
Em 1957, Guimar�es Rosa escreveu uma declara��o de amor a Minas Gerais, em que fala sobre o desafio da serenidade. Esse texto � uma das inspira��es do chef Caio Soter para abrir o seu primeiro restaurante, Pacato, que recebe o p�blico a partir desta quinta-feira. L� n�o � um lugar s� para comer, � tamb�m um convite para desacelerar e entender mais sobre a nossa
cultura
alimentar. Os pratos mostram a cozinha de quintal, base da gastronomia mineira, de forma contempor�nea e inventiva.
O nome Pacato surgiu em um momento de contempla��o do quadro “O violeiro” (1899), de Almeida J�nior, que retrata uma cena da vida interiorana: um homem sentado na janela tocando viola e uma mulher ao lado cantando. Quando esteve na Pinacoteca de S�o Paulo, o chef ficou uma hora diante da pintura pensando na vida. “Cheguei � conclus�o de que, quando vivemos de maneira desacelerada, devagar e pacata, aproveitamos melhor os momentos.”
Caio diz que o nome � uma provoca��o para ele mesmo, quase uma autocr�tica. “Sou um dos caras mais acelerados que conhe�o.” A escolha se conecta com um desejo de ser, justamente, mais pacato e de que as pessoas tamb�m possam aproveitar a vida com mais
tranquilidade
.
O tempo parece desacelerar j� na chegada. O restaurante fica em um quarteir�o fechado da Rua Rio de Janeiro, bem distante do agito habitual do Lourdes. O sal�o tem luz baixa. At� mesmo a cozinha, que � toda aberta, fica na penumbra durante o servi�o.
L� dentro, a proposta � se deixar envolver pela agrad�vel trilha sonora assinada por Thiago Delegado e Vitor Velloso (m�sico e um dos s�cios), que apresenta can��es mineiras al�m dos clich�s. A dupla, inclusive, comp�s a m�sica “Ser Pacato”, dispon�vel a partir de hoje para download, inspirada no texto de Guimar�es Rosa.

O restaurante tem uma atmosfera de
ref�gio
, onde as horas correm sem pressa. Um lugar que incentiva as pessoas a parar, respirar e aproveitar a comida, a bebida e as companhias com quem dividem a mesa. “Posso fazer a melhor comida e servir a melhor bebida, mas se os comensais n�o conseguirem parar, se n�o estiverem inteiros na experi�ncia, de pouco vale o meu trabalho.”
Passado, presente e futuro se encontram no Pacato. Os pratos s�o uma leitura contempor�nea da cozinha de quintal, que � a base da gastronomia mineira. “Queremos entregar uma cozinha de quintal transportada para os dias atuais. Usar os ingredientes de forma mais moderna, com uma apresenta��o mais elegante, proporcionar experi�ncias, mas sempre respeitando as tradi��es e os ensinamentos deixados por av�s e m�es”, explica.
Desde 2018, Caio estuda a forma��o da cultura alimentar mineira. “Quando cheguei na cozinha de quintal, tudo fez sentido. Entendi por que comemos ora-pro-n�bis, por que f�gado de galinha e de boi s�o t�o consumidos. Fiquei mais encantado com as plantas aliment�cias n�o convencionais (pancs) e pelo milho, que para mim � a cultura mais importante da nossa cozinha.” O chef observa que, paradoxalmente, a
riqueza
da cozinha de quintal vem da escassez e da necessidade de sobreviver com o que havia em casa.
Urucum � ouro
Entender a hist�ria levou Caio a mostrar que o ouro de Minas n�o � aquele metal amarelo brilhante, mas todos os ingredientes da nossa terra. O urucum, especiaria tipicamente brasileira, que j� era usada pelos ind�genas, foi escolhido para simbolizar a nossa riqueza. “O urucum d� cor e faz a comida brilhar, e isso � muito importante, porque comemos primeiro com os olhos”, aponta. Nem percebemos mais que o nosso frango ensopado de todo dia � alaranjado, mas isso encanta quem � de fora.

Quando nos sentamos, ficamos de frente para um arranjo, no centro da mesa, com sementes de urucum por cima de algumas pedras. Ali elas s�o garimpadas como se fossem ouro. O urucum tamb�m est� na logomarca do restaurante, em um painel bem colorido do artista Matheus Dias na parede da cozinha e at� em uma tatuagem no dorso da m�o esquerda do chef.
L� voc� n�o vai comer frutos do mar ou foie gras. Uma das premissas do restaurante � trabalhar com produtos mineiros de alto n�vel. “N�o d� para criar um conceito bonito e colocar no card�pio camar�o ou peixe em crosta de am�ndoas. Levo como miss�o contribuir para a educa��o alimentar das pessoas e precisamos entender que produtos de
qualidade
s�o aqueles que est�o perto e na �poca.”
O menu do Pacato explora, com muita criatividade, os ingredientes mais ic�nicos da nossa cultura alimentar. As bases s�o frango, porco, gr�os, verduras e legumes. A carne de boi at� aparece, mas n�o espere encontrar bife ancho grelhado com molho chimichurri. Rabada, m�sculo, costela e charque s�o o que fazem mais sentido no contexto da cozinha de quintal.

Caio nunca morou no interior, nasceu e cresceu em BH, mas sente que a cultura alimentar � muito mais preservada longe da capital. Quem vive nas grandes cidades est� sempre correndo e acaba se contentando com fast-food pela conveni�ncia. “A sensa��o � de que o tempo parou no interior, e isso pode ser bom. Quando paramos no tempo, o que viraria hist�ria continua sendo a nossa realidade”, comenta. Mais um motivo para desacelerar e saborear o que a nossa terra tem a nos oferecer.
Tudo no seu tempo
Muito melhor do que sonhou. Caio Soter est� extremamente feliz com o que vai apresentar ao p�blico no Pacato. O projeto come�ou a ser constru�do h� quatro anos, mas acabou engavetado quando ele recebeu o convite para trabalhar com Felipe Rameh no Alma Chef. “Sempre sonhei com esse momento de abrir o meu primeiro restaurante, mas, para falar a verdade, n�o imaginava que seria t�o incr�vel”, diz o chef, que continua � frente da cozinha do restaurante O Jardim.
O tempo acabou sendo bom para amadurecer a ideia e a equipe. “Consegui juntar as pessoas certas na hora certa”, comenta. Caio cita o chef Daniel Tassi e o sommelier Gustavo Giacchero, que tamb�m comanda o sal�o, mas comemora que todos os envolvidos est�o muito empenhados em entregar o seu melhor. Ele pr�prio ganhou com a espera. Na cozinha, vemos um chef seguro do que est� fazendo e com repert�rio para nos surpreender do in�cio ao fim em um menu degusta��o de 10 etapas.

O jantar nos tira da zona de conforto logo no in�cio. A manteiga que acompanha os p�es da casa � de porco. “Queria mostrar que a banha pode ser usada de outras formas que n�o em refogado.” A banha vem do Vale do Para�ba (SP), onde o chef Rafa Bocaina resgatou a produ��o de porcos caruncho, e � apenas batida para ficar mais aerada. O sabor agrad�vel ao paladar vem da alimenta��o dos animais.
O trio de snacks homenageia os vegetais que Caio considera a base da alimenta��o dos mineiros: milho, feij�o e verduras escuras. Todos combinam base crocante e conte�do cremoso. O de feij�o une telha de feij�o-branco, vinagrete de fradinho, espuma de tutu e p� de feijoada. Os p�s, ali�s, aparecem muito na finaliza��o dos pratos, que ganham mais uma camada de sabor, sem aumentar o seu volume.
Ostra de frango
Em um dos pontos altos do menu, uma concha de ostra chega � mesa. O prato agu�a primeiro a curiosidade. Afinal, o chef n�o serve frutos do mar. Mas aquela concha abriga uma ostra de frango, parte do dorso da ave colada na sobrecoxa. O formato se parece com o do molusco, mas os sabores s�o totalmente mineiros. Na boca, a carne, o pat� de f�gado e a geleia de jil� s�o envolvidos por um molho de laranja que traz o frescor que se espera ao comer ostra.

A vaca atolada do Pacato, como representante da cozinha de quintal, tem mais mandioca do que carne. “As pessoas colocavam um peda�o de costela e muita mandioca para fazer render a carne.” L�, a carne vira uma esp�cie de pat�, � envolvida por uma fatia de mandioca, posicionada sobre folhas de agri�o e coberta por espuma de mandioca com manteiga de garrafa.
O jil� se transforma em um prato com creme de milho e p� de quiabo. Ele � servido inteiro, com textura mais firme e tem o amargor equilibrado com semente de mostarda, pimenta caipira da casa, suco de lim�o e mel. Tamb�m pela vontade de fugir do �bvio, Caio usa tomate para fazer marmelada. “A doceria mineira � muito baseada nas compotas. Normalmente, fazemos com frutas, mas queria escolher uma que n�o fosse usual.” Para acompanhar, sorvete de capim- lim�o e farofa de p�o doce.
A torta de milho com queijo canastra � uma vers�o mineira da torta espanhola de queijo. Na mesa, ela � regada com calda de doce de leite fermentado, que tem um sabor mais �cido. “Fermentamos o leite para depois produzir o doce de leite. Ele fica um pouco mais claro, porque n�o tem tanta carameliza��o.”
Por enquanto, o restaurante vai abrir apenas para o jantar e mediante reserva. Al�m do menu degusta��o, existe a op��o de escolher o servi�o � la carte. O almo�o nos fins de semana � uma novidade prevista para janeiro. No card�pio, pratos para compartilhar baseados em assados.
Pasta de jil� tostado
Ingredientes
500g de jil�; 75g de tahine (pasta de gergelim); 1 lim�o; sal, pimenta-do-reino e azeite a gosto
Modo de fazer
Corte o jil� ao meio e tempere com sal, azeite e pimenta-do-reino. Leve ao forno aquecido a 200 graus por 20 minutos. Retire o jil� j� assado da casca com uma colher. Adicione tahine, suco de lim�o, sal e pimenta-do-reino. Misture bem. Sirva com azeite e ervas frescas picadas.
Servi�o
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