
Rio de Janeiro – O endere�o nos leva � porta de um restaurante. Voc� se senta no balc�o enquanto espera ser convidado para entrar. No momento certo, recebe a “senha” para atravessar o sal�o e passar por dentro da cozinha, em pleno funcionamento. De repente, uma cortina vermelha se abre na sua frente e revela um ambiente com m�sica e luzes. Em instantes, come�a um espet�culo que convida o p�blico a interagir com a comida usando todos os sentidos.
Este lugar “secreto” � palco dos jantares do Mesa do Lado, novo projeto do chef Claude Troisgros com o diretor de arte Batman Zavareze. Fica nos fundos do restaurante Chez Claude, no Bairro Leblon.
Muito influenciado pela sua trajet�ria na televis�o, o chef, com quase 50 anos de profiss�o, idealizou uma experi�ncia multissensorial in�dita, em que vis�o, audi��o, olfato e tato estimulam o paladar.
“Parte da minha forma��o profissional me levou � t�cnica, criatividade, mistura de elementos, mas, com o tempo, voc� come�a a entender que o sabor � influenciado por outros fatores.”
A experi�ncia se desenrola em uma “caixa” escura de 49 metros quadrados. S�o apenas seis mesas, com dois lugares cada, e uma bancada de cozinha.

Conhecido pelo nome do seu super-her�i favorito, Batman tem um trabalho abrangente de cenografia (viajou o Brasil como diretor do mais recente show da cantora Marisa Monte), mas esta � a sua estreia na gastronomia. � ele quem cuida da imagem como um todo do projeto, desde as proje��es at� as lou�as, passando pela roupa da equipe e o “bal�” dos gar�ons.
Ainda sem saber ao certo o que esperar, somos recepcionados pelo famoso biscoito de polvilho ao curry com creme de trufa e uma ta�a de espumante. Na sequ�ncia, a esfera de queijo canastra por cima de uma bruschetta explode na boca e chacoalha as papilas gustativas.
Logo vem o recado em alto e bom som da m�sica de Gilberto Gil: “O melhor lugar do mundo � aqui e agora”. Os sinais s�o claros de que o momento � de se desconectar da vida l� fora e se preparar para o que est� por vir.
De uma hora para a outra, as luzes come�am a piscar e um rock'n'roll da pesada aumenta o clima de suspense. Surpresa! Os gar�ons saem de tr�s da cortina, com o pr�ximo prato em m�os, e servem todas as mesas ao mesmo tempo. Agora o espet�culo vai come�ar para valer.
Definitivamente, o Mesa do Lado n�o � apenas um jantar. Seria uma pe�a de teatro? Sim. Mas tamb�m tem muito de show de m�sica, cinema e programa de TV. O menu, com 10 etapas, divide-se em tr�s atos. Tem hora para come�ar e para terminar.

A comida n�o � harmonizada apenas com vinhos: trilha sonora e ilumina��o entram em cena para valorizar os sabores. N�o se fala em uniforme, a equipe usa figurino. Nem parece, mas todos os movimentos dos cozinheiros e gar�ons s�o ensaiados.
Ch�o, paredes, bancada e coifa. Todas essas superf�cies funcionam como tela durante as proje��es, que ajudam a contar a hist�ria do menu. Somos levados a um campo onde uma mulher colhe flores.
“Quando o Claude preparou esse prato na minha frente, perguntei de onde vinha a flor e ele me levou at� a F�tima, sua fornecedora h� 30 anos, pioneira no cultivo de org�nicos no Rio e no Brasil”, conta Batman, revelando que o pr�prio chef filmou a cena com um celular.
Depois vamos entender que as flores est�o no prato “sem nome”, que nos envolve v�rias cores, formatos, sabores e texturas. Diz muito sobre a cozinha de Claude e o que ele quer mostrar no Mesa do Lado. O menu joga luz sobre o produto e o pequeno produtor brasileiro e entrega emo��o.
“Fa�o o que gosto de fazer em qualquer receita que preparo: valorizar as texturas, o sabor (a acidez est� sempre presente), uma bela apresenta��o. Tem um pouquinho de modernidade, mas sem exagero”, explica.
Reflex�es viram poesia
Em alguns momentos, escritos com a letra de Claude surgem nas paredes. Reflex�es sobre a gastronomia viram poesia. “A culin�ria � uma arte que envolve todos os sentidos”, por exemplo, frase que resume bem o que � a experi�ncia. Nesse caso, n�o houve ensaio. O chef diz que essas palavras v�m “do cora��o, da mente, da sabedoria, do tempo de estrada e das leituras.”

Batman conseguiu registrar as frases porque sempre andava com uma caneta preta e pedia para o chef escrever num papel exatamente o que tinha acabado de falar.
“Fiquei num dilema, tinha erro de portugu�s, faltava acento. Mas depois pensei que o Claude continua falando 'marravilha', n�o tinha largado essa heran�a francesa, ent�o fomos absorvendo a linguagem que � pr�pria dele”, destaca o diretor de arte, que guarda uma pilha com quase 80 escritos (deve ter usado em torno de 20%).
Corta para o ambiente escuro. Os olhos se voltam para o fog�o. Um dos cozinheiros segura uma frigideira, de onde saem chamas altas e o chiado de carne sendo grelhada. A cena mostra que aquela cozinha n�o tem nada de cenogr�fica. Funciona o tempo todo na finaliza��o e montagem dos pratos.
Acompanhando a “coreografia” na cozinha, vemos a carne se juntar ao pur� de mandioca, batata-doce agridoce, quiabo defumado e blueberries. Logo que o prato chega � mesa, ele � inundado por um bordelaise, cl�ssico da cozinha francesa, bem denso, que une todos os elementos. Nas proje��es que se revelam a seguir, vemos que o molho, potente de sabor, leva vinho tinto e caldo de mocot�.
Em uma de suas apari��es na tela, Claude anuncia um momento muito especial para ele. No primeiro menu do Mesa do Lado, ele escolheu servir um prato que parece simples, tem apenas molho e peixe, mas que surpreende pela sutileza e harmonia de sabores. Uma receita que marcou sua inf�ncia, sua carreira e a cria��o da “nova cozinha francesa”.

Logo descobrimos ser o escalope de salm�o com azedinha, tradi��o da fam�lia Troisgros, que por causa dele ganhou a terceira estrela Michelin.
“Meu pai morou quatro anos no Jap�o e voltou para a Fran�a com a ideia de servir um peixe malpassado, no caso o salm�o, que naquela �poca desovava no rio Loire, que passa na minha cidade, Roanne. A� vem um molho cremoso, cl�ssico franc�s, � base de vinho branco, e a azedinha, uma erva daninha que crescia no quintal da casa da minha av�”, descreve. Esse prato, criado em 1964 e reproduzido no mundo inteiro, continua a ser “modern�ssimo”, diz Claude.
Quando fala que a experi�ncia envolve, al�m dos cinco sentidos, mem�ria e afeto, Batman tem toda raz�o. A hist�ria � de Claude, mas tamb�m de todos n�s. Ver as fotos em preto e branco da fam�lia Troisgros faz o diretor de arte se lembrar do nhoque do av�, do cheiro da comida da av�, das mem�rias constru�das em fam�lia.
N�o tem como n�o se emocionar. “Est� cada vez mais dif�cil, nos dias atuais, sentirmos emo��o e o sabor mexe com a gente nesse ponto.” Basta deixar a “zona de controle”.
Troca intensa
Pandemia, restaurantes fechados e muitos pedidos de lives. Claude Troisgros alugou a loja nos fundos do Chez Claude para montar uma cozinha/est�dio. Com a reabertura do com�rcio, o espa�o ficou subutilizado e foi sendo ocupado por novas ideias. O encontro do chef com Batman Zavareze veio para mostrar que a arte da gastronomia e a arte da imagem podem criar juntas uma experi�ncia �nica.

“O Claude � um chef genial na arte da gastronomia e tem sensibilidade para enxergar beleza no que tem de melhor no Brasil, o que � para poucos. Ele sai de um mundo estereotipado e mergulha na ess�ncia brasileira, no que �s vezes nem o brasileiro consegue enxergar, e eu me incluo nesse lugar”, analisa o diretor de arte, justificando por que disse “sim” para um projeto totalmente inusitado.
Por outro lado, Claude expressa a alegria de estar ao lado do “g�nio da proje��o”, de se entregar a uma troca amorosa e generosa de saberes, viv�ncias e hist�rias.
“Foi um processo muito lento, po�tico, lindo, saboroso, onde tudo evoluiu e tudo mudou. Surgiam ideias sem parar, e isso � maravilhoso”, descreve o chef, revelando que muitas conversas foram regadas a uma boa dose de cacha�a.
A dupla levou um ano para criar o roteiro do Mesa do Lado. N�o � muito para quem acredita em um processo cont�nuo de evolu��o. “N�s nos permitimos construir, amadurecer, decantar, enxergar os erros, o que pode ser lapidado”, aponta Batman. O tempo todo eles perseguem a perfei��o, seja na pitada a mais de sal ou no segundo exato em que determinada m�sica deve entrar.

Segundo o diretor de arte, o Mesa do Lado chega para derrubar certezas, quebrar protocolos e desafiar a mente a n�o cair numa f�rmula pronta. J� o chef destaca que a jornada com os artistas o fez repensar seu jeito de cozinhar.
“Sempre acreditei que colocar emo��o nas receitas transforma o sabor, agora tenho certeza”, defende Claude, que enxerga, de fato, a gastronomia como arte.
Agora vamos aos cr�ditos finais. C�sio Lima, com quem Claude trabalhou no programa Mestre do Sabor, assina a ilumina��o. J� a trilha sonora � de Max Viana e L�nox. O figurino foi criado pela marca carioca Martu. Minas Gerais tamb�m faz parte dessa mistura de talentos. O Ateli� de Cer�mica, de Contagem, desenvolveu uma linha exclusiva de pe�as.
Salm�o com azedinha
Ingredientes
4 escalopes de salm�o (cerca de 150g cada); 1 colher de sopa de azeite; 250ml de vinho Sauvignon Blanc; 125ml de vermute ou mart�ni dry; 80ml de caldo de peixe; 1 cebola roxa picada; 375ml de creme de leite fresco; folhas de azedinha a gosto; sal e pimenta-do-reino mo�da na hora a gosto
Modo de fazer
Em uma panela, misture e reduza totalmente o vinho, o vermute, o caldo de peixe e a cebola. Adicione o creme de leite e deixe ferver at� engrossar, por 5 minutos. Passe pela peneira para obter um molho bem fino. Tempere com sal e pimenta-do-reino e acrescente a azedinha rasgada. Reserve. Fatie o salm�o em escalopes de 12cmx8cm com 1cm de altura. Coloque essas fatias entre duas folhas de papel-manteiga e bata ligeiramente para ficarem do mesmo tamanho. Tempere o salm�o com sal e pimenta-do-reino e pincele com o azeite. Grelhe rapidamente numa frigideira antiaderente bem quente, deixando o escalope malpassado. Despeje o molho em um prato, cobrindo toda a superf�cie. Coloque por cima os escalopes de salm�o e sirva imediatamente.
Servi�o
Rua Conde de Bernadote, 26, Leblon – Rio de Janeiro
de quarta � s�bado, �s 20h
Informa��es no site
*a rep�rter viajou pela Azul Linhas A�reas