
Nos �ltimos dias, os meios de comunica��o internacionais e nacionais deram destaque � nova cartografia da China, divulgada recentemente pelos �rg�os competentes do pa�s. A rea��o contr�ria ao novo tra�ado foi imediata nas na��es ocidentais, nos vizinhos e entre aqueles que contestam os novos limites apresentados.
Na nova configura��o, o territ�rio chin�s salta de 9,5 milh�es km2 para 10,5 milh�es km2. Evidentemente, as cr�ticas ao novo contorno se disseminaram globalmente. A maior parte da �rea acrescida ao territ�rio do pa�s abrange as �reas costeiras do Mar Meridional chin�s, que se estende pela plataforma continental geomorfol�gica (PCG) - a �rea que corresponde, simplificadamente, � borda de um continente que fica sob o oceano. A PCG concentra grandes riquezas naturais e � onde se encontram algumas das maiores reservas petrol�feras mundiais.
A famosa “linha dos nove tra�os”, estabelecida pela China unilateralmente, em 1947, percorrendo o litoral de Taiwan, Filipinas, Brunei, Indon�sia, Mal�sia e Vietn�, foi estendida para a “linha dos 10 tra�os”, inserindo no novo tra�ado a Ilha de Formosa, local que se localiza Taiwan.
Tal decis�o aumenta as tens�es regionais, pois � uma �rea de disputa h� d�cadas. Taiwan luta pelo seu reconhecimento internacional como na��o independente, mas enfrenta a resist�ncia chinesa nesse processo, que considera, historicamente, o arquip�lago como uma “prov�ncia rebelde” e n�o uma na��o soberana.
Na mudan�a cartogr�fica divulgada recentemente, h� tamb�m uma altera��o na nomenclatura da �rea disputada: a Regi�o de Taiwan (como os chineses se referiam ao arquip�lago) passa a se chamar oficialmente Prov�ncia de Taiwan, estremecendo ainda mais as rela��es m�tuas.
Como essa nova cartografia chinesa, especialmente sobre o mar, espalha uma rea��o negativa no Ocidente e entre os vizinhos, vamos abordar, para alguns esclarecimentos, de forma resumida, a quest�o oce�nica, sob a perspectiva das delimita��es dos espa�os costeiros e a import�ncia que isso tem para as na��es banhadas pelo mar, como o Brasil.
� importante frisar que, at� a d�cada de 1980, inexistia legisla��o sobre o direito ao mar. A massa l�quida oce�nica, dentro da doutrina defendida pelos brit�nicos, era de “mare liberum” (mar aberto). Mas, ap�s 1945, com a mudan�a imposta pelos EUA sobre sua plataforma continental geomorfol�gica (PCG), tomou lugar a doutrina da “mare clausum” (mar fechado).
Historicamente, at� tempos recentes, n�o havia uma preocupa��o com a delimita��o dos espa�os oce�nicos. O ambiente marinho era considerado um bem-comum, de todos. Normalmente, essa condi��o pode ser muito problem�tica, uma vez que ningu�m assume a responsabilidade por esse bem. N�o se aplica um pre�o, porque n�o h� quem possa dar um valor. A ideia de que pertence a todos retira o conceito de propriedade e de valor, o que leva muitas vezes ao abandono daquele recurso e da sua defesa.
Somente a partir da Segunda Guerra Mundial � que houve de fato uma preocupa��o sobre a delimita��o. Antes, as �guas territoriais costumeiras de posse de um pa�s alcan�avam at� tr�s milhas oce�nicas. Essa extens�o equivalia � capacidade de alcance dos canh�es instalados em terra. Partia-se do princ�pio de que o direito � extens�o sobre os oceanos iria at� onde as balas de canh�es conseguiam atingir. Entretanto, apesar de respeitados esses limites, n�o havia normas claras sobre essa pr�tica.
Em setembro de 1945, pouco depois do findar a grande guerra, Harry Truman, presidente dos Estados Unidos, audaciosamente, estendeu a jurisdi��o do pa�s para a sua PCG e sobre os recursos do solo e subsolo dessa extens�o da massa terrestre, cont�gua � costa.
De imediato � declara��o dos EUA, seguiram-se novas reivindica��es an�logas de outros pa�ses, em especial da Am�rica Latina e do Oriente M�dio. Essa iniciativa norte-americana impunha emerg�ncia no estabelecimento legal dos limites costeiros. Todavia, as primeiras tentativas n�o foram bem sucedidas.
Ap�s a primeira Confer�ncia Ambiental promovida pela Organiza��o das Na��es Unidas (ONU), em 1972, em Estocolmo, quando foi realizado o primeiro alerta global sobre os impactos crescentes sobre o meio ambiente, incluindo os interesses crescentes sobre os limites litor�neos, a preocupa��o legal sobre o mar tornou-se crucial.
A ONU, na sequ�ncia, em 1973, se reuniu para tratar das discuss�es ambientais mais complexas, englobando a quest�o do direito sobre o mar. Os longos debates se estenderam at� 1982. Naquele ano, na Jamaica, foi aprovada a Conven��o das Na��es Unidas sobre o Direito do Mar (UNCLOS, na sigla em ingl�s), conhecida como a Conven��o de Montego Bay (nome da cidade jamaicana onde foi assinada).
O novo documento definiu os limites oce�nicos que deveriam ser adotados, a partir de 1994, quando o documento entrou em vigor. O Brasil ratificou esse documento em dezembro de 1988.
O texto estabeleceu a cria��o da Zonas Econ�micas Exclusivas (ZEEs), definidas como uma faixa limitada de 200 milhas oce�nicas, aproximadamente 370,4 km, a partir da linha de base do mar. Se o litoral mais pr�ximo estiver a menos de 200 milhas, a fronteira �, em princ�pio, tra�ada a meio caminho entre as linhas de base dos dois pa�ses costeiros.
Por meio dessa conven��o, ficou garantido o direito de explora��o dentro das ZEEs, al�m, por exemplo, do direito de construir ilhas artificiais. Nas ZEEs, prevalece o direito de explora��o sobre recursos naturais encontrados, tanto minerais quanto pesqueiros, a realiza��o de pesquisas e o estabelecimento das normas legais de preserva��o das esp�cies vivas, entre outras medidas.
Essas normas legais configuram a Plataforma Continental Jur�dica (PCJ) do Estado costeiro e englobam as fei��es geogr�ficas conhecidas como plataforma continental, talude continental, eleva��o continental e, em algumas circunst�ncias, inclusive regi�es da plan�cie abissal.
Montego Bay estabeleceu tamb�m a �rea de soberania plena dos pa�ses para a regi�o mar�tima de 12 milhas, o Mar Territorial (MT), equivalente a 22,2 km, a partir da linha de base oce�nica. Sobre essas �guas se estendem os direitos constitucionais e o controle absoluto sobre o solo, o subsolo e o espa�o a�reo nacional dessa massa l�quida. Fora dos limites do MT, o espa�o a�reo � internacional, fora da jurisdi��o do Estado costeiro, salvo em casos especiais.
Na faixa compreendida com MT, � permitido o tr�fego de embarca��es, tratadas como “passagem inocente” r�pidas, cont�nuas e sem paradas (casos necess�rios extremos, somente com a permiss�o do governo � que podem atracar).
O que a constitui��o proibir em terra prevalece no mar. Assim, como no Brasil os cassinos s�o proibidos, um cruzeiro que ofere�a esse tipo de jogatina n�o trafega nos limites das 12 milhas. Outra determina��o recai sobre os submarinos e submers�veis estrangeiros, que devem navegar pela superf�cie dentro desses limites.
A partir das �guas territoriais, foram estabelecidas mais 12 milhas (44,4 km), correspondentes � Zona Cont�gua. Essa faixa funciona como uma zona tamp�o, como um limite preventivo, para casos de seguran�a e de fiscaliza��o ao MT, de qualquer situa��o que possa gerar algum tipo instabilidade ao territ�rio de uma na��o.
Finalmente, a conven��o faz do alto mar um patrim�nio comum da humanidade. Teoricamente, o alto mar n�o pertence a ningu�m, porque ningu�m tem o direito de se apropriar do que poderia facilmente ser propriedade do outro. Todavia, na pr�tica � bem mais complicado, o que obrigou a ONU a elaborar um tratado de prote��o em alto mar, em mar�o passado (como n�o � o objeto de interesse, nesse momento, n�o iremos prolongar o tema).
A UNCLOS garante aos Estados a possibilidade de solicitar a extens�o dos seus direitos de explora��o para al�m da sua ZEE. Isso ocorre quando se consegue comprovar a continuidade geol�gica da plataforma continental para fora das 200 milhas. H�, atualmente, um grande n�mero de pa�ses envolvidos nesse procedimento, muitas vezes um processo longo, com dura��o, em m�dia, superior a 10 anos.
O Brasil foi o segundo desses pa�ses. O primeiro foi a R�ssia, em 2001. Os brasileiros entraram com o pedido de estender Plataforma Continental Jur�dica, em 2004. Com novos ajustes recomendados pela comiss�o de an�lise do pedido, ao longo do tempo, o projeto de alargamento da PCJ se estendeu para 350 milhas n�uticas quando foi reapresentado � ONU, em 2015.
Uma vez aprovado, o territ�rio mar�timo brasileiro saltaria de 3,5 milh�es de km2 para mais de 4,5 milh�es de km2 (superior a 50% da �rea continental do pa�s).
A proposta engloba a Eleva��o do Rio Grande (ERG), um planalto submerso, com profundidade de 600 a 4000 metros, que se encontra, aproximadamente, entre 1300 a 1500 km do litoral do Rio Grande do Sul. Essa �rea, segundo os ge�logos, seria um fragmento de continente da antiga Gondwana (por��o meridional da ruptura da Pangeia), que afundou h�, estimados, 40 milh�es de anos e � extremamente rica em recursos minerais, inclusive as cobi�adas terras raras, chamado de “pr�-sal da minera��o” brasileira.
A ONU deu um parecer favor�vel para a extens�o parcial desse territ�rio no final de 2019. O acr�scimo das 350 milhas n�uticas � jurisdi��o brasileira comp�e a famosa “Amaz�nia Azul”, a �rea costeira riqu�ssima em recursos vivos e n�o vivos, superior � �rea da Amaz�nia Verde, que estariam sob a responsabilidade da Uni�o e estrat�gicos para a economia do pa�s.
Enquanto isso, nas controv�rsias internacionais, como sempre os interesses econ�micos embasam muitas das estrat�gias geopol�ticas adotadas. Os EUA, que n�o ratificaram a UNCLOS, ironicamente, exigem que ela seja respeitada pela China. A China, um pa�s signat�rio da conven��o, � contestado pelas na��es vizinhas por infringir direitos legais amparados por esse documento.
� uma queda-de-bra�o cont�nua, com a vit�ria do mais forte sempre, mas nesses imbr�glios quase nunca h� inocentes. � um constante jogo de quem leva mais vantagens, numa “lei de G�rson” global. Agora � aguardar os desfechos que est�o por vir.