(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas CONEX�O DE SABERES

Depois de t�tulo de not�rio saber, Ricardo Aleixo coordena curso na UFMG

Com o t�tulo que equivale ao doutorado, o poeta montou o curso 'Artes e po�ticas ancestrais', ofertados para alunos e toda a comunidade na UFMG


18/05/2022 11:40 - atualizado 18/05/2022 20:58

Ricardo Aleixo usa terno azul, chapéu preto e óculos e gesticula com a mão direita
Ricardo Aleixo recebeu o t�tulo de not�rio saber pela UFMG em 16 de dezembro (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)

As bougainvilles d�o boas-vindas a quem chega � Esta��o Ecol�gica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), no c�mpus da Pampulha. Est�o atr�s de um port�o de ferro que d� acesso a um ambiente arborizado que nem de longe parece uma sala de aula.
 
No entanto, n�o haveria lugar  mais apropriado para abrigar uma pequena revolu��o no ambiente acad�mico. Na ter�a-feira (17/05), uma tarde de um dos outonos mais frios na capital, os cerca de 30 alunos sentam-se em roda para ouvir a professora do m�dulo no curso  Saberes tradicionais - artes e po�ticas ancestrais, Pedrina de Lourdes Santos, a capit� Pedrina do Reinado de Nossa Senhora das Merc�s, de Oliveira. Oferecido pela Faculdade de Letras da UFMG, o curso est� dividido em tr�s m�dulos.
 
Antes de  qualquer ensinamento, ela alerta que � preciso se conectar ao sagrado. "Negro reza, cantando". E come�a a entoar as toadas da tradi��o do Reinado - n�o s�o cantos nem c�nticos, como enfatiza na primeira li��o, s�o toadas.
 
O curso foi concebido e est� sendo coordenado pelo poeta Ricardo Aleixo, que, desde 16 de dezembro de 2021, est� apto a lecionar na universidade, quando recebeu o t�tulo de not�rio saber, equivalente ao doutorado. Ricardo � o primeiro escritor negro a receber o t�tulo de not�rio saber  de uma universidade p�blica no Brasil. O escritor Nei Lopes recebeu o t�tulo de doutor honoris causa pela Universidafe do Rio de Janeiro (Uerj) em mar�o deste ano.

O t�tulo de not�rio saber concedido a Ricado Aleixo � um reconhecimento da contribui��o intelectual do poeta, que completou 60 anos em 2021.  Pesquisador da palavra em movimento, o poeta convidou para o curso "zeladores da palavra", marcando posi��o em rela��o � for�a da tradi��o oral.
 
Ricardo estabelece a conex�o entre os saberes popular e cient�fico. Por entender o valor desse dois lugares, Ricardo, amplamente reconhecido por sua obra liter�ria, fez quest�o de seguir os ritos acad�micos. Apresentou um memorial que equivale a uma tese, em que apresentou aspectos biogr�ficos e a mem�ria de sua forma��o art�stica e intelectual. "Optei por escrever no formato do trabalho acad�mico. Tive como uma das bases um documento semelhante, elaborado, nos anos 1980, pelo maestro e compositor Gilberto Mendes", afirma.
 
O maestro lecionava na PUC S�o Paulo. "N�o tinha gradua��o, mas era o mais importante m�sico, era o decano da m�sica de vanguarda no Brasil", diz Ricardo sobre a refer�ncia.
 
Ricardo Aleixo usa terno azul, chapéu preto e óculos e coloca a mão direita na boca
Ricardo j� lecionava, mas n�o era reconhecido como professor universit�rio (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
 
 
No Memorial Art�stico-Intelectual, como define o documento, Ricardo apresenta as refer�ncias bibliogr�ficas  e como foi a constru��o de  conhecimento por quem n�o frequentou a escola formal. "Fui alfabetizado em casa, onde aprendi tamb�m caligrafia e a gostar de m�sica. Tive aula de orat�ria com meu pai", revela. Tamb�m listou as leituras que embasaram o processo de forma��o intelectual, o qual ainda esta em curso, conforme pontua. 

A provoca��o da import�ncia de Ricardo receber esse reconhecimento acad�mico foi feita pela professora titular da UFMG, Maria Aparecida Moura. "Ela sabia que eu j� tinha dado aula de design sonoro por seis anos.  No entanto, foi bem complicado. Eu n�o podia lan�ar nota, orientava trabalho de conclus�o de curso, fazia tudo que um professor fazia, mas n�o podia assinar como professor."
 
Em 2016, a comiss�o de not�rio saber constitu�da pela UFMG o procurou para convid�-lo a iniciar o processo. Ricardo considera que veio em um bom momento. "O modo que escolhi para me educar tornou-se obsoleto. N�o temos pessoas que atuam no campo art�stico e intelectual que, tendo oportunidade cursar desde a gradu��o at� o p�s-doc em arte, n�o tenham feito", avalia. No entanto ele destaca que, no momento atual, o Brasil est�  bem-servido de forma��o acad�mica no campo das artes, mas n�o era assim quando ele come�ou a atuar como artista. 
 
O memorial passou por v�rias comiss�es e por uma banca avaliadora at� ter sido aprovado por unanimidade. Muito elogiado, o documento teve recomenda��o para ser publicado. "Queria fazer algo estritamente dentro do rigor acad�mico", diz. Ricardo lamenta que n�o tenha passado pela argui��o da banca. "Queria ter defendido, porque gosto do debate p�blico e porque pude fazer uma leitura da minha obra e do que foi necess�rio para desenvolv�-la que n�o tinha tido oportunidade de fazer antes", completa.
 
O poeta reconhece que teve muita obstina��o para estudar por conta pr�pria. Ricardo costuma contar que "fugiu da escola" antes de completar o ensino m�dio. Neste processo autodidata, contou com o apoio da irm� F�tima, que cursou letras na UFMG.
 
Olho direito de Ricardo Aleixo, que usa chapéu preto e óculos
Ricardo celebra 30 anos do primeiro livro publicado, Festim (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
 
 
"De algum modo eu fiz o curso com ela. Foi a primeira  vez que eu li teoria liter�ria. Li livros de lingu�stica, po�tica e semi�tica. Tudo o que entendi que eu precisava para ser um escritor profissional , eu busquei. Sabia  que n�o era fazendo o curso de letras, mas tinha que ter o repert�rio", recorda-se. Ent�o, montou,por conta pr�pria um programa de estudos interdisciplinar que conflui com a linha de pesquisa 'literatura, outras artes e m�dia. 

Curso 'Artes e po�ticas ancestrais'

Capitã Pedrina, Ricardo Aleixo e alunos do curso de pé no formato de uma roda
Capit� Pedrina, ao centro, � uma das professoras convidadas para o curso 'Arte e po�ticas ancestrais' (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
 

Po�ticas da voz � um assunto do interesse de Ricardo desde a inf�ncia. "Na minha casa sempre se cantou muito", diz. Essa mem�ria dever� fazer parte do livro "Campo Alegre", da cole��o BH. A cidade de cada um, que Ricardo est� escrevendo. Ele cita para falar dessa aten��o dada �s po�ticas da voz entrevistas que fez para o livro.  "Tenho entrevistado as pessoas do bairro que s�o ex�mias contadoras de hist�ria. Elas ilustram com cantos, t�m um gestual muito rico", afirma.
 
Ricardo destaca que a maneira como as pessoas lidam com a palavra tem uma dimens�o simb�lica, est�tica, vocal, corporal,  musical, c�nica e espiritual. "Tamb�m tem a dimens�o t�cnica que, em meu entendimento, � indissoci�vel de tudo isso. Quando se escuta algu�m, como a capit� Pedrina, entoando, procuramos entender n�o s� como essas toadas foram criadas, mas como � que isso se d� como procedimento t�cnico ao longo do tempo".
 
Interessa a Ricardo investigar como � o aprendizado da toada, por exemplo. "Uma roda � formada... a pessoa apura o ouvido, aprende a entoar, timidamente de in�cio, ou algu�m � chamado pela mais velha que diz '� assim que se faz'... Ou � tamb�m um ensinamento, quando v�o buscar folhas no mato, e o mais velho diz 'canta isso aqui'".
 
Ricardo denominou conceitualmente de 'zela��o' esses processos de troca da palavra em movimento. Ele lembra que zela��o tanto denomina o fen�meno astron�mico da estrelas cadetes quanto se aproxima do verbo 'zelar'. "Quem s�o os zeladores? Quem s�o as zeladoras da palavra? Sempre entendi que a palavra n�o � apenas falada. Ela nos fala tamb�m".
 
Para o curso, ele convidou para lecionar pessoas que zelam pela palvra. "A benzedeira zela pela palavra, e a palavra dela tem tanta for�a, que ela  pr�rpia � a primeira a ser zelada por essa palavra que ela entoa". Nos tr�s m�dulos, Ricardo prop�e que as pessoas estabele�am rela��es com as palavras. "A palavra para n�s, que viemos de outras terras, n�o � letra fria, letra mortal Para n�s, ela � coisa viva, ela tem poder, ela tem energia e for�a. O curso nasceu dessa vontade de escutar os mestres e mestras falarem dos pr�prios of�cios".
 
O curso ser� filmado, porque h� assuntos que s�o fundamentos da esfera do sagrado. Mas cada mestre e mestra indicar� o conte�do que considera que pode ser apresentado para todo o p�blico. Eles montar�o performances, para que esse conte�do seja registrado em v�deo. Parte das vagas do curso � destinada �s pessoas das comunidades dos mestres e mestras.
 

Tr�s d�cadas do primeiro livro

No s�bado (21/5), das 11h �s 15h,  na Papelaria Mercado Novo, Ricardo Aleixo celebra os 30 anos do lan�amento do livro de estreia, Festim – um desconcerto de m�sica pl�stica. "Vou ler e comentar poemas – desse meu primeiro voo e dos livros que publiquei ao longo dos anos", adianta. A ideia, com esse evento, � levantar recursos financeiros para publicar uma nova edi��o do Festim.
 
 


receba nossa newsletter

Comece o dia com as not�cias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, fa�a seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)