Porto Alegre. Como consequ�ncia, conseguimos mostrar realmente a diversidade do Brasil, a riqueza gastron�mica que temos”, pontua o diretor-geral Rodrigo Ferraz.
Nesta edi��o, 15 duplas criaram menus completos usando ingredientes escolhidos para cada cidade. Os representantes de BH cozinham com jabuticaba, enquanto os de Bel�m usam mandioca. Bras�lia � representada pelo baru e Fortaleza pela rapadura. O azeite est� presente nas receitas de Porto Alegre e banana nas de S�o Paulo. Os chefs se reuniram em BH em novembro para gravar o preparo das receitas, que v�o estar dispon�veis para o p�blico na plataforma.

Tropeiro de cuscuz foi a receita escolhida para representar a uni�o de Minas e Cear�. Eduardo Campelo, chef do Mar de Rosas, em Fortaleza, e Caetano Sobrinho, do Ca�, em BH, transformam o cuscuz de milho em uma farofa temperada com lingui�a, bacon, tomate e cebola, que substitui a farinha. Depois acrescentam o feij�o (aqui ser� o vermelho e l� o de corda), couve e ovo mexido. O tropeiro de cuscuz acompanha fil� de porco grelhado e vinagrete de milho tostado. “O Caetano usou lim�o capeta, mas, como n�o tem aqui, vou usar um pouco de lim�o e tangerina.”
A entrada do menu � assinada por Eduardo, que inventou o mil folhas de tapioca. “� a mesma receita de dadinho de tapioca, s� que, em vez de deixar alto, fa�o bem fininho, seco no forno, corto no formato retangular e vou intercalando as camadas.” No recheio, camar�o com pur� de ab�bora. Ele n�o poderia deixar de usar frutos do mar, que s�o as estrelas do card�pio do seu restaurante, que fica a 50 metros da Praia de Iracema. Para completar, calda de rapadura (o seu ingrediente obrigat�rio) com pimenta dedo-de-mo�a e picles de pimenta de cheiro.
Caetano tinha que usar jabuticaba e escolheu fazer uma calda com a fruta para servir com cheesecake. A sobremesa ser� com queijo minas curado em BH e com coalho em Fortaleza. Eduardo ficou encantado com a comida mineira e se identificou com a sua dupla. “O Caetano tamb�m tem a pegada de fazer comida caseira e afetiva. Fresca e sem frescura”, aponta o chef, que h� quase dois anos serve no Mar de Rosas pratos que lembram comida de v�, com ingredientes simples. Na mala, al�m de um aprendizado intenso, ele levou para Fortaleza seis quilos de jabuticaba congelada.
Intui��o com olhar t�cnico
Arroz e feij�o s�o da alta gastronomia? Mara Salles, do Tordesilhas, em S�o Paulo, partiu deste questionamento para criar o prato principal com Marcelo Petrarca, do Bloco C, em Bras�lia. Fizeram o que se chama de risoto mulato. “O caldo � como de feijoada, com feij�o-preto, pertences do porco e temperado com laranja e cacha�a. Depois misturamos o arroz feito da forma tradicional e finalizamos com uma esp�cie de vinagrete, com tomate e cebola.” Ao lado dele, est�o ripa de costelinha confitada em banha de porco, ora-pro-n�bis crua e pimenta habanero com rapadura produzida por Marcelo.

A entrada de Mara tem inspira��o pan-amaz�nica, puxando para o lado da Col�mbia e Peru. � uma mistura de patacones (peda�os de banana verde frita e amassada) com ceviche de lula. J� a sobremesa de Marcelo � um bombom de passata de goiabada com recheio de queijo coalho e finalizado com baru, seu ingrediente obrigat�rio. “Gostei muito da ideia dele, porque � uma receita muito simples, mas com um olhar bem t�cnico”, aponta.
Para a chef, o encontro n�o poderia ser melhor. “Achei interessante a conjun��o de experi�ncias. O Marcelo tem uma pegada bem moderna, j� eu tenho uma cozinha muito intuitiva. Ent�o, aproveitamos neste menu a t�cnica dele e a minha intui��o. Gosto muito desta diversidade.” Os chefs visitaram juntos o Mercado Central de BH e compraram os ingredientes mais frescos que encontraram para cozinhar.
Uni�o de ideias
O restaurante D'Artagnan, em BH, servir� pela primeira vez barriga de porco. A novidade � resultado da parceria da chef Marise Rache com Marcelo Gon�alves, que j� trabalha com o corte no P�tissier, em Porto Alegre. “Assamos a carne em baixa temperatura por quatro horas e depois fritamos em �leo com bacon para puxar o gosto do porco. Fica bem �mida e crocante”, descreve. Os acompanhamentos s�o pur� de ab�bora, farofa com cebola queimada e jabuticaba confitada no azeite.
A jabuticaba tamb�m aparece na entrada de Marise: pastel de queijo canastra com chutney da fruta. “Resolvi criar o chutney de jabuticaba a partir da compota que fa�o com as cascas, uma receita de fam�lia. Tem gengibre, vinagre e pimenta.” � para mergulhar o pastel no chutney e comer numa bocada, como gostava o seu pai, que d� nome ao restaurante. J� a sobremesa, assinada por Gon�alves, � o creme brul�e de doce de leite e gengibre com banana ma�aricada.

Marise achou muito enriquecedor o encontro com Marcelo, que pensa a gastronomia mais ou menos como ela. “A cozinha dele � bem descomplicada e focada nos sabores, deixa marcas nas pessoas. Para mim, gastronomia boa n�o � aquela que impressiona pela montagem perfeita, mas deixa sabor na mem�ria de quem come”, opina.
Os extremos do Brasil se uniram no menu de Marcelo Schambeck, do Capincho, em Porto Alegre, e Daniela Martins, do L� em Casa, em Bel�m. “Acho que o prato principal mostra bem esta mistura. Escolhemos laquear a costela bovina, uma carne bem emblem�tica do meu estado, com tucupi negro, que � quase um caramelo”, descreve o chef, que teve aula de cozinha paraense com o pai de Daniela, Paulo Martins, e enxerga nela a mesma paix�o pelos ingredientes da sua regi�o. Para completar, farofa de beiju e cenoura caramelizada.
A entrada, proposta por Daniela, puxa para o lado paraense ao misturar camar�o, tucupi, farinha de tapioca e coentro. Schambeck fugiu do �bvio ao usar o azeite, seu ingrediente obrigat�rio, na sobremesa. � uma torta de chocolate amargo com calda de buti� (fruta nativa do Rio Grande do Sul) e suspiro de erva mate. O azeite entra na finaliza��o. “Uso um azeite bem fresco, com notas herb�ceas que combinam com o chocolate e real�am a erva mate.”

A dupla Saulo Jennings, do Casa do Saulo, em Bel�m, e Caio Soter, de O Jardim, em BH, destaca a versatilidade da mandioca (ou macaxeira para os paraenses) ao us�-la do in�cio ao fim. Na entrada, ela est� na massa dos bolinhos, um com recheio de porco e outro de piracu� (farinha de peixe desidratado), servidos com geleia de jabuticaba e picles de pimenta de cheiro. O prato principal apresenta o ingrediente frito e em forma de pur�. Ao lado est�o barriga de porco no melado de jabuticaba e barriga de pirarucu com glace de frango caipira. O bolo de macaxeira com calda e compota de jabuticaba finaliza o menu.
O �ltimo Fartura do ano chega para consolidar o projeto como uma plataforma de conte�do e mostrar que o digital � um caminho sem volta, mesmo quando as edi��es presenciais forem retomadas. “Antes de come�ar o evento, a minha equipe j� teve um crescimento pessoal e profissional muito grande, de conseguir vencer uma maratona. Esta � a maior realiza��o, sairmos mais fortes do que quando entramos”, comemora o diretor-geral Rodrigo Ferraz.
A expectativa nesta edi��o du Brasil � pelo menos manter o alcance do festival de Tiradentes, que atingiu seis milh�es de pessoas e gerou 400 mil intera��es no site.
Duo de barrigas com glace de frango, melado de jabuticaba e mandioca (Caio Soter e Saulo Jannings)
Ingredientes
200g de barriga de porco; 1 cabe�a de alho; ½ cebola; azeite a gosto; sal a gosto; 50g de geleia de jabuticaba; 30g de melado de cana; 50ml de �gua; 200g de barriga de pirarucu; 1l de caldo de frango; pimenta do reino a gosto; 500g de mandioca amarela; 70g de manteiga gelada; 30ml de creme de leite fresco; 30g de queijo canastra; 20ml de manteiga de garrafa.
Modo de fazer
Para a barriga de porco, prepare um pasta batendo alho, sal, cebola e azeite no liquidificador. Tempere a barriga esfregando bem esta pasta e deixe descansar na geladeira por pelo menos 12 horas. Leve para assar em forno preaquecido a 120 graus por 4 horas, com a pele para cima em uma assadeira coberta por papel alum�nio e com caldo de legumes at� a metade da barriga. Para o melado de jabuticaba, processe em um liquidificador a geleia de jabuticaba com o melado de cana e a �gua. Para a barriga de pirarucu, tempere com a mesma pasta usada para temperar a barriga de porco. Esquente uma frigideira de ferro, e quando estiver saindo fuma�a, adicione o pirarucu com um fio de azeite. Doure bem de todos os lados at� que chegue ao ponto correto. Para a glace de frango, reduza 1 litro caldo de frango a 150mL em fogo brando. Tempere com sal e pimenta do reino e sirva quente. Para o pur� de mandioca, cozinhe 350g de mandioca descascada em �gua e, quando estiver bem macia, processe com manteiga gelada e creme de leite fresco. Tempere com sal e pimenta. Para a mandioca crocante, cozinhe 150g de mandioca e, assim que estiver macia, amasse com um garfo, incorporando o queijo e a manteiga de garrafa. Resfrie, corte no formato desejado e frite em imers�o em �leo quente.
