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Estado de Minas ESPECIAL

Cidade feminista: mulheres relatam viol�ncia imposta pelos espa�os urbanos

Pesquisadora canadense e leitoras narram luta constante contra opress�es de uma arquitetura urbana desenhada por homens neste especial multim�dia


03/10/2021 04:00 - atualizado 07/02/2022 14:15

ilustração baseada no livro Cidade Feminista, da escritora canadense Leslie Kern
Estado de Minas ouviu relatos de leitoras sobre o quanto espa�os urbanos podem ser hostis �s mulheres (foto: Soraia Piva/EM/D.A Press)

Optar por caminhar no meio da rua, mesmo com o risco de ser atropelada por carros, procurar lugares iluminados, deixar de fazer determinado caminho ou pedir algu�m para acompanh�-la at� determinado lugar. Certamente, se voc� for homem, essas reflex�es podem n�o ter passado pela sua cabe�a enquanto circula pela cidade. Mas, se for mulher, com certeza a maior parte dessas preocupa��es, sen�o todas e muitas outras, integram sua rotina. N�o h� mulher que n�o costume fazer um exame do percurso, seguido de planejamento, todas as vezes que sai de casa. 

E o que era uma percep��o das mulheres foi organizada num trabalho da ge�grafa e pesquisadora canadense Leslie Kern, que prop�e uma reflex�o sobre a rela��o entre a geografia e a viv�ncia das mulheres no livro “Cidade feminista: a luta pelo espa�o em um mundo desenhado por homens”. 

Em di�logo com a obra de Leslie, o Estado de Minas ouviu relatos de leitoras, conversou com a arquiteta J�lia Passos sobre o quanto Belo Horizonte pode ser acolhedora ou hostil �s mulheres e ouviu a Guarda Municipal e a Pol�cia Civil para esta reportagem especial feita pelos n�cleos Multim�dia e DiversEM do EM.



A pesquisadora retoma o processo de urbaniza��o e a forma��o das primeiras cidades para pontuar que todas, sem exce��o, foram concebidas por homens e, portanto, n�o levam em conta quest�es espec�ficas delas. Na Europa, a refer�ncia � o per�odo medieval, mas em cidades de pa�ses colonizados esse per�odo � diferente. No caso de BH, s�o 123 anos. 


O fato de as cidades serem concebidas por homens, t�o naturalizado, passa a ser questionado por feministas. A pesquisadora destaca que o fato de os modelos de cidades n�o contarem com o olhar feminino resulta em espa�os mais hostis �s mulheres. Por�m, essa hostilidade se apresenta de maneiras distintas, de acordo com a etnia e classe social.

Pedestres atravessam calçada com pouca iluminação na Praça da Savassi, em Belo Horizonte
Enquete com centenas de mulheres no stories do Instagram do Estado de Minas reuniu relatos sobre ambientes hostis em BH (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)


O ponto de partida dessa reportagem especial foi conversar com Leslie para entender o significado da express�o que d� nome ao livro. “Uma cidade feminista � aquela que as muheres s�o participantes igualit�rias de todos os aspectos da constru��o de uma cidade e onde as vidas, experi�ncias, corpos e inten��es n�o s�o colocadas como empecilhos no planejamento”, detalha a escritora.

“Ela representa uma vis�o da cidade se preocupando com as necessidades daqueles que historicamente foram mais marginalizados. � tamb�m uma forma diferente de ver a cidade; a perspectiva daqueles que foram exclu�dos e colocados como ‘outsiders’.”

Leitoras relatam locais e situa��es hostis

A partir de uma enquete com centenas de mulheres no stories do Instagram do Estado de Minas, reunimos relatos de como BH pode ser hostil para as mulheres. Elas listaram quest�es relacionadas � ilumina��o, ass�dio em transportes p�blicos, inclusive carros de aplicativos, mas tamb�m externalizam outras viol�ncias, como questionamentos feitos por policiais ao denunciarem crimes. Outro ponto recorrente foi o controle do comportamento delas, que parte principalmente de um entendimento de como o corpo feminino deve se apresentar no espa�o p�blico. 

Ver galeria . 10 Fotos Confira alguns dos mais de 240 relatos de situações de violências sofridas em espaços urbanos enviadas por leitoras do Estado de Minas em enquete on-lineRamon Lisboa/EM/D.A Press
Confira alguns dos mais de 240 relatos de situa��es de viol�ncias sofridas em espa�os urbanos enviadas por leitoras do Estado de Minas em enquete on-line (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press )


Em um dos cap�tulos de “Cidade feminista”, Leslie discute o mapa da viol�ncia. “Para mulheres de cor, que relatam n�veis mais elevados de ass�dio e viol�ncia do que mulheres brancas, homens brancos e figuras de autoridade do sexo masculino, como policiais, podem ser especialmente preocupantes”, afirma. Leslie destaca que as mulheres deslocam parte do medo para os espa�os: ruas, becos, plataformas de metr�, cal�adas escuras da cidade. O que foi recorrente no levantamento de relatos feito pelo Estado de Minas.



A arquiteta J�lia Passos traz reflex�es que dialogam com esse pensamento de Leslie. Um exemplo seriam os muros altos de resid�ncias e pr�dios, que aumentam a sensa��o de inseguran�a de mulheres que andam por essas ruas. “D� para sugerir que uma cidade pensada para a mulher seria uma cidade melhor para crian�as, idosos, pessoas com defici�ncia, ou seja, para todo mundo”, afirma.

"Os custos ocultos do medo"

A viv�ncia das mulheres nas cidades envolve c�lculos constantes de risco sobre o uso de cada espa�o p�blico. “Esses s�o os custos ocultos do medo, que impedem as mulheres de viver uma vida plena, livre e independente na cidade. As consequ�ncias sociais, psicol�gicas e econ�micas s�o substanciais. Elas colocam um peso enorme sobre os dias j� sobrecarregados das mulheres: temos a ‘dupla jornada’ de trabalho remunerado e o n�o remunerado”, comenta Leslie.

Para tentar reverter essa hostilidade urbana, movimentos t�m questionado a forma como as cidades est�o organizadas. Entre eles est�o o “Take back the night” (Devolva a noite), o “Paradas de orgulho”, na �ndia, a “Marchas das vadias” e a campanha #Cu�ntelo.

Pedestre anda em rua com pouca iluminação próximo à Praça da Liberdade, em Belo Horizonte
Falta de ilumina��o ou ilumina��o prec�ria s�o um dos principais pontos de questionamento das mulheres (foto: Ramon Lisboa/EM/D.A Press)


E n�o � necess�rio derrubar tudo e come�ar do zero. “A cidade feminista n�o precisa de um projeto para torn�-la real. N�o quero que uma super planejadora feminista destrua tudo e comece de novo. Mas, assim que come�armos a ver como a cidade � configurada para sustentar uma forma espec�fica de organizar a sociedade – por g�nero, ra�a, sexualidade e muito mais –, podemos come�ar a procurar novas possibilidades”, escreve Leslie na obra. 

Planejamento pode evitar a segrega��o

A pedido da reportagem, a arquiteta J�lia Passos prop�s formas de as cidades serem mais amig�veis para as mulheres. A ideia central � avaliar como o planejamento urbano pode evitar a segrega��o e garantir o direito � cidade. E n�o s� o acesso � cidade, mas o direito de mudar as regras. 

A arquiteta defende a urg�ncia de desenvolver projetos relacionados � ilumina��o p�blica, banheiros p�blicos de qualidade para mulheres e homens, fachadas perme�veis nos lugares de muros imensos, ruas mais amplas e iluminadas, fachadas ativas que garantam ‘olhos da rua’. “� um conceito que se refere � sensa��o de seguran�a causada pelo movimento, pela presen�a das pessoas e n�o pelo policiamento”, explica J�lia.
 
Pedestres atravessam local com pouca iluminação na Praça da Estação, em BH
A viv�ncia das mulheres nas cidades envolve c�lculos constantes de risco sobre o uso de cada espa�o p�blico (foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press)


Ao fazer refer�ncia ao livro “Cidade feminista”, Julia destaca o trecho da obra que diz que as “suavizam as arestas dessa experi�ncia por meio do design urbano n�o desafia o patriarcado em si. � preciso reconhecer as regras ideol�gicas que orientam as cidades para pensar os novos caminhos”.

“A cidade � constru�da de forma a marginalizar as minorias sociais. Antes de qualquer coisa, � preciso assumir um compromisso pol�tico que garanta que n�o s� as mulheres, como a popula��o negra, LGBT participe da constru��o das cidades a partir das pr�prias demandas. Seria preciso construir uma nova agenda urbana que considerasse essas dimens�es raciais, de g�nero e sexualidade”, destaca a arquiteta, em refer�ncia a trecho do livro.

Para J�lia, � essencial “olhar para a diversidade e ouvir a multiplicidade de vozes”. “A cidade ainda � regida e governada pelos homens e isso traz implica��es diretas para a vida das mulheres. � urgente a cria��o de espa�os institucionais para as mulheres constru�rem cidade mais democr�tica”.

Nota da Pol�cia Civil

Em nota, a Pol�cia Civil de Minas Gerais informou que "prioriza um acolhimento qualificado e humanizado �s mulheres v�timas de viol�ncia que buscam, espontaneamente ou mesmo quando trazidas por outros �rg�os de seguran�a em situa��es de flagrante, as delegacias de Pol�cia Civil." Segundo o texto, em BH "h� profissionais capacitados, com forma��o em psicologia, que realizam o primeiro atendimento �s v�timas na Delegacia Especializada em Atendimento � Mulher. Al�m disso, BH ainda conta com uma delegacia exclusiva para investiga��es de crimes sexuais."

"No servi�o de acolhimento s�o apresentados �s mulheres todos seus direitos e outros servi�os da rede de apoio dispon�veis. Atualmente, Minas conta com 70 delegacias especializadas no atendimento � mulher, sendo quatro em Belo Horizonte e outras 66 no interior do estado, com profissionais que constantemente passam por cursos de capacita��o e aperfei�oamento no atendimento � mulher", diz a nota.

Entenda o que s�o fachadas ativas

As fachadas ativas s�o aquelas que integram o espa�o privado e a rua. Um bom exemplo disso s�o os edif�cios residenciais com com�rcios ou espa�os culturais no t�rreo. A fachada ativa, al�m da permeabilidade f�sica, ou seja, permitir a circula��o das pessoas, oferece uma permeabilidade visual, ou seja, promove alguma integra��o com a rua, mesmo que o pedestre n�o entre no local.
A proposta das fachadas ativas se contrap�e ao que vemos frequentemente na cidade: muros altos e fechados, que empobrecem a experi�ncia do pedestre e trazem uma sensa��o de inseguran�a pela falta de "olhos da rua".

Saiba o que � o conceito de Olhos da Rua

“Olhos da rua” � um conceito da urbanista e ativista social norte-americana Jane Jacobs, autora de “Morte e vida das grandes cidades”, que se refere � presen�a de pessoas utilizando o espa�o p�blico ou apenas olhando para as ruas de suas janelas. Isso traz uma sensa��o de vigil�ncia e seguran�a, que nada tem a ver com o policiamento. Para tal, o contato das edifica��es com o espa�o p�blico � essencial.

*Estagi�rias sob supervis�o do subeditor Rafael Alves


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